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De entre a vasta produção literária de cordel, interessar-nos-á, como tivemos oportunidade de constatar na apresentação da presente dissertação, o teatro setecentista, pelo que acreditamos ser o momento de tecer algumas considerações, ainda que gerais, sobre o teatro, desde os pri- mórdios até à eclosão da pródiga produção dramática de cordel no século XVIII.

«O teatro é tão velho quanto a humanidade»149, refere Margot Berthold, na importante obra

que dedicou ao teatro e à sua história. De facto, a fortuna da tradição teatral que acompanha a história da humanidade é imensa. A nossa vontade de sobre ela nos demorarmos esbarrou com as limitações impostas a uma dissertação de doutoramento que pretendemos subordinada ao caso específico do teatro de cordel setecentista. No entanto, cientes de que uma referência ainda que breve aos principais marcos da história do teatro europeu poderá ser útil à compreensão do pano- rama teatral português do século XVIII – escudados na afirmação de Berthold que assegura que, «[d]o ponto de vista da evolução cultural, a diferença essencial entre formas de teatro primitivas e mais avançadas é o número de acessórios cénicos à disposição do ator para expressar sua men- sagem»150 –, decidimos, nesta fase da nossa investigação, aludir aos principais momentos que

marcaram o teatro no Velho Continente, desde a Antiguidade até ao final da centúria de Setecen- tos, correndo, no entanto, o risco de, ao selecionarmos as etapas que, no nosso entender, foram fulcrais, sacrificarmos outros aspetos que poderiam ser ventilados.

Fernando Peixoto afirma que, «[n]o Homem primitivo coexistiam dois elementos religiosos distintos: o animismo (elemento passivo) e a magia (elemento ativo).»151. E foi a partir desta con- fluência que o teatro começou a compor-se, «à medida que se criavam e desenvolviam os cultos religiosos de adoração, os ritos, as cerimónias.»152. A imitação do que se observa constituiu o

147 Subsídios para a História do Teatro Português – Teatro de Cordel, p. 15. 148

Idem, p. 16.

149 Margot B

ERTHOLD, História Mundial do Teatro, São Paulo, Editora Perspectiva, 2003, p. 1.

150 Ibidem. 151 Fernando P

EIXOTO, História do Teatro Europeu, Lisboa, Edições Sílabo, 2006, p. 23.

passo seguinte e a forma escolhida para o mostrar aos outros passou pelo recurso ao corpo e à dança e, como é óbvio, à própria voz. A tentativa de explicação de fenómenos da natureza inusi- tados e do sobrenatural – espaço povoado pelas divindades – conduziu à fantasia, à invenção e à criação, como atesta o investigador citado. Deste modo, a ligação entre os mortais e o divino faz- se apenas por uma série de representações ritualizadas que enformam cerimónias em que toda a comunidade participa – o «diálogo torna-se coletivo: dialoga-se com a(s) divindade(s), em coro: nasce o diálogo dramático!»153. Os protagonistas deste diálogo transfiguram-se, colocam uma

máscara e perdem, deste modo, a sua identidade, enlevados pelo caráter do que estão a personifi- car. A sedentarização das tribos e a consequente organização social favoreceram o surgimento de grupos que se especializaram naquele tipo de atuação. Estavam, pois, criadas as bases de uma atividade dramática cada vez mais autónoma.

No que diz respeito especificamente à Europa, não podemos deixar de citar, em primeiro lugar, pela sua relevância, a Grécia. De facto, as origens do teatro no continente europeu tiveram ali lugar, «nas ações recíprocas de dar e receber que, em todos os tempos e lugares, prendem os homens aos deuses e os deuses ao homem: elas estão nos rituais de sacrifício, dança e culto.»154.

Contrariamente ao que sucederá com o teatro subsequente, em Atenas o público não deixa de participar em todos os rituais, sobretudo naqueles dedicados a Dionísio, cantando e dançando ao lado dos atores. O culto dionisíaco, apesar de se afirmar, na sua origem, como religioso, cedo perdeu esta especificidade, passando a ser usado como meio para criticar e ridicularizar o caráter de certas pessoas conhecidas. A evidente incompatibilidade entre o sagrado e o profano teve como consequência primeira a perda do pendor religioso de tal prática, libertando-a dos princí- pios que presidiam ao culto da divindade. Este divórcio favoreceu a criatividade e tornou as representações conformes ao gosto popular. As origens da tragédia e da comédia não podem dis- sociar-se, pois, deste culto.

