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CONTEXTO HISTÓRICO DO SEMINÁRIO 12 DE LACAN

No documento Potencial iatrogênico da psicanálise (páginas 153-158)

As aulas do Seminário 12, foram oferecidas nos anos de 1964 e 1965, e a escolha de Lacan pelo tema a ser tratado ao longo desse ano de seu Seminário tem relação próxima com o contexto histórico enfrentado por Lacan na época.

Ao avaliarmos hoje a história do movimento psicanalítico na França, vemos que ela não contraria a tendência geral do movimento em outros países, embora apresente características próprias, ao introduzir elementos conceituais que vão determinar o aparecimento de uma nova época para a teoria e a prática da obra freudiana na França e no mundo. Nos anos do pós-guerra, a Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP, fundada em 1921) estava fortemente apoiada nas lideranças de Sacha Nacht, Daniel Lagache e Jacques Lacan. Já nessa época, circulavam críticas à Lacan por conta de seus métodos de trabalho que não seguiam as disposições da IPA, especialmente no tocante à duração das sessões, com Lacan adotando sessões de duração variável. Quando Jacques Lacan é nomeado diretor do instituto da SPP, a situação se torna insustentável, agravando uma crise que desembocará na primeira “cisão” do movimento psicanalítico francês, cisão dentro da primeira sociedade francesa de psicanálise. Em 1953, a crise culminaria em uma cisão da SPP, com a saída de Lagache e Lacan para fundação de uma nova escola, a Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP, 1953-1963).

Contudo, ao se separarem da SPP, os membros da SFP viam ameaçada também sua condição de filiados à IPA, dando inicio a um longo processo de negociações com a diretoria da IPA visando possibilitar a filiação também dos membros da SFP. Os questionamentos aos métodos lacanianos se intensificavam, particularmente quanto à questão da duração das sessões. As negociações chegam ao fim com um acordo: os membros da SFP que quisessem filiar-se à IPA poderiam fazê-lo, contudo, Jacques

154 Lacan e Françoise Dolto seriam forçados a abrir mão de sua condição de analistas didatas.

Assim, dez anos depois da primeira cisão, em 1963, um momento decisivo para toda história do movimento psicanalítico, Lacan é expulso da Associação Internacional de Psicanálise, o que veio, posteriormente a chamar de sua “excomunhão”. Um ano mais tarde, a SFP é dissolvida e Lacan, por meio de seu Ato de Fundação (Lacan, 1964/2003), funda sua escola, a Escola Freudiana de Paris EFP), acompanhado por discípulos, como Françoise Dolto, Serge Leclaire e Octave Mannoni. Com tal mudança, Lacan se viu forçado a alterar também o local de seu ensino, sendo acolhido na École Normale Supérieure (ENS), graças à ajuda de Louis Althusser, possibilitando que Lacan desse continuidade ao seu ensino. Como afirma Roudinesco (1988, pg. 382): “A partir de dezembro de 1963, uma nova força emerge no interior da terceira geração. De maneira ainda confusa, ela tende a se autodesignar pelo nome de movimento lacaniano”. Essa ruptura promoveu efeitos em Lacan que passou a ter que se haver com questões acerca do modo de constituição e organização do que seria sua escola e sua proposta para formação do psicanalista e transmissão da psicanálise. Isso se faz sentir nos Seminários subsequentes apresentados por Lacan. Trata-se de um período intermediário da obra de Lacan, em que seu pensamento já se mostrava mais amadurecido e se apresentava a necessidade de responder à sua exclusão da IPA e perda da condição de analista didata. Foi necessário pensar qual seria a maneira adotada em sua escola para formação de psicanalistas, quais seriam os mecanismos e princípios adotados para transmissão desse ofício, bem como para articular e estabelecer aquilo que seria a base de seu ensino, as premissas fundamentais da teoria e prática psicanalíticas no âmbito de sua escola.

Lacan buscou responder a esses objetivos nos Seminários subsequentes. A partir de seu Seminário 11(1963-64/1985) são abordados temas relacionados aos fundamentos essenciais da prática psicanalítica, o que fica claro já nos títulos colocados para esses Seminários: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise; problemas cruciais para psicanálise; o objeto da psicanálise; a lógica do fantasma.

155 Neste sentido, a nota preliminar à tradução brasileira do Seminário 12 destaca este momento de transição vivida por Lacan e o impacto na sua escolha do tema de trabalho para este Seminário:

“Há muitos anos Lacan era o objeto de negociatas por parte da I.P.A., junto a um certo número de alunos seus, para fazê-lo se calar. O apoio que lhe fora trazido no ano precedente por várias personalidades para obter-lhe a sala de conferência da Escola Normal Superior foi ao mesmo tempo um reconforto e um estímulo. Mas no início desse novo ano, uma certa lassidão o tinha afetado. Jakobson, a quem ele participava seus embaraços, lhe tinha respondido: ‘Quando tu não sabes o que fazer, intitulas teu curso problemas fundamentais’” (Lacan, 1964-65/2006, pg. 9)

Cumpre destacar que Lacan menciona algumas vezes durante o ano que, originalmente, sua ideia era de que o tema daquele ano do Seminário fossem as posições subjetivas, ideia que reconhecidamente abandonou, após aconselhar-se com Jakobson. Porém, apesar da mudança, como destaca também Lacan, o tema se fez presente ao longo do curso, em que Lacan discute de modo extenso justamente a questão acerca do estatuto do sujeito na prática psicanalítica, as posições subjetivas sendo discutidas especialmente nas últimas aulas do Seminário.

