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Contexto ideológico da violência escolar proposta no discurso do jornal impresso

4. DISCUSSÕESACERCA DAS PEÇAS JORNALÍSTICAS DE “O LIBERAL”

4.1. Contexto ideológico da violência escolar proposta no discurso do jornal impresso

A partir da apreciação das peças jornalísticas outrora demarcadas, pelas quais expomos as matrizes do pensamento sobre violência propostos em “O Liberal”, o qual se consolida como parâmetro para o soerguimento dos demais elementos discursivos constituintes da trama de sentido da violência escolar alvitrados por tal veículo.

Tomando-se “violência” a partir de seu significado dicionarizado, observamos que “força”, “ódio” e “irracionalidade” são tomados por suas acepções; da mesma forma são apresentadas por danos a outrem via expressao física e ou moral.

No discurso jornal impresso “O Liberal”, duas parecem ser as tônicas fundantes que estruturam o raciocínio sobre a violência verificada no cotidiano escolar, as quais são discutidas por Aquino (1998); uma como de cunho sociologizante e outra de matiz mais clínico-psicologizante. No primeiro caso, o veículo trata da violência a partir de determinações macroestruturais sobre o âmbito escolar. No segundo, trata-a em vistas de “personalidades” violentas. Em ambos os casos, a violência portaria uma raiz essencialmente exógena em relação à prática institucional escolar. Assim, a violência urbana passa a ser reproduzida no ambiente escolar.

Por isto, o termo violência nas escolas é o mais utilizado pelo jornal impresso “O Liberal” para caracterizar o fenômeno. Aquino (1998) considera como uma compreensão de justaposição escola/violência que problematiza, já que acredita existir um entrelaçamento, uma interpenetração de âmbitos, mas que algo de novo se produz nos interstícios do cotidiano

escolar, por meio da (re) apropriação de tais vetores de força por parte de seus atores constitutivos e seus procedimentos instituídos/instituintes. O que se confronta com a ideia imanente das construções discursivas do jornal “O Liberal”, de que a escola reflete a sociedade.

Quanto à natureza das ocorrências, estas se apresentam entre explícitas-físicas e morais, mas as primeiras, de longe suplantam as últimas. Assim, internamente, o que se caracteriza como violência escolar pelo jornal impresso “O Liberal” são as briga entre alunos, com maior destaque; mas também, homicídios e porte de arma de fogo e arma branca (facas). Já no entorno da escola, as ocorrências sobrelevadas são os assaltos ou tentativas de assalto, arrombamentos, tráfico de drogas, vandalismo, consumo de bebidas alcoólicas e uso de drogas. Desta forma, a violência ou está centrada no aluno e/ou no agente externo – o bandido, o assaltante – numa pessoa que é o disseminador da violência no espaço escolar.

O jornal impresso “O Liberal” ainda entende a violência ora enquanto consequência da insegurança do entorno, ora como produtora da violência e outras vezes como sinônimas. O que Teixeira e Porto (1998, p. 57) vêm destacar como situações que se retroalimentam ao discorrer que “cada ação concreta de agressão ou violência permite ritualizar uma ameaça, justificando a reprodução do medo e a adoção de medidas de segurança. Mas, paradoxalmente, essas medidas acentuam a insegurança e o medo e provocam novas formas de geri-los, seja na sociedade, seja na escola”.

De tal ideia emergem os sentidos de que nem muros, nem grades, nem vigias ou guardas parecem deter a violência externa; porque tratam, segundo Teixeira e Porto (1998), da construção do imaginário do medo.

Posicionamento que possivelmente se relaciona com a evolução do pensamento sobre violência escolar no Brasil, que na década de 1980 orbitava em torno do consenso da escola enquanto alvo da violência externa; o que toma outras proporções nos anos de 1990, uma vez que o olhar volta-se para dentro da própria dinâmica escolar, passando-se a observar as interações entre alunos e destes para com os adultos; tornando mais complexas e amplas as análises sobre o fenômeno. Ou seja, os estudos realizados nesse período revelam o quadro complexo da formação da violência escolar enquanto reflexo da violência social urbana brasileira e pela tradução da situação de criminalidade e insegurança, segundo Abramovay et

al. (2002a) e Sposito (2001).

