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Capítulo I Enquadramento Teórico

2.2 Intervenções e alterações de espacialidades

2.2.1.1 Intervenção

O conceito de intervenção tende a estar associado ou a determinadas intervenções arquitetónicas, a determinadas políticas e intervenções/projetos urbanos, ou a práticas artísticas em espaço urbano - como sejam a arte pública, a street art ou a determinadas instalações e performances no espaço público. No entanto, o conceito explorado no presente trabalho não diz necessariamente respeito a tais políticas e práticas - ainda que as possa incluir. Ou seja, e ainda que tais dimensões e processos possam ser considerados, não se focará exclusivamente em tais formas de intervenção, nem, por outro lado, será realizada uma análise e avaliação de um determinado processo de planeamento, de um dado plano ou de um sistema de governança específico. O conceito de intervenção60 será tomada num sentido amplo, englobando tanto dimensões materiais

60 Catharina Thorn apresenta uma definição genérica de intervenção, a qual nos interessa referenciar dado

que, ao mesmo tempo que foca os conflitos e relações de poder envolvidas e o carácter interventivo das mesmas, salienta igualmente a forma como poderemos ver a “cidade como palco” de uma ou várias intervenções,: “What is an intervention? According to the dictionary an intervention is the act or fact of intervening. An intervention may “occur incidentally so as to modify or hinder” an event. Yet it also

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como imateriais61, da responsabilidade de vários atores (individuais e coletivos), as quais são

realizadas de forma relacional e num determinado quadro de relações de poder, podendo ainda ser realizadas num âmbito mais formal e/ou informal, com lógicas e objetivos diversos, por vezes conflituantes entre si. A intervenção será assim tomada como um processo, onde múltiplas varáveis intervêm, numa lógica relacional e co-constitutiva com o espaço “intervencionado”.

Uma proposta que, apesar de se centrar num conceito e dimensão diferente, nos poderá, contudo, ajudar a clarificar a posição aqui seguida, prende-se com a distinção feita por Dulce Moura et al relativa à diferença entre os conceitos de requalificação, reabilitação, renovação e revitalização. Focando-se em particular no conceito de revitalização, este é tomado como englobante e dizendo respeito a “(…) um processo integrado de reanimação de parte da cidade e onde se podem incluir operações de vária ordem (…)” (Moura, et al., 2006, p. 15), e que implica o desenvolvimento de estratégias de “(…) carácter inclusivo e integrador, capaz de provocar iniciativas, projectos e actuações – de carácter transversal e sectorial (…)” (Moura, et al., 2006, p. 15). A revitalização urbana deve privilegiar uma abordagem integrada, ao nível das suas dimensões, funções urbanas, parceiros e recursos, uma estratégia ao nível do “reconhecimento, manutenção e introdução de valores”, bem como a atuação interdependente e relacional no sentido da promoção dos vínculos e ligações entre “territórios, atividades e pessoas”, a qual não deixa de implicar uma lógica de sustentabilidade a médio/longo prazo e a diferentes níveis62 (Moura, et al.,

2006, pp. 21-23). Existem ainda quatro dimensões de intervenção da revitalização urbana

describes an intentional act of coming between, to intercede in a situation. And further, to interfere with force or threat of force, so it can also describe the challenge of power and acts of violence, injustice, and violations made from a position of power.

What type of interventions can we see today in the urban context? When reading through recent texts of urban studies, two scenarios often recur describing the contemporary development of cities: The city as a stage and the public space as a battlefield.” (Thörn, 2008, p. 2).

61 Procuraremos, assim, considerar quer as dimensões mais “físicas/materiais” geralmente associadas ao

conceito - como poderia ser a requalificação física de um espaço público, algumas atividades, eventos ou práticas que incidem sobre o espaço, sujeitos, que tenham um determinado espaço como alvo -, bem como dimensões mais “imateriais”, como é o caso de discursos e representações por parte de diferentes atores relativamente a um dado espaço. As duas dimensões não serão tomadas de forma dicotómica, mas antes consideradas como relacionais e igualmente importantes para a produção do espaço urbano.

62 1) “performance económica e financeira”; 2) “sustentabilidade física e ambiental”; 3) “coesão social e

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apresentadas, as quais devem ser vistas de forma integrada e relacional, a saber: “Território, Ambiente e Mobilidades”, “Competitividade, Conhecimento e Inovação”, “Qualidade de Vida, Coesão Social e Bem-Estar”, e “Cultura e Lazer Urbanos” (Moura, et al., 2006, pp. 21-23). Esta abordagem deve privilegiar tanto uma “lógica do lugar” - enquanto espaço de “atuação de proximidade” e um apelo à mobilização e participação dos diferentes atores -, como uma perspetiva sistémica - a qual considere quer “o papel que a área a revitalizar desempenha no sistema urbano”, quer a “cooperação entre diferentes escalas e territórios” (Moura, et al., 2006, pp. 21-23).