No que diz respeito à tragédia, é comum apontar-se uma dupla origem: por um lado, os cân- ticos do bardo de Homero, Demódoco, que se referiam diretamente aos favores e à ira dos deu- ses, determinantes para o futuro dos heróis; por outro, os «ritos de fertilidade dos sátiros dançan- tes»155. Partindo do conceito de imitação156 – ou mimese –, Aristóteles, na sua Poética, elenca as

principais características da tragédia:

153 Idem, p. 24.

154 História Mundial do Teatro, p. 103. 155

Idem, p. 104.

156 Acerca da imitação, A

RISTÓTELES refere o seguinte:

A epopeia, a poesia trágica, e também a comédia, o ditirambo, e mesmo, no que respeita ao essencial, a poesia aulética e a citarística são todas, no seu conjunto, imitações.

(...) Todas estas artes realizam a imitação por intermédio do ritmo, do discurso e da harmonia, seja separadamente, seja em conjunto. (...)

A tragédia é a imitação de uma ação séria e completa; tem uma grandeza equilibrada; a sua lin- guagem é agradável e os elementos diferem entre si nas diversas partes; os acontecimentos são aí representados por personagens e não contados numa narrativa; enfim, ela suscita a piedade e o terror e, através deles, efetua uma verdadeira purgação desses dois tipos de sentimentos. (...)

Dado que a imitação é feita por homens em ação, uma parte da tragédia consistirá necessaria- mente na encenação, depois seguem-se o canto e o texto; é exatamente com estes elementos que é feita a imitação.157

Vários dramaturgos gregos contribuíram para dotar a tragédia das características que hoje sobejamente conhecemos. Ésquilo foi o responsável pela criação do drama trágico, provido de perfeição artística e formal, de temática mitológica representada pela luta permanente entre os deuses e os humanos. Para este autor, nós, simples mortais, somos alvo de sofrimento por culpa da nossa conduta e da forma como entendemos a divindade. Eurípedes chamou a si a primazia do teatro psicológico no Ocidente. Empenhado em retratar o homem como ele, de facto, é, o drama- turgo concebe personagens que se atrevem a hesitar e a duvidar de tudo o que as rodeia. Desco- brem-se, nas suas peças, fortes paixões a que não serão, certamente, alheias as demolidoras intri- gas e conspirações. Finalmente, não poderemos olvidar os contributos de Sófocles, a quem se deve o grande impulso do diálogo que, nas peças, subalterniza os momentos líricos e narrativos. O dramaturgo cria preferencialmente diálogos curtos. Correndo o risco de os tornar menos sole- nes, não deixa de lhes conferir mais vivacidade, aproximando a linguagem das personagens da oralidade, tendo, por isso, influenciado muitos autores de épocas bastante diferenciadas. Por outro lado, o dramaturgo é o responsável pela introdução do cenário pintado e de elementos móveis no palco e por uma atenção redobrada às máscaras e ao guarda-roupa.

O desaparecimento destes dramaturgos ditou a agonia da tragédia, assim como as exigências do público, que ansiava por representações menos pesadas, como atesta Fernando Peixoto:

(...) o povo reclamava por momentos de «descompressão» o que levou a incluir, no final das repre- sentações, um drama satírico, por vezes composto também pelo mesmo autor das tragédias postas a concurso.158

Aristóteles, na obra acima citada, associa a origem da comédia às «cerimónias fálicas e can- ções»159 que se destinavam a satisfazer a propensão do homem para a sátira que a tragédia não

Quando se imita imitam-se homens em ação. Estes, necessariamente, ou são respeitáveis, ou são medíocres. De facto, os caracteres reduzem-se quase todos a estas duas categorias: é pela maldade e pela virtude que se diferenciam todos os caracteres. Assim, as suas imagens ou são melhores do que nós, ou piores, ou semelhantes. (...)

A mesma diferença separa a tragédia da comédia. A primeira pretende imitar homens superiores aos de hoje, a segunda homens inferiores (...). («Poética», apud Monique BORIE, Martine de ROUGEMOND e Jacques SCHERER, Esté-

tica Teatral. Textos de Platão a Brecht, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, pp. 20-21).