Contudo, apesar de temas tão importantes para a práxis psicanalítica, tais Seminários compõe também um período dos menos trabalhados e estudados na obra lacaniana. Não apenas por questões teóricas, mas também por questões políticas, tais Seminários não foram ainda estabelecidos e publicados oficialmente, restringindo o acesso a essa parte da obra lacaniana. Contudo, podem ser encontradas publicações e traduções não oficiais e em português para estes Seminários.

Outro ponto de destaque acerca dos Seminários deste período de fundação da EFP é que Lacan busca promover um esforço para conferir maior voz a seus alunos e membros da escola. Em especial, neste Seminário 12, Lacan adota um procedimento inédito, repartindo os encontros do ano em duas modalidades: os seminários abertos, em que Lacan dava suas aulas para o público interessado em acompanhar suas lições; e os

156 seminários fechados, voltados para um público mais restrito, em que os próprios alunos tomavam a palavra para fazer apresentações sobre temas de interesse, discutindo textos, casos clínicos e outras questões relevantes para a pesquisa desenvolvida naquele ano. Assim, pessoas como Jacques-Alain Miller, Serge Leclaire, Moustapha Safouan, dentre outros, participam ativamente dos seminários fechados, trazendo suas contribuições ao debate.

Apesar de ser chamado de seminário fechado, Lacan não visava com isso impedir o acesso de pessoas aos temas discutidos. Segundo registros da época e como colocado pelo próprio Lacan, o objetivo não era de fechar as portas ou excluir ninguém, mas sim de permitir que Lacan pudesse se aproximar e conhecer as pessoas que se interessavam em ouvir o que tinha a dizer, além de buscar promover um maior engajamento por parte dos participantes. Desse modo, para participar desse seminário fechado, bastava que a pessoa fizesse uma solicitação expressa à Lacan, pedindo para participar e se comprometendo ao compromisso desejado para participar das atividades. Neste sentido, Lacan afirma:

“E essa é uma das razões pelas quais eu quis instituir a quarta-feira fechada de meu seminário. Para falar propriamente, é ela que dará novamente um sentido a essa palavra seminário, na medida em que, espero, alguns queiram aqui contribuir.(...) É para essa ocasião que, tendo pedido que me solicitassem a entrada, o que não é feito para ser recusado, mas exatamente ao contrário. (...) A demanda que fiz não é, portanto, destinada, se posso dizer, a fazer um ato de fidelidade, a curvar a cabeça sob não sei qual arco à entrada, é um desejo de conhecer a quem falo e em que medida posso ter que responder mais precisamente à sua questão.” (Lacan, 1964- 65/2006, pg. 79)

Ou ainda:

“Não obstante, se eu quis que me demandassem para vir aqui, é para me colocar também em posição de lhes demandar aqui a darem suas provas do que é exigível em um certo círculo mais restrito, para que este ensinamento tome valor. (...) Quero aqui

157 pessoas que estejam implicadas na sua ação nisto que comporta essa mudança essencial da motivação ética e subjetiva que é, que introduz no nosso mundo, a análise.” (Lacan, 1964-65/2006, pg. 114)

Assim, temos o funcionamento deste Seminário 12, que visa tratar dos

Problemas cruciais para a psicanálise. Como já mencionado, um dos principais objetivos colocados por Lacan é de abordar o problema da possibilidade de elaboração de uma formalização que possa dar conta de organizar em que consiste a prática psicanalítica, quais os processos que operam no curso de um tratamento psicanalítico. Para tanto, Lacan retoma uma série de temas que já haviam sido abordados anteriormente em sua obra, numa espécie de resumo e reorganização do que seriam os principais aspectos envolvidos na prática psicanalítica.

Sobre esta proposta de Lacan para oferecer uma formalização da prática psicanalítica neste Seminário 12, Dunker (2015) afirma:

“Esse resumo, essa retomada vai apontar para três dimensões dessa tentativa de formalização do conjunto da prática clínica que é objetivo desse seminário, objetivo declarado de encontrar um modelo para o que a gente faz, o que acontece no conjunto do tratamento psicanalítico. (...). Lacan nesse seminário tenta encontrar um modelo que consiga sintetizar, formalizar, todas operações fundamentais que estão envolvidas neste percurso. Então considerem o seguinte, é um modelo extremamente redutivo, que não vai dar um bom retrato da viagem, seus meandros, seus impasses, sua fenomenologia. Mas o objetivo de encontrar um mapa geral, espécie de guia topológico.”

Temas como o conceito de sujeito e sua relação com o significante, a questão do ser do sujeito e da identificação, a topologia, o corte e a sutura, a relação entre o saber e a verdade, bem como os temas do real e do sexo, compõem os elementos principais das articulações promovidas neste Seminário. É a partir desses temas que Lacan pretende então abordar as possibilidades de estabelecimento de quais seriam os requisitos mínimos para a prática psicanalítica, e a possibilidade de formalização dessa prática.

158 Esse problema é enfrentado mais diretamente a partir da lição XVII deste Seminário (aula de 5 de maio de 1965), se estendendo também pelas duas aulas subsequentes. O ponto de partida é a questão do sujeito e qual lugar pode ser dado a este sujeito no tratamento psicanalítico.

No documento Potencial iatrogênico da psicanálise (páginas 153-158)