Uma área revitalizada deveria ser aquela com a “(…) capacidade de gerar actividades, transacções e promover a diversidade.” (Moura, et al., 2006, p. 23), ou, como referem Costa e Seixas: “(…) uma área urbana (re)vitalizada poderá caracterizar-se por conseguir gerar (e conseguir sustentar) uma determinada densidade e diversidade de fluxos ao nível das suas atividades e das suas transações.” (Seixas & Costa, 2011, p. 73). A existência de “níveis elevados e diversos de actividades” e de “elementos que as viabilizem e sustentem”, são essenciais para a promoção de uma vitalidade económica (“investimento e emprego”), social (“vivências, espaços e fluxos públicos”) e cultural (“representações e identidades”) (Seixas & Costa, 2011, p. 73). Sendo que tal obriga à existência de uma “capacidade transacional entre os diversos atores urbanos”, as quais, mais uma vez, podem ser quer económicas (“consumo e transações de propriedades”), sociais (“relações, compromissos e participação”) e culturais (“redes, trocas de informação e ideias”) (Seixas & Costa, 2011, p. 73). Além disso, e de forma complementar, importa reconfigurar e considerar uma visão sobre a competitividade:

(…) como a capacidade de um espaço oferecer qualidade de vida e bem-estar aos seus “cidadãos”, permitindo-lhe assim sustentar, justamente, atividades e dinâmicas de desenvolvimento diferenciadoras face aos outros territórios (fixando residentes, criando emprego, garantindo amenidades e qualidade de vida, em simultâneo assegurando a sustentabilidade dos recursos e ainda garantindo vínculos socioculturais tais como a participação cívica e a identidade cultural).” (Seixas & Costa, 2011, p. 74).

Num artigo recente, Ana Estevens e Maria João Freitas, abordando algumas questões similares, referem que uma abordagem das questões urbanas, quando associadas a processos de transformação urbana que procurem conjugar resiliência e inovação social63, deve atender a três

63 Como exploram posteriormente as autoras: “O conceito de inovação social pressupõe, assim, novas

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grandes aspetos: 1) um primeiro que passa por uma perspetiva de desenvolvimento territorialmente integrada64, e baseada na “(…) na transformação dos lugares e territórios e das condições de

experiência de vida, na co-produção social, relacional, dinâmica e sinergética dos presentes e futuros (…)” (Freitas & Estevens, 2012, p. 8); 2) uma forma de governança65 e de “networking” que permita a “(…) (re)construção de um sistema de coprodução, ancorado na reconstrução e transformação das relações de poder e das redes de decisão, lideranças e regras de interconetividade (…)” (Freitas & Estevens, 2012, p. 8); 3) e, por último, seguindo o “desafio da transdisciplinaridade”, procurar adotar um processo de produção e incorporação de conhecimentos e saberes relativos às necessidades sociais priorizadas e aos territórios em causa, tomados como

como contributos essenciais para a mudança e a transformação. A relação entre resiliência, inovação social e criatividade pode permitir uma abertura maior a estes processos. A inovação social, como foi visto anteriormente, é um processo que permite encontrar novas respostas para problemas não reconhecidos ou não solucionados. Neste caso a inovação social, rompe com os tradicionais paradigmas e dogmas, transformando as relações sociais e reforçando ou implementando uma maior relação colectiva (Moulaert et al, 2009).” (Freitas & Estevens, 2012, p. 12). Também com base em Moulaert, e na exploração da dimensão da perspetiva do território como “capital territorial” no domínio da “governação territorial” - sendo a outra dimensão o território como “construção política e social”-, Feio e Chorincas referem que “[a] inovação territorial consiste, portanto, na capacidade de gerar e incorporar conhecimentos, de dar respostas inovadoras aos problemas do presente, resultando num factor-chave para o desenvolvimento dos territórios, não só em termos de crescimento económico, mas numa perspectiva integrada. Moulaert sublinha, portanto, a importância da capacitação dos actores, defendendo que o desenvolvimento dos territórios é cada vez menos uma questão de rendimentos, de capacidade de consumo e de inclusão, mas sobretudo a capacidade de promover mudanças estruturais impulsionadoras da capacitação individual e colectiva.” (Feio & Chorincas, 2009, p. 141).