157 Idem, p. 22.

158 História do Teatro Europeu, p. 39. 159 História Mundial do Teatro, p. 120.

poderia alimentar. Margot Berthold chama a atenção para a etimologia do termo comédia que «deriva dos komos, orgias noturnas nas quais os cavalheiros da sociedade ática se despojavam de toda a sua dignidade por alguns dias, em nome de Dionísio, e saciavam toda a sua sede de bebi- da, dança e amor.»160. Assim, facilmente se compreende a propensão dos autores de comédias

para o tratamento de temáticas do quotidiano e para a crítica mordaz a que ninguém estava imu- ne, chegando inclusivamente a ridicularizar os próprios deuses e heróis. Para além do que referi- mos, convirá salientar ainda que o coro típico da tragédia desaparece e as personagens assumem um contacto mais próximo com a plateia. De entre os comediógrafos gregos, merecem destaque Aristófanes e Menandro.

Aristófanes, expoente máximo da Comédia Antiga161, usou a sua obra para desferir críticas

severas ao regime político da época, mas não se ficou por aqui. De facto, nenhuma franja da sociedade escapava à sua pena mordaz: ricos e pobres, cultos e ignorantes, homens e mulheres162,

jovens e idosos, religiosos e laicos motivavam as mais variadas peças que serviriam de modelo, séculos mais tarde, a autores tão variados como Molière ou Shakespeare, Gil Vicente ou António José da Silva.

Como vimos, a Comédia Nova veio alterar profundamente a forma como se processavam as críticas nas comédias gregas e mesmo os alvos desses julgamentos. A avaliar pelas reflexões de Fernando Peixoto, parece-nos lícito considerar que o nosso cordel setecentista ficou tributário das temáticas abordadas na época helenística, como teremos oportunidade de comprovar na segunda parte da dissertação:

160

Ibidem.

161 A Comédia Antiga opõe-se à Comédia Nova por razões que não devem ser menosprezadas. Diversos

autores refletiram acerca desta evolução da Comédia na Grécia Antiga. Na impossibilidade de os citarmos con- venientemente, cingimo-nos aos estudos de Fernando PEIXOTO que, a este propósito, declara:

Na Comédia Antiga era vulgar o recurso a personagens reais e, no seu período de maior desenvolvimento, era constituída pelo coro, que foi gradualmente aumentando o número de personagens e de atos, atingindo o número de 5 atos. Depois, o coro foi desaparecendo pouco a pouco.

Dados os «abusos» que punham em causa as personalidades importantes, difamando-as, acabaram por sair leis que «calaram» os poetas, proibindo-os de aludirem diretamente a essas mesmas pessoas. Enquanto nas comédias dos poe- tas antigos os temas assentavam nos vícios e defeitos reais dos contemporâneos, na Comédia Nova os temas abordam questões do quotidiano e a sátira social dá lugar preferencial à intriga amorosa. (História do Teatro Europeu, p. 49).

162 Correndo o risco de ser acusado de misoginia, o tratamento dado às mulheres nas peças de Aristófanes

permite-nos estabelecer alguns elos com os folhetos de cordel setecentistas que abordam as relações pouco amistosas dos homens com as mulheres, sobretudo as casadas. A este propósito, atentemos nas palavras de Fernando PEIXOTO:

As mulheres, muitas vezes maltratadas por Aristófanes, que lhes realça os defeitos e lhes revela os apetites sexuais em detrimento da capacidade de amar, não deixam de ter razão quando fazema greve do sexo (Lisístrata) ou tomam conta do Parlamento (As Mulheres no Parlamento). Mesmo Lisístrata, uma das figuras mais emblemáticas da comédia aristofânica, não deixa de proclamar sobre o seu próprio sexo: «ó que sexo tão dissoluto é o nosso, de todas sem exceção!» e referindo-se a Eurípedes, reconhece-lhe razão em escrever tragédias sobre mulheres, as quais teriam sempre o sexo no pensamento.

A Comédia Nova trata de factos do dia a dia em geral, das pessoas vulgares, sobrelevando o ridículo do quotidiano, divertindo o público que se revia nos retratos, de argumento agradável e com algumas lições de moral. (História do Teatro Europeu, p. 48).

