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Capítulo II Análise

3.2 Políticas Urbanas

3.2.1 Política Urbana da CML

No quadro geral da cidade/metrópole, tais dinâmicas e processos não deixam de estar associadas à recente política urbana da Câmara Municipal de Lisboa (CML). A CML, no documento “Estratégia de reabilitação urbana de Lisboa 2011-2024” (CML, 2011b), dá conta de um “novo paradigma de intervenção”. Salientando um maior ritmo de degradação face à recuperação do edificado, o facto de o investimento da CML “não acompanhar as necessidades de intervenção” e “uma preferência dos particulares em investir em obras novas”, a CML defende outra política107 (CML, 2011b, pp. 10-11). Para além de se salientarem alterações recentes na reabilitação em Lisboa, como o maior investimento no centro da cidade, a CML refere que a estratégia passa por “tornar o investimento na reabilitação atrativo”, numa conjugação entre “Governo, Autarquia e promotores” (CML, 2011b, pp. 10-11). Em particular, é referido que as anteriores políticas de reabilitação falharam “(…) porque partiram do equívoco de que o município

107 A qual teve em conta as seguintes questões:

“1. O maior volume de investimento a realizar é no edificado particular que, tal como os edifícios municipais em mau estado de conservação e devolutos, está disperso pela cidade;

2. O município não pode delegar em terceiros a reabilitação dos equipamentos e do espaço público, os quais têm um efeito indutor do investimento na reabilitação do edificado particular na medida em que qualifica o local;

3. O número de contratos de arrendamento congelados, com rendas baixas, tende a reduzir e no prazo de mais dez anos será residual e, por outro lado, o mercado de arrendamento está a crescer em consequência da crise.

4. Enquanto a cultura do “proprietário urbano absentista” for dominante, não se consegue inverter a tendência de degradação;

5. A conservação periódica é condição “sine qua non” para evitar a ruína do edificado.” (CML, 2011b, p. 10).

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teria os meios financeiros e técnicos para se substituir aos privados na reabilitação do seu património.” (CML, 2011b, pp. 10-11), sendo que a atual estratégia, o “novo paradigma de intervenção”, irá passar principalmente pela captação de investimento privado para a reabilitação do edificado, tomando-a numa ótica de mercado, e que segundo a CML assenta em 7 pilares108 (CML, 2011b, pp. 10-11).

3.2.2 Contextualização do Programa de Ação Ai Mouraria

por parte da CML

A intervenção na praça do Martim Moniz, tal como já referido, encontra-se relacionada com o Programa de Ação QREN Mouraria - “As cidades dentro da cidade”. Este programa obteve financiamento do QREN, e o contrato foi celebrado em 11 de Agosto de 2009. A sua justificação parte de um diagnóstico que sinaliza as seguintes questões como as mais problemáticas na Mouraria: “(…) a degradação do edificado e do espaço público, o envelhecimento da população, as carências económicas das famílias e a prática de comércios ilícitos (….)” (CML, 2011a, pp. 939- 941). Inicialmente, estava prevista a sua conclusão em 2012, mas acabou por manter-se em funcionamento, em particular devido às atividades relacionados com o PDCM - Programa de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria. O financiamento obtido através do QREN foi de 7,5

108 “Em primeiro lugar, canalizando o investimento público para aquelas acções que possam ter maior

efeito de arrastamento na qualificação do espaço urbano;

Em segundo lugar, criando condições facilitando a transmissão da propriedade para o surgimento de uma nova geração de investidores na compra e promoção de prédios e fracções para reabilitar e arrendar. Em terceiro lugar acelerando a recuperação do capital investido, quer através da redução do tempo de actualização da renda, quer pela introdução do subsídio de renda às famílias carenciadas.

Em quarto lugar, reduzindo os custos de contexto, tornando muito mais célere a autorização administrativa para a realização das obras e a emissão da licença de utilização, removendo entraves regulamentares, apoiando os realojamentos temporários necessários à realização das obras.

Em quinto lugar, criando condições para, de uma forma expedita e desburocratizada, apoiar os condomínios residenciais que têm vindo a aumentar nas zonas antigas da cidade.

Em sexto lugar, tornando efectiva a obrigatoriedade da conservação periódica do edificado e o restauro do património classificado.

Em sétimo lugar, reduzindo as expectativas sobre o ganho de maisvalias geradas pela substituição com aumento de edificabilidade, provocando a ruína e a desocupação dos edifícios.” (CML, 2011b, pp. 11-12).

