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Contexto e Relações entre a Praça do Martim Moniz, Mouraria e territórios

Capítulo II Análise

3.1 Situação e Contexto da Praça do Martim Moniz

3.1.3 Contexto e Relações entre a Praça do Martim Moniz, Mouraria e territórios

A história do Martim Moniz encontra-se estritamente ligada com a da Mouraria e restantes territórios envolventes, desde logo devida à demolição da parte sul do bairro da Mouraria. De forma geral, tratam-se de territórios com uma densidade populacional elevada, os quais têm sido alvo de um processo geral de perda de população nas mais recentes décadas (ainda que se tenha atenuado tal processo, e, inclusive, nas áreas mais centrais, invertido no último período censitário), bem como dotados de um edificado relativamente envelhecido e com problemas ao nível das condições de habitação (Anexo K). Em termos sociodemográficos, tratam-se ainda de territórios com uma maior presença de população envelhecida, bem como de populações com menores qualificações e uma maior incidência da taxa de desemprego (Anexo L e M).

Até pela sua importância para a presente dissertação, entre as mútuas dimensões e influências entre estes territórios e a Praça do Martim Moniz, é de salientar aquelas que decorrem da imigração verificada nas áreas envolventes após o 25 de Abril, com diferentes momentos temporais e intensidades, originária de vários países, como a China, Índia, Paquistão, Bangladesh, alguns países africanos como a Guiné-Bissau ou Senegal, Brasil, entre outros (Rodrigues, 2012, pp. 49-57; Menezes, 2009; Guterres, 2012; Gésero, 2012; Costa, 2011; Mapril, 2005; Mapril, 2010,

103 “Actualmente encontram-se a funcionar três cafés, dois dos quais no lado Norte da praça (o Crioula do

Martim Moniz afecto à comunidade africana e conhecido como ponto de tráfico de droga e um snack-bar chinês); no limite Sul encontra-se instalado o snack-bar Fava Rica e em frente ao Centro Comercial da Mouraria dois quiosques de venda de artigos electrónicos, permanecendo os restantes vazios, sujeitos às acções marginais que pontuam a zona.”(Rodrigues, 2012, pp. 49-57).

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pp. 248-253; Bastos, 2001, pp. 318-319). Algo que contribuí desde logo para alterações socioculturais na área, conferindo-lhe um carácter tido como “multicultural/multiétnico” e distintivo no quadro da cidade de Lisboa (Anexos N, O e P), introduzindo outras culturas, com objetos, práticas e atividades tidas como “diferentes”, como seja ao nível do vestuário, de artefactos, objetos, comida, sonoridades de várias línguas e formas musicais, práticas religiosas e culturais, formas e práticas comerciais, elementos diferenciadores ao nível da arquitetura e na paisagem urbana (locais de culto; elementos decorativos; publicidade a produtos e/ou outros espaços “étnicos”) (Menezes, 2005; Gésero, 2012; Malheiros, 2008; Bastos, 2001; Mapril, 2005). No que à introdução de novas formas e práticas de comércio diz respeito, é de salientar os vários locais na Mouraria e área envolvente em que estas ocorrem, e, em particular dada a sua pertinência na presente dissertação, a sua presença nos centros comerciais Mouraria e Martim Moniz, e na praça do Martim Moniz. O comércio é, em geral, grossista, correspondendo a produtos ligados à alimentação e vestuário, entre outros produtos/serviços, já não necessariamente de carácter grossista, como restaurantes, mercearias, serviços de cabeleiro, lojas de telecomunicações, objetos ligados à prática religiosa, cosmética, bijutarias, entre outros (Rodrigues, 2012, pp. 49-57; Menezes, 2009; Guterres, 2012; Gésero, 2012; Costa, 2011; Mapril, 2005; Mapril, 2010, pp. 248- 253; Bastos, 2001, pp. 318-319) (Anexos Q, P e Q). A procura de tais produtos/serviços “étnicos” apresenta uma procura essencialmente imigrante, mas, como salienta Francisco Lima Costa, tem vindo a ser alterada, sendo que em alguns casos a maioria do consumo de tais produtos já não é feita por outros “imigrantes e/ou membros de minorias étnicas”104 (Costa, 2011) - algo que, como

será referido posteriormente, ocorre igualmente na praça do Martim Moniz, após a intervenção da NCS.

