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Distinções importantes: violência x agressividade, conflito e indisciplina

1. A MIDIATIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA ESCOLAR

1.2. CONCEITUALIZAÇÃO DE VIOLÊNCIA E VIOLÊNCIA ESCOLAR

1.2.2. Distinções importantes: violência x agressividade, conflito e indisciplina

A agressividade é um termo, assim como a violência, com diferentes sentidos, podendo ser empregado para caracterizar diversas situações. Fante (2005) pondera que a agressão se determina por “comportamentos repetitivos e persistentes, que, na confrontação com a vítima, viola seus direitos”; e a agressividade pode assumir tanto o caráter de expressão da violência como de expressão de coragem. Dado o esforço competitivo de alguém num jogo, dir-se-ia dele competitivo ou agressivo, por exemplo.

No que Abramovay et al.(2004) corrobora, chamando a atenção para as limitações entre agressividade e violência, uma vez que nem todo ato agressivo tem como objetivo a destruição do outro, o que é imperativo para configuração da violência em si.

Ao existir muitos pontos de vista referentes à tentativa de explicar a agressividade, alicerçados em teorias que muitas vezes diferem entre si, Bandura (apud FANTE, 2005) defende a ideia de que a agressividade constitui-se enquanto aprendizagem social, pondo-se a cargo da conquista de certos objetivos. E assevera que:

quando estimulada a agressividade por mecanismos de imitação, modelo e reforço, ela passa a formar parte da autorregulação interna dos padrões de conduta por meio de processos de valoração moral e antecipação dos efeitos e, portanto, como um caráter aprendido. Fante (op. cit. 2005, p.163)

Para além das diferenciações postas acima, outra confusão comum a ser evitada, segundo Pontes (2007), está entre os conceitos de violência e conflito. De acordo com este autor, as situações de conflito entre as pessoas são quase sempre tomadas como manifestações de violência, o que nega o conflito como componente favorável e construtivo para essas mesmas relações.

Pontes (2007) e Charlot (2005) apontam ainda, dois ângulos de percepção sobre o conflito, um que toma o conflito como patológico, como doença do corpo social; o outro que define o conflito como formas normais e necessárias de interação social, que podem contribuir para a mudança. Tais autores se posicionam no sentido de entenderem toda violência como manifestação de um conflito, mas que nem todo conflito deságua em violência.

Para Bobbio e Cose (apud PONTES, ibid.), o conflito é apenas uma forma de interação entre indivíduos, grupos, organizações e coletividades, que implica choque para o acesso e distribuição de recursos escassos. Ou apenas um debate de valores, como também, podendo ocorrer pela busca de status, poder. O que coloca o conflito como mais uma forma de interação social intragrupos ou intergrupos permanentes e necessários à vida social.

Segundo Sposito (1981), nega-se assim, as relações sociais que se instalam pela comunicação, pelo uso da palavra, pelo diálogo e pelo conflito; bem como a possibilidade da criação de espaços públicos que permitam reconhecimento das diferenças, pela emergência de conflitos e de práticas de negociação para a sua resolução, com a atenuação das desigualdades e o exercício da tolerância.

Corroborando com essa ideia, Bonafé-Schmitt (apud ABRAMOVAY et al., 2004) afirma que o conflito contribuiria, de certa maneira, como mecanismo de regulação social, para inventar novas normas e regras da vida em comum. Neste tipo de abordagem, as manifestações de conflito não são apenas observadas pelo seu lado desagregador, mas como possibilidades de construção de consensos, ao dar visibilidade às tensões que regem as relações sociais. Na opinião desse autor, o desafio seria encontrar formas de promover um mecanismo que permita uma "regulação consensuada", na qual seria necessário ensinar e aprender a manejar os conflitos.

Processo esse que seria um desafio para professores e gestores educacionais que, segundo Pinto e Fonseca (2009), não sabem como proceder para impedir ou minimizar conflitos presentes desde a educação infantil até o nível superior; seja nas instituições de ensino público ou privado. Conflitos estes, manifestos tanto nas relações entre alunos como nas relações dos alunos com os professores; situações que precisam ser resolvidas em sala de aula e/ou na escola de um modo geral. Nesta questão, até se tem avançado, pela compreensão de que a escola precisa ser um espaço conflitual, que é o que permite discutir questões como autoridade/disciplina/liberdade em detrimento de uma regulação ou condicionamento de indivíduos.