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milhões de euros (CML, 2012, pp. 40-42). O Programa de Ação envolveu um protocolo com parceiros locais para a sua execução, integrando inicialmente:

“(…) as seguintes 11 entidades: Associação Casa da Achada - Centro Mário Dionísio (CMD), Associação Renovar a Mouraria (ARM), Associação de Turismo de Lisboa - Visitors and Convention Bureau (ATL), Câmara Municipal de Lisboa (CML), Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL), Instituto da Droga e Toxicodependência (IDT) e as Juntas de Freguesia dos Anjos (JFA), da Graça (JFG), de Santa Justa (JFSJ), de São Cristóvão e São Lourenço (JFSCSL) e do Socorro (JFS).” (CML, 2011a, p. 939).

O envolvimento destas entidades enquadra-se naquilo que é a atual política de intervenção urbana da CML, atuando nas seguintes dimensões109: “(…) edificado, no espaço público e no

ambiente urbano, no sector social, nas atividades económicas e nos sectores turístico e cultural.” (CML, 2011a, p. 939). Além disso, e como já referido, foi ainda elaborado o PDCM, incluindo inicialmente 22 entidades, ligadas ao território e aos objetivos a desenvolver no PDCM110,

109 O PA englobava as seguintes operações:

“- Operação 1: Requalificação do Espaço Público;

- Operação 2: Estruturas de Gestão e Manutenção do Espaço Público;

- Operação 3: Refuncionalização e reabilitação do Quarteirão dos Lagares para criação do Centro de Inovação da Mouraria;

- Operação 4: Extensão das instalações da Junta de Freguesia de São Cristóvão e São Lourenço no Largo dos Trigueiros;

- Operação 5: Extensão das instalações da Junta do Socorro na Rua da Guia; - Operação 6: Sítio do Fado na Casa da Severa;

- Operação 7: Acções de Redução de Riscos e Minimização de Danos; - Operação 8: Conhecimento e Criatividade;

- Operação 9: Publicação Gastronomias na Mouraria; - Operação 10: Festival Há Mundos na Mouraria; - Operação 11: Publicação História da Mouraria em bd; - Operação 12: Edição de cd Há fados na Mouraria; - Operação 13: Jornal Rosa Maria, o Jornal da Mouraria;

- Operação 14: Plano de Divulgação e Comunicação do Programa de Acção; - Operação 15: Assistência técnica. (CML, 2011a, pp. 939-940).

110 “(…) decidido promover um Programa de Desenvolvimento Comunitário para a Mouraria (PDCM), de

modo a contribuir para o desenvolvimento social e a dinamização do território, e que visa a diminuição dos fenómenos de exclusão e pobreza, a melhoria da qualidade de vida e uma maior abertura do território à cidade (…)” (CML, 2012, p. 41)

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inicialmente com quatro eixos de atuação111 (CML, 2011a, pp. 939-941; CML, 2012, pp. 40-42).

Como fonte de financiamento, e para além do QREN e das entidades particulares associadas, foram realizadas candidaturas a projetos BIP/ZIP e ao Orçamento Participativo de Lisboa - em relação às quais a Mouraria obteve bastante sucesso na captação de fundos -, bem como a fundos do programa municipal PIPARU112. Com o objetivo de coordenar estas intervenções e garantir a articulação entre os diversos serviços e entidades públicas e privadas envolvidas nas mesmas, foi constituído o GABIP (Gabinete de Apoio ao Bairro de Intervenção Prioritária) da Mouraria (CML, 2011, pp. 939-941).

Ainda sobre o PA, importa referir, numa dimensão mais associada à praça do Martim Moniz, a visão presente sobre o espaço público. Ora, uma das ideias mais polémicas presentes no PA, é a aquela em que se refere que “[a] intervenção de maior visibilidade e indutora de novos

comportamentos será a requalificação do espaço público (…) ” (CML, Sem data a) (sublinhado do autor)113. Além disso, é igualmente assumido que as intervenções de requalificação do espaço

111 “I - Revitalização do tecido económico local e promoção das qualificações, do emprego e do

empreendedorismo;

II - Melhoria da qualidade de vida dos seniores e promoção do envelhecimento ativo;

III - Promoção do acesso ao emprego, à saúde e à cidadania das populações vulneráveis da Mouraria, designadamente trabalhadoras do sexo, toxicodependentes, pessoas sem--abrigo, imigrantes em situação de vulnerabilidade e crianças/ /jovens em risco;

IV - Promoção do fado, como fator identitário e de dinamização económica e cultural.” (CML, 2012, p. 41)

112 “Também no âmbito do PIPARU foi dada prioridade ao investimento na Mouraria: um investimento total

de cerca de 4 milhões de euros, sendo intervenções em edifícios habitacionais no valor de 1,6 milhões de euros, em equipamentos perto de 1 milhão de euros e no espaço público 1,4 milhões de euros.” (CML, 2012, p. 40)