Mas, a criminalização da violência escolar surge tão somente no espaço público, neste, o agente da violência se caracteriza como criminoso; já no espaço privado só se trata de um crime se a violência for cometida por um externo, as situações de violência são mais da ordem

da transgressão disciplinar e das ocorrências de cunho simbólico como o bullying; outras vezes é até mesmo negada. Debarbieux (2002) vem justamente problematizar essa questão, suscitando a reflexão acerca do interesse da mídia pela violência na medida em que esta talvez venha a alimentar as representações conservadoras de uma infância indisciplinada, justificando assim todas as políticas repressivas e retrógradas do excesso de supervisão, assim como contribuir para a criminalização da pobreza.

É compreensível que o jornal impresso “O Liberal” criminalize a violência no espaço público, já que a este supõe principalmente ocorrências físicas que, segundo Soares (2003), vem ao encontro de uma definição jurídica de que o crime é uma violação da lei, o que inocenta o agressor do espaço privado. Isto, porque se tende a impor correlações entre a violência sob a ideia de que tudo de ruim na sociedade é provindo da pobreza ou das áreas empobrecidas, ideia esta compreendida como equivocada por Soares (2003), que só serviria para aumentar o grau de estigma em relação às classes empobrecidas, que passariam a ser consideradas como “classes perigosas”. Este mesmo autor adverte que mesmo havendo uma distinção tênue entre crime e violência, faz-se importante atentar para o fato de que todo crime é uma violência, mas nem toda violência é um crime; o que parece generalizado no discurso do jornal “O Liberal”.

De outra forma, também há a insistência na atualidade da violência escolar, o que Abramovay et al.(2002b; 2004), Sposito (1998), Artinopoulou (2002) Funk (2002) e Pontes (2007) consideram como reflexo da transmutação histórico-cultural de sentido do fenômeno, já que várias atitudes e comportamentos passaram a ser considerados como formas de violência, ou seja, tomaram esse sentido a partir das normas, das condições e dos contextos sociais, variando de um período histórico a outro – passa-se a rotular de violentas formas de comportamento que, até então, eram vistas como tradicionais e/ou que tinham ampla aceitação, ou seja, a caracterização de alguns atos como violentos relaciona-se com o próprio sistema de valores de uma sociedade.

Outrossim, muitos autores e estudiosos da violência e da violência escolar (ARENDT, 1985; ABRAMOVAY et al. 2002a, 2002b, 2002c; FUNK, 2002; PONTES, 2007), acreditam que este fenômeno sempre existiu na sociedade e na escola; e que essa ideia de surgimento, crescimento e agravamento que se confere a violência escolar – essa prerrogativa de atualidade – são tributos criados pela própria visibilidade dada a eles atualmente. Esta maior notoriedade sim, merece maiores compreensões e inserções, sobre os mecanismos e conjunturas que a tornaram possível; tanto porque, outrora muitos comportamentos não eram reconhecidos como violentos e até legitimados socialmente como práticas usuais da ação

escolar, por isso fora das problematizações sobre a violência e/ou porque a denúncia dos casos manifestos por parte dos próprios agentes escolares e sua exposição à apreciação pública fossem de alguma maneira obliterados.

O que segundo Morin (apud RODRIGUES, 1980), também é reflexo da função de atualização e de modernização da mensagem jornalística, que são ambas, fontes dos anacronismos intencionais. Ou seja, tanto a mensagem precisa ser sempre nova, atual, do dia, o que dificulta transpor relações, processos e história para o discurso jornalístico na apresentação dos fatos; quanto à modernização da informação que oferece os fatos passados, quando o faz, não pela concepção da época e do contexto no qual se deu; mas, ao contrário, sempre posta pelas condições, concepções, e leituras atuais.

É a partir dessas significações que se engendra a trama discursiva acerca da violência escolar, sobressaindo-se os demais elementos constituintes dessa trama discursiva, pois uma vez que a formação da violência escolar é compreendida a partir do entorno, com gênese externa a escola e correlata a pobreza, toma-se o “Bairro” como expoente de compreensão da causalidade do fenômeno, assim como a “Família”, o “aluno/jovem” como principal disseminador, e a “escola pública” o espaço privilegiado.