Os conflitos aparecem, muitas vezes, ligados às situações de “indisciplina” ou pela busca de uma “disciplina” – tema que vem ocupando um espaço cada vez maior no cotidiano escolar – por isso é que se faz indispensável refletirmos a respeito dos fatores que compõem sua origem e que caracterizam sua complexidade.

Pinto e Fonseca (2009) colaboram neste sentido, afirmando que a disciplina e a indisciplina estiveram, desde os meados do século XIX, associadas com a institucionalização da escola, pela implantação da racionalidade moderna e com a emergência dos modos de

produção industrial, passando-se a valorizar o respeito a horários, hierarquias e regras. Contudo, nos dias de hoje, o que se idealizava como escola e como aluno já não mais se sustenta. Pinto e Fonseca (2009) nos remetem ao fato de que outrora, casos de indisciplina, quando existam, eram pontuais, questão de comportamento individual. Hoje, esta discussão passa a ser entendida como social e, portanto, muito mais complexa. Sendo assim, a escola não pode mais (se é que pode algum dia) dar conta da “disciplina” da mesma forma como antes o fazia.

Em uma pesquisa realizada por Abramovay et al. (2002c) em 13 Unidades da Federação e no Distrito Federal, nas quais alguns membros do corpo pedagógico afirmam que o maior problema da escola é a indisciplina – falta de respeito, falta de responsabilidade, falta de educação, “pois os alunos vêm de casa totalmente deseducados” (ABRAMOVAY, 2003, p. 38). Os professores, apesar de não apontarem diretamente os responsáveis por essa situação, dizem que a indisciplina é causada pela falta de limites. Em contrapartida, alguns pais entrevistados julgam que a indisciplina, no espaço escolar, resulta do fato de que a escola é enfadonha que os professores não se preparam, não estão interessados em dar aula, querem mais é se livrar das aulas e que os programas estariam ultrapassados.

Por muito tempo o sentido de escola, e sua importância foram justificados pela conquista de um espaço no mercado de trabalho. Promessa que, segundo Schilling (2008) foi quebrada, principalmente em virtude do contexto sócio-politico-econômico das últimas décadas cujo predomínio do capital financeiro e a crise do trabalho assalariado acabaram por suscitar um profundo questionamento e esvaziamento de sentido até então atribuídos a essa instituição.

Desse modo, a autora supracitada compreende a indisciplina enquanto reflexo desse esvaziamento de sentido da instituição escola; não tendo mais a centralidade do ensinar e aprender, acaba por não assumir, desta forma, a realização do direito humano à educação (condição para a realização de outros direitos humanos) parecendo-se mais com prisões, “e, nas prisões, há rebeliões” (SCHILLING, 2008, p.6).

Por estas razões é que Sposito (1981) propõe como aspecto a ser investigado no âmbito da instituição escolar, como são construídas as significações que caracterizam ou distinguem as condutas como – violentas ou indisciplinadas – por parte dos indivíduos que compõem o ambiente escolar (professores, alunos, funcionários, pais etc.). Pois,

[...] os atos anteriormente classificados como produtos usuais de transgressões de alunos às regras disciplinares, até então tolerados por educadores como inerentes ao seu desenvolvimento, podem hoje ser sumariamente identificados como violentos. Ao contrário, condutas

violentas, envolvendo agressões físicas, podem ser consideradas pelos atores envolvidos como episódios rotineiros ou meras transgressões às normas do convívio escolar. (op. cit.. 1981, p.3)

Em suma, a indisciplina está intimamente relacionada à quebra de regras, de normas de conduta estabelecidas pela escola, que nem sempre são discutidas e democratizadas, perpetuando-se ainda sob os moldes das relações fabris de regulação de horários, posturas, uniformização, etc. Assim, o indisciplinado não é necessariamente violento, uma vez que esteja apenas questionando e negando a se render a estruturas organizacionais pré- estabelecidas, e sem apreciação coletiva, por exemplo.

Conclui-se, neste interim, que as intenções de compreensão do fenômeno da violência escolar e da apresentação das proposições teóricas que sustentam nossas convicções acerca desse fenômeno vieram contribuir para a emergência do corpus dessa pesquisa, assim como da reflexão da pertinência de abordagem desse fenômeno na mídia, por toda sua carga apelativa à atenção pública. Desta forma, prosseguimos no capítulo que segue, com pormenores do levantamento desse corpus de pesquisa e sua análise, pela exposição dos componentes teórico-metodológicos eleitos para este fim.

2. APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS: ANÁLISE DIALÓGICA DO