4. DISCUSSÕESACERCA DAS PEÇAS JORNALÍSTICAS DE “O LIBERAL”
4.5. Visão tradicional do professor nos discursos do jorrnal “O Liberal”
De acordo com o Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a palavra professor tem acepções que o propõe a partir dos objetivos de suas ações e da sua formação; o que para o jornal impresso “O Liberal” lhe confere um papel social legítimo mesmo se arbitrário, reportando-se as tradicionais configurações escolares e práticas docentes, sugerindo o valor e a importância do professor acima dos demais constituintes escolares, sobretudo, alunos. Assim, relaciona a violência contra o professor como consequência da perda da autoridade docente, que o fragiliza e o torna vítima e/ou testemunha e reforçador das condições de violência existentes na escola.
Licciardi (2011) aborda o professor como uma figura social, de relações que extrapolam o contexto no qual trabalha, para na verdade situá-lo além dos limites de sua profissão, mas como pessoa. Destaca, ainda, as peculiaridades de seu cotidiano docente, repleto de exigências e demandas que não se encerram em questões práticas, mas também em esforço emocional. Tudo isto para discutir o papel que lhe fora atribuído historicamente, nos convidando a refletir sobre essa prática como construto de uma formação, de vivências pessoais, dos anseios e necessidades da sociedade na qual está inserido; para que possamos superar essa visão romanceada e acróstica do ser professor.
Licciardi (2011) pondera que, há de se considerar as peculiaridades e idiossincrasias do tempo e das sociedades atuais, que exigem longas jornadas de trabalho, um trabalho bastante burocratizado, baixa remuneração, ou seja, do processo de mercantilização da educação que acabou por ressignificar o papel e status do professor na escola, daquela figura respeitável e austera do "mestre", para a de mais um operário prestando um serviço.
Ideia que Basso (1998) também destaca, argumentando acerca da transferência direta do processo de trabalho fabril para o sistema educacional. Para tal autor, o significado da docência assenta-se na finalidade da ação de ensinar, pelo seu objetivo e, resgata a compreensão de que a aprendizagem se dá em diversas esferas; contudo quando esta se dá no ambiente institucionalizado, ao professor caberia essa mediação entre o aprendiz e o conhecimento, possibilitando o acesso ao saber elaborado (ciência).
Aquino (1998) defende que numa perspectiva de violência que se paute em constituintes externos, extrinsicos à escola, o professor apareceria, análogo ao sentido que lhe é dado pelo jornal impresso “O Liberal”, apenas como refém, pois submetido a situações sobredeterminadas que lhe ultrapassam e por isso lhe eximem de toda e qualquer responsabilização acerca das causas e efeitos da violência no contexto escolar, pois se a gênese de tal problema se reside fora do ambiente da escola, então seu manejo teórico- metodológico teria de se dar onde o problema se produz.
Aquino (1998) nos propõe pensar a violência escolar como produto das dinâmicas escolares que não só refletiriam conjunturas externas, mas as construiria por contextos próprios e peculiares, muitos desses, referentes à estruturação escolar que considera como normativa/confrontativa, o que incidiria diretamente na relação professor-aluno, explicando muito das situações de violência que se processam na escola, porque considera que o posicionamento hierárquico entre professor e aluno pressuporia uma forma de violência. Questão que Costa e Fackin (2005) corroboram ao suscitarem que a violência tenha sido utilizada pela escola tradicional como princípio educativo, no qual o professor possui o poder de decidir quem serão os bons e os maus alunos, sem ser considerado ele mesmo como promotor de violência ao se colocar neste papel.
O jornal impresso “O Liberal” conserva ainda em seu discurso, essa ideia do professor como o detentor do saber e do poder hierarquizado, que lhe supõe superior aos alunos, e merecedores de respeito pela pretensa de ensinantes de ignorantes, pensando a violência atualmente a partir de contextos passados. Compreendemos que não se pode esperar que hoje, as relações e conjunturas escolares voltem a funcionar como era há anos, simplesmente porque juntamente com o tempo decorrido, muitas ideias, paradigmas e processos sociais empreenderam-se, possibilitando transformações até mesmo no que se compreende como violência, de maneira que os castigos físicos e ações constrangedoras são hoje rechaçados por lei; assim como a criticidade, o questionamento, o diálogo e os relacionamentos mais horizontais são incentivados e sobrelevados em detrimento de uma ideia de superioridade e poder inquestionáveis.
Estamos problematizando aqui, o fato de que com o tempo, o papel do professor na escola se ressignificou, e que embora concordemos que este também seja vítima de certas circunstâncias de natureza violenta, este possui sua parcela de responsabilidade frente à contextura de violência que se compõe na escola, até mesmo quando ignora que, como mediador no processo ensino-aprendizagem, não se encontra em situação privilegiada e/ou superior, que é digno de respeito como professor e pessoa, tanto quanto qualquer outra.
Abramovay (2002c), Castro (2002), Costa e Fackin (2005), Nogueira (2005) reiteram a autoria de professores em situações violentas, a partir das dificuldades de dialogar, do mau tratamento, da recorrência de agressões verbais e exposição vexatória, exclusão do aluno e subestimação do mesmo como incapaz. Contudo, essa insistência do jornal impresso “O Liberal” em apresentá-los principalmente como vítimas, também pode ser pensado a partir de transformações de análises que antes davam ênfase à violência de professores contra alunos, passando a pautar justamente o que o jornal impresso “O Liberal” destaca mais enfaticamente, que é a violência entre estudantes e desses contra os professores; o que se deu em virtude da necessidade de identificar diferentes formas de violência e de definir seus significados, como nos assegura Abramovay (2002a).
Castro (2002) assim considera que não se possa discutir violência escolar sem pensar o clima das relações, sem culpabilizar professores e/ou alunos, mas de considerar o fenômeno da violência a partir de sua complexidade que pressupõe a rede de interações conflitivas que se estabelecem na escola.