64 “(…) numa perspectiva multi-escalar, multi-dimensional, multi-nível e (…) transdisciplinar (…)”

(Freitas & Estevens, 2012, p. 13)

65 “(…) o conceito de governança remete sobretudo para uma estratégia global de governo da coisa coletiva

que envolve atores públicos e não públicos, atores formais e informais, atores individuais ou coletivos, os seus governos e estruturas num sistema matricial multi-nível de tomadas de decisão, de produção de poderes, de capacitação para a ação, e de recriação de inter-dependências sinergéticas em ambiente colaborativo, conducentes a uma co-produção de soluções (produtos, serviços ou processos) mais eficazes e eficientes de resposta a objetivos comuns. O conceito de governança é assim um conceito que remete para a reformatação das condições de desenvolvimento da ação coletiva, que envolve uma multiplicidade de atores na tomada de decisões, produção das regras que orientam a configuração da ação e na concretização de soluções e iniciativas decorrentes de um reconhecimento, consenso e um compromisso em torno de um objeto comum.” (Freitas & Estevens, 2012, p. 10).

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“(…) objetos e produtos da vivência e ação coletiva (…)” (Freitas & Estevens, 2012, p. 8). Sendo que, como referem posteriormente as autoras, apesar da procura de consensos e mobilizações coletivas, o seu potencial encontra-se na diversidade de posições e perspetivas que possam ser integradas nas intervenções integradas, numa relação de “convívio coletivo entre tensões, conflitos e diferenças (Freitas & Estevens, 2012, p. 9). Como finalizam Estevens e Freitas:

(…) os processos de inovação social necessitam da combinação de três acções colectivas (Moulaert, 2008): (i) a satisfação de necessidades; (ii) a mudança das relações sociais (particularmente ao nível da governança e do aumento do nível de participação); e (iii) o aumento da capacidade sócio-política e do acesso aos recursos necessários para reforçar os direitos de satisfação das necessidades humanas e de participação.” (Freitas & Estevens, 2012, p. 13).

Este destaque da dimensão coletiva no processo de apropriação e produção do espaço (público) urbano remete, em parte, para a noção de direito à cidade.

Contudo, e tendo em conta aquilo que são as práticas internacionais observadas nas intervenções em espaço público e a sua adequabilidade ao caso de estudo, a abordagem ao conceito de intervenção e à sua relação com as alterações de espacialidades, será ainda englobada na problematização relativa aos processos do denominado empreendorismo urbano. Adotando-se aqui uma definição sintética do mesmo, apresentada por Catharina Thörn (Thörn, 2006, pp. 68-70), e complementando-a com a análise apresentada por Carl Grodach e Daniel Silver (Grodach & Silver, 2012, pp. 13-14), poderemos definir empreendedorismo urbano à luz de três características principais: 1) Um maior papel desempenhado por diversos atores na gestão da cidade, incluindo a entrada de atores privados, implementando-se um modelo de governança mais fragmentado e já não estritamente top-down. Ocorrendo ao mesmo tempo a mudança de uma lógica de provisão de apoios e serviços às populações, para a promoção de políticas que potenciem a atratividade, promoção e competitividade da cidade num mercado global que ocorre a vários níveis e entre diferentes fluxos e escalas espaciais, introduzindo-se ainda novos termos, estratégias e lógicas de gestão com base em princípios empresariais; 2) A referida partilha da gestão com tais atores apresenta, como contraponto, o estabelecimento de uma visão mais estrita ao nível da estratégia de desenvolvimento da cidade, envolvendo a criação de uma visão consensualizada, mas sem considerar as diferentes relações de poder em presença e sem espaço para visões alternativas, em particular as defendidas e/ou afetas a sujeitos e grupos menos privilegiados; 3) Os espaço públicos são cada vez mais vistos como um meio para a promoção de estratégias de (re)desenvolvimento urbano, as quais se concentram em diferentes dimensões (físicas, estéticas, identitárias), assentes

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na promoção de amenidades e imagens “positivas” dos mesmos, em torno dos ideias de segurança e atratividade, tendo em vista a atração e fixação de diversas formas investimentos e fluxos (turísticos, financeiros, “capital humano/classe criativa”, entre outros).

Na presente dissertação, mesmo considerando estas questões, a análise das relações entre intervenções e espaço público será ainda feita considerando as seguintes dimensões: intervenções imateriais; acessibilidade e formas de uso e apropriação (ritmos, relações e práticas), em particular ao nível das práticas de consumo e lazer ou das relações de género e de etnicidade; uma breve consideração das questões ligadas à propriedade jurídica; e às características físicas/materialidade do espaço. Sendo que existirão duas outras dimensões, tomadas como transversais, relativas aos significados e às relações de poder.