O amor e as suas intrigas, os velhos que procuram mulheres novas, as alcoviteiras, as sogras, os vigaristas e charlatães, a criação de tipos característicos, mas também as reflexões filosóficas, as moralidades, substituem por completo toda e qualquer sátira política e a própria linguagem perde o caráter grosseiro e obsceno para se tornar muito mais elegante e depurada.163

Menandro utilizou, ao contrário do seu antecessor, uma linguagem elegante e trabalhada, mesmo quando colocada na boca de personagens que, à partida, não cativariam o gosto do públi- co. As suas peças davam vida a cerca de 9 ou 10 personagens, que eram representadas por apenas 3 ou 4 atores. Usando máscaras, eles eram capazes de interpretar figuras tão diversas como velhos, jovens ou mulheres. No que diz respeito às temáticas abordadas, também elas caras à lite- ratura de cordel, quase todas as peças tratam da vitória do amor sobre as contrariedades e, no final, é sempre possível constatar uma moralidade que se prende com a vitória do bem sobre o mal e do profundo arrependimento de todos os que se comportaram incorretamente.

O teatro romano é culturalmente herdeiro do grego. Apesar de fazer parte dos mais presti- giantes espetáculos, como o eram os jogos romanos, a arte dramática folerescia um pouco por todo o lado, misturando-se, com frequência, com os diversos números de circos itinerantes que levavam a cultura a diversos pontos do próspero império romano. Apesar da enorme influência do teatro grego, a tragédia romana não frutificou tanto como a comédia, que fez levantar grandes vultos dramatúrgicos como Plauto e Terêncio.

Plauto conseguiu adaptar as comédias gregas ao gosto romano através de uma vivacidade surpreendente, obtida com a introdução do canto e da música no espetáculo teatral. Estava, assim, garantido o sucesso das suas peças, que passou pela criação de enredos complexos, basea- dos no dia-a-dia de idivíduos reais e protagonizados por personagens populares com as quais o público se identificava, rindo com as suas brejeirices. Na maior parte das vezes, a opção tomada pelo escritor para resolver tantas confusões é cara aos nossos dramaturgos de Setecentos, como veremos:

(...) as intrigas com que enreda as personagens, em teias que parece jamais poderem desfazer-se, aca- bam por resolver-se graças aos ardis, às «manobras» com que escravos e parasitas vão solucionando os conflitos.164

O legado que Plauto deixou às gerações vindouras é visível nas manifestações teatrais popu- lares da Idade Média e, mais tarde, na produção literária italiana renascentista e espanhola seis- centista, sem esquecer nomes como Molière e Shakespeare que nele encontraram uma pródiga fonte de inspiração.

163 Idem, pp. 49-50. 164 Idem, p. 58.

Terêncio revelou-se um dramaturgo diferente de Plauto. O seu discurso regrado e culto segue de perto os modelos helénicos. O cuidado na construção das personagens e na progressão da ação torna as suas peças bastante mais comedidas e dirigidas, preferencialmente, a um público erudito, vindo a inspirar autores como Shakespeare, Tirso de Molina e Lope de Vega.

Com a morte de Terêncio, a comédia torna-se moribunda, acontecendo o mesmo com a tra- gédia, já de si pouco amada em Roma. Destaca-se, como autor de tragédias, Séneca, apesar de a densidade das suas peças servir melhor propósitos declamatórios que propriamente dramáticos. Este dramaturgo foi influenciado por princípios estoicos visíveis na lógica que preside à constru- ção das suas tragédias. Desta feita, «(...) as personagens, ao optarem pelo caminho do vício, dos erros, das traições, dos assassinatos, acabam por sofrer as consequências dos seus próprios atos.»165. Apesar disso, as suas peças são caracterizadas «por situações de grande tensão e vio- lência. (...) [P]arece haver o propósito de provocar intencionalmente o terror, como quem tenta demonstrar que ele deriva da prepotência do poder atrabiliário e irrefreável.»166.