Contudo, esta imagem e significado da multiculturalidade não é de toda pacífica e isenta de contradições, dado que, como referem autoras como Marluci Menezes e Maria Manuela Mendes,

104 “Hoje, na zona do Martim Moniz, é possível fruir de uma oferta étnica cada vez mais expressiva e diversa,

que conta também com uma clientela cada vez mais diversa. Numa entrevista ao dono de minimercado de produtos indianos, no Centro Comercial Martim Moniz em 2006, este referia que, neste momento, cerca de 80% dos seus clientes não eram co-étnicos, como anteriormente, e que estes novos consumidores “podem pagar mais” pelo mesmo serviço, permitindo aumentar as suas margens de lucro. O alargamento destes públicos de consumo é cada vez mais expressivo para estes empresários, uma vez que, segundo diz um dos nossos entrevistados, “a clientela nova que aparece pode mais facilmente pagar preços mais elevados”.” (Costa, 2011, p. 96).

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as representações da Mouraria e Martim Moniz não remetem somente para tal ideal, mas também para os de popular, típico ou marginal, ou para processos de “emblematização e de estigmatização” (Rodrigues, 2012, pp. 49-57; Menezes, 2005; Menezes, 2012; Mendes, 2012). Como refere Maria Manuela Mendes, em relação ao Bairro da Mouraria no seu todo:

“Os discursos e as políticas que se focalizam neste território parecem confluir em torno de algumas disjunções (Appadurai, 1990) que se intersetam e que aqui serão alvo de ilustração: i) bairro dos imigrantes e dos estrangeiros versus bairro dos autóctones; ii) bairro típico e histórico versus bairro cosmopolita; iii) bairro exótico versus bairro difamado, deixando antever a confluência, neste lugar, de múltiplos fatores de diversidade.” (Mendes, 2012, pp. 21-22).

Estas representações da Mouraria e do Martim Moniz encontram-se relacionadas, pelo menos em parte, com outros processos a ocorrer na área. Desde logo, é de assinalar os processos observados por Jorge Malheiros et al (Malheiros, et al., 2012), os quais identificam na Mouraria a:

(…) coexistência de dois processos de transição sócio-urbanística aparentemente paradoxais, o primeiro situado no âmbito da nobilitação marginal, que tem implícita uma ideia de filtering up, e o segundo associado ao estabelecimento da residência de imigrantes não europeus, o que conduz a um forte quadro de diversificação cultural e étnica que, numa leitura baseada nas referências tradicionais, corresponderia a uma lógica de filtering down.” (Malheiros, et al., 2012, p. 100).

Entre as diferentes razões apontadas para o referido processo de “gentrificação/nobilitação” na Mouraria (Malheiros, et al., 2012, pp. 121-123), os autores salientam a colocação, no mercado, de habitação para arrendamento a preços mais elevados; a atual intervenção pública na área105; a existência de redes sociais e diversas associações no bairro; a dinamização comercial da área (em particular por imigrantes); e, também, os interesses dos denominados marginal gentrifiers106 na

105 Como contexto, devem ser referidas as intervenções, não só de cariz público, a acorrer na Mouraria e

Intendente, em relação às quais a Praça do Martim Moniz se enquadra e é influenciada, e que combinam dimensões materiais e funcionais com outras de ordem social, mas também o surgimento de dinâmicas e atividades associadas a uma ligação entre lazer, consumo e cultura.