113 Apesar da expressão escolhida, parece que a mesma não remete necessariamente para uma

“higienização” do espaço público: “Cristina Silva, funcionária do GABIP Mouraria, explica como o tema das “boas práticas no espaço público” incorpora mais características logísticas do que um aviso social. As boas práticas no espaço publico já faziam parte dos objectivos para a candidatura QREN e retomam um modelo europeu. Estas práticas consistem principalmente em fazer intervenções sustentáveis, que respeitem as leis de mobilidade, de acessibilidade, etc. etc. Estas têm muito a ver com a parte física, não tem nada a ver com o "social". Portanto consistem em escolher materiais que respeitem o património histórico do território, a sustentabilidade das reformas...Claro que isto comporta as normas sociais também: a acessibilidade é uma questão social...Civismo, esta é uma questão muito controversa porque a Câmara não multa individuos e actividades que têm um comportamento “anti cívico”, há pessoas que acham que se deveria multar.. [por comportamento anti cívicos a funcionaria do GABIP se refere ao

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público “(…) permitiu a divulgação da Mouraria nas rotas turísticas através da ATL, com a criação de um Percurso Turístico-Cultural.” (CML, Sem data b). Outra dimensão a considerar-se prende- se a com o surgimento e dinamização de um “Corredor Intercultural” (CML, Sem data c).

Importa ainda salientar que a CML refere o Programa de Ação QREN Mouraria como um exemplo das operacionalizações da anteriormente referida Estratégia de Reabilitação Urbana (CML, 2011b, pp. 17-18). Trata-se de algo visível, em particular, no que diz respeito aos dois primeiros pilares identificados em tal estratégia, devido às diversas intervenções e investimentos a ocorrer no local, bem como pelo facto de terem ocorrido parcerias entre diferentes sectores da administração pública e entidades privadas114. A estratégia de intervenção, ao nível da sua aplicação específica a um dado território, passa, por um lado, pela reabilitação e dinamização do edificado camarário, de equipamentos e espaço público, pela implementação de uma estratégia de dinamização económica concertada com vários parceiros locais ao nível social, cultural e económico, mas deixando à iniciativa privada a principal responsabilidade de investimento para a reabilitação e dinamização económica desse mesmo território na sua globalidade - mesmo que grande parte dos investimentos iniciais sejam públicos, de “natureza” multiplicadora, ou indutora e de “arrastamento” como é referido pela CML. Esta estratégia é igualmente confirmada pelo vereador de Urbanismo da CML, Manuel Salgado, em entrevista ao suplemento de Imobiliário do jornal Público115, e encontra-se igualmente visível na página do projeto (à semelhança do que

ocorre na já citada Estratégia de Reabilitação Urbana de Lisboa 2011/2014), num ponto sobre

respeito dos tempos e dos lugares de entrega do lixo e do higiene dos cães ndr] Então o que a Câmara pretende com “boas práticas” são realmente acções de sensibilização e de instrução dos moradores sobre as práticas correctas de convivência. (Cristina Silva)” ” (Ferro, 2012, p. 69).

114 O próprio presidente da CML refere que se trata de uma estratégia que pretende ver replicada:

"António Costa destacou que aquilo que foi “original” neste caso foi “a metodologia aplicada”, que passou pelo desenvolvimento em simultâneo de intervenções de diferentes naturezas, nomeadamente ao nível do edificado e do espaço público, das pessoas e dos equipamentos. O presidente da câmara não escondeu que a sua ambição é que esta metodologia possa agora ser replicada “noutras zonas da cidade”: “Há outras Mourarias na cidade a que temos de acorrer”, disse, não revelando que localizações possíveis para um futuro gabinete tem em mente.” (Público, 2014a; O Corvo, 2014).

115 “A reabilitação urbana é assumida como uma das prioridades do atual executivo, em funções desde 2007.

E, desde logo ficou claro para o vereador que “o investimento municipal deveria assentar fundamentalmente na requalificação dos espaços e estruturas públicos”, ao mesmo tempo que seria necessário “reunir condições para que fossem os particulares a reabilitar o grosso do edificado”, apostando-se na criação de estímulos para que esses agentes pudessem investir neste processo.” (Público, 2013).

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reabilitação116, com uma menção à necessidade de “Criar condições para facilitar a transmissão da

propriedade (…)” (CML, Sem data d). Ora, tal estratégia não deixa de apresentar os seus riscos. Em particular, poderá incentivar processos gentrificação devido à visibilidade e valorização de determinados espaços selecionados e intervencionados pela câmara, nos quais é deixado aos privados a grande responsabilidade pela reabilitação do edificado e pelo mercado imobiliário.

3.3 Intervenção e dinamização na praça do Martim Moniz