Com o declínio do império romano, o cristianismo ocupa o lugar de liderança deixado vago e impõe regras bastante apertadas que subjugam os mais diversos aspetos da vida social medieval – o que inclui, obviamente, o teatro – aos princípios basilares da moral cristã. Surge, assim, um teatro que glosa temáticas religiosas. Dramatizam-se episódios bíblicos, sobretudo os que se relacionam diretamente com a vida, morte e ressurreição de Cristo. Apesar de tudo, o teatro dito profano sobrevivia como podia, alimentando a atividade de comunidades itinerantes de mimos e outros artistas que se dedicavam à atividade circense, impedidos de atuar em locais sagrados. A burguesia, que começava a despontar, apreciava estas diversões e patrocinava-as frequentemente. Assistimos, neste período, ao desenvolvimento da farsa, cuja missão primordial consistia em divertir o público, que, progressivamente, se vai familiarizando com o espetáculo teatral. Inti- mamente associada à crítica social, a farsa desenvolve as diversas temáticas – com uma requinta- da astúcia verbal167 – de forma pouco escrupulosa, o que parece ter ditado o seu sucesso. Por seu

lado, o drama profano instala-se na corte, onde é usado para assinalar efemérides.

Apesar de o teatro medieval ter conseguido evoluir, servindo de mote à criatividade, havia ainda muito a fazer, sobretudo no que diz respeito à participação das mulheres. Os papéis femi- ninos continuavam a ser desempenhados por homens, que tudo faziam para disfarçar o próprio aspeto físico, sem muito sucesso, convém acrescentar.

O Renascimento afirma-se como um marco deveras importante na civilização ocidental, pelo que não pode ser desprezado. Trata-se de uma época em que se valoriza o homem na sua globalidade, merecendo um lugar de destaque o papel deste enquanto agente cultural num mundo

165 Idem, p. 65. 166 Ibidem.

em constante evolução. A preferência pelas línguas vernáculas em detrimento do latim usado até então e o gosto pela tradução dos autores clássicos abrem, em definitivo, portas a uma nova pers- petiva do fenómeno teatral. Paralelamente surge a famosa commedia dell’arte168. Este género

teatral, nascido nos meios populares e fruto da improvisação que o distanciava do teatro de pen- dor predominantemente literário dos humanistas, interessa-nos sobretudo pelo legado que deixou aos vindouros, mormente no que diz respeito ao teatro de cordel que aqui intentamos retratar. A este propósito, convém atentar nas palavras de Giuseppe Carlo Rossi:

Depois do teatro humanístico, quando ainda não acabara o século XVI, Portugal foi invadido como os outros países pelo género do teatro italiano que, nascido então, constituiria durante dois séculos um dos maiores títulos de glória artística italiana em toda a Europa, a célebre – commedia

dell’arte –, representada pelos próprios – comici dell’arte –, italianos. A comédia da arte chegou à Espanha em 1570, com a companhia triunfal de Giovanni Ganassa, e deve ter chegado a Portugal pouco depois, visto que já nos primeiros anos de Setecentos os Jesuítas, impressionadíssimos, come- çaram a sua campanha implacável contra ela (...).169

Quanto às personagens preferidas desta «mescla de origens diversas, que fundia ao mesmo tempo a mímica das farsas romanas com a arte dos atores-jograis da Idade Média»170, que irão

igualmente figurar no elenco do nosso cordel setecentista, Fernando Peixoto não deixa de referir as seguintes:

(...) o marido corneado, o velho avaro e enamorado da jovem, a mulher que não aguenta as longas ausências do marido, o servo que, invariavelmente fruto da exploração do amo e por este muitas vezes castigado, acaba por vingar-se através da astúcia (...), o Capitano, inspirado na figura greco- plautina do Soldado Fanfarrão. Enfim, uma galeria de tipos, alguns destituídos de quaisquer escrúpu- los, mas que eram o retrato fiel de uma época ou, se quisermos, de todas as épocas (...).171

Caberá também, no período em apreço, uma referência, ainda que breve, ao chamado século de ouro espanhol, ao qual voltaremos mais adiante. Correspondendo ao período que decorre des- de meados do século XVI até ao final de Seiscentos, nele vingaram nomes como o de Lope de Rueda, Tirso de Molina ou Pedro Calderón de la Barca, tendo o primeiro ficado famoso pelos

168 Margot B

ERTHOLD define, deste modo, a commedia dell’arte:

Commedia dell’arte – comédia da habilidade. Isto quer dizer arte mimética segundo a inspiração do momento, improvisação ágil, rude e burlesca, jogo teatral primitivo tal como na Antiguidade os atelanos haviam apresentado em