106 “Referindo-se aos gentrifiers pioneiros, Rose (1984) desenvolveu o conceito de “marginal gentrifier”,

conceptualizando-os como algo específico, distinto da gentrification mainstream e dos seus protagonistas- tipo. Este movimento, designado como “marginal gentrification”, corresponde, grosso modo, a franjas menos privilegiadas das novas classes médias, que apresentam uma significativa clivagem entre um capital escolar e cultural elevado e um nível mais baixo de capital económico. São indivíduos caracterizados por situações profissionais frequentemente marcadas pela instabilidade e mesmo precariedade, mas que continuam a dar preferência às áreas centrais da cidade para fixar residência, tornando-se gentrifiers

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área, interesses esses que se devam à localização central do bairro, um mercado de arrendamento com preços médios, o evitar de “(…) áreas com uma imagem elitista, burguesa e marcada por preços de alojamento elevado.” (Malheiros, et al., 2012, pp. 121-122), e a imagem de “(…) um Bairro cosmopolita, com história, identidade e ofertas culturais diversas.” (Malheiros, et al., 2012, p. 122). Os autores salientam, ainda, a distância entre um discurso tolerante e liberal por parte dos

marginal gentrifiers, e uma efetiva capacidade e prática de convívio e interação com outros grupos

que vivem no bairro, como seria o caso dos imigrantes. ( (Malheiros, et al., 2012, pp. 121-123). Para além daquilo que são as dinâmicas a ocorrer nas áreas mais próximas, da Mouraria e do Intendente, é ainda de destacar outras dinâmicas e processos. Não esquecendo a situação de crise económico-financeira, é ainda de salientar as alterações recentes no mercado de arrendamento e das políticas de regeneração urbana, a intensificação da atividade turística na cidade de Lisboa, os processos de reabilitação urbana e de reconfiguração económica e funcional da Baixa Pombalina, bem como as dinâmicas e projetos em discussão para às áreas dos Anjos/Almirante Reis e Colina de Santana. Num artigo recente, João Seixas et al (Seixas, et al., 2013) salientam algumas das recentes mudanças no centro histórico de Lisboa. De forma mais específica, identificam 7 grandes tendências/processos (Seixas, et al., 2013, pp. 484-487). Em primeiro lugar, é salientada a forma como a tendência de envelhecimento demográfico do centro histórico tem sido invertida e diversificada através da atração de população mais jovem (em particular, gentrifiers) e dos processos de imigração. Esta tendência conjuga-se com uma outra, associada às transformações nas práticas e relações sociais no centro histórico. Ocorre uma transformação da base económica, passando, por um lado, pela intensificação de serviços na área da restauração, hotelaria e lazer, no turismo, bem como de atividades associadas à economia do conhecimento, cultural e criativa. Outra tendência identificada passa pelo surgimento de novas formas de comércio, seja um comércio mais “sofisticado e trendy”, seja um comércio realizado por imigrantes, cujas transformações não deixam de se traduzir em novas formas de apropriação e conflitos no espaço público. Continuam a

pioneiros, presumivelmente atraídos pelo estilo de vida não-conformista e de ambiente urbano social e etnicamente misto e tolerante dos bairros da cidade centro, recusando a normatividade convencional suburbana.

Particularizando, o marginal gentrifier valoriza as áreas antigas da cidade centro pelo seu urbanismo distintivo, pela sua arquitetura típica e pelos seus bairros históricos tradicionais, pelas “suas gentes” genuínas, pelo seu cosmopolitismo e pelo seu comércio de proximidade e de pequena escala. (Malheiros, et al., 2012, pp. 102-103).

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verificar-se “intensos fluxos quotidianos”, com vários problemas associados ao nível da sua gestão e sustentabilidade. São salientadas as diferentes “operações de reabilitação e requalificação” que têm ocorrido no centro, de iniciativa pública e/ou privada. Por último, refere-se uma “reconquista de uma centralidade simbólica” do centro histórico, tanto por fatores associadas ao turismo e às atividades artísticas, bem como do imaginário coletivo em relação ao centro histórico.