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2.2. O caso português

2.2.1. O Portugal de Setecentos

Convirá, antes de prosseguirmos as nossas reflexões acerca do teatro de cordel português, abrir um parêntese para darmos conta do estado da nação portuguesa na centúria de 1700.

Um pouco por toda a Europa ocidental, o século XVIII pode ser considerado um período em que os valores e sistemas antigos são questionados, ao mesmo tempo que se tenta criar outros. A grande transformação deste século diz respeito à perspectiva adoptada face ao indivíduo, resumi- da, desta forma, por Michel Vovelle:

Le XVIIIe siècle – on s’interrogera sur les limites qu’il convient de lui donner – a placé l’homme

au centre de sa vision du monde, du dispositif autour duquel il organise toute sa réflexion. En cela s’inscrit la rupture avec l’âge baroque, avec une sensibilité qui a dominé l’ère post-tridentine sur plus d’un siècle (…)179.

Pela primeira vez na civilização ocidental, assiste-se a uma verdadeira explosão demográfi- ca, depois de centúrias de estagnação motivada por epidemias e condições de vida precárias, gra- ças aos avanços da medicina e, sobretudo, à satisfação progressiva das necessidades básicas das famílias. E não foram apenas estas as mudanças. A mentalidade do homem europeu também

muda, mormente no que diz respeito ao nascimento, ao amor, ao casamento e à sexualidade, bem como à morte180.

Portugal não foi exceção a todas estas mudanças e uma plêiade de homens de valor, reco- nhecendo o grande atraso nacional face aos restantes países europeus, contribuiu para uma ver- dadeira revolução, a vários níveis, na estrutura da sociedade – da filosofia à economia ou da reli- gião à literatura, por exemplo. Nomes como Luís António Verney, Alexandre de Gusmão, Antó- nio Nunes Ribeiro Sanches ou José da Cunha Brochado, entre outros, foram responsáveis pela apresentação de mudanças estruturais, algumas delas bem recebidas por Pombal. O primeiro, aliás, odiava os jesuítas por considerar que esta organização religiosa era a responsável por todos os atrasos e males que sobrevieram ao nosso país durante o período hegemónico dos homens da Companhia de Jesus. Assim, quando propõe um modelo educativo contrário ao que até ao momento fora implementado pelos jesuítas, consegue cativar a atenção do Marquês de Pombal, cujo ódio aos seguidores de Loyola desatou os laços que até ali uniam os poderes político e reli- gioso, o que culminou numa tentativa de laicização do poder a que não foi alheia a expulsão daquela ordem do nosso país, no ano de 1759. Apesar disso, devido a constantes perseguições por parte dos poderes instituídos, muitos outros estrangeirados não puderam revelar os talentos na sua pátria. Seja como for, as ideias novas acabavam por circular cada vez mais, graças à vul- garização do livro oficial, mas também do proibido, dos jornais, revistas e opúsculos, sem esque- cer o cordel, consumidos por uma população cada vez mais alfabetizada.

Uma análise factual mais aturada do século que aqui nos importa, permitir-nos-á concluir que o terramoto de 1755 bipolariza o período: se, por um lado, trava, pelas catastróficas conse- quências, o progresso que se iniciara alguns anos antes, por outro lado contribui para que caíssem por terra certas relações de poder que dominavam a sociedade até então. A divisa Inutilia Trun- cat, tão querida aos Árcades, como veremos, passa a ser um símbolo dessa grande transforma- ção:

O estilo sumptuoso e requintado até à minúcia da sociedade joanina não poderia sobreviver a semelhante cataclismo.181

A nível social, para além dos sem-abrigo que começaram a vaguear pelas ruas, conferindo um aspecto miserabilista à capital do Império, irá surgir uma nova burguesia mercantilista, motor de desenvolvimento posterior. Lisboa, apesar de ser uma cidade pequena, com cerca de 200 000 habitantes, atraía, cada vez mais, determinados grupos que demandavam uma vida melhor. Entre eles, destacamos os camponeses e artesãos, bem como os criados – muito procurados na capital – e alguns fidalgos da província à procura do brilho de outros tempos. Importa, pois, ainda que

180 As mudanças que aqui nos limitamos a enunciar foram apresentadas por Michel V

OVELLE (Idem, p. 16).

181 «O tempo e o espaço – eixos histórico-geográficos do movimento neoclássico português», in História

brevemente, tratar aqui do quadro social de Portugal, sobretudo na segunda metade de Setecen- tos, ilustrado, na segunda parte desta dissertação, a partir da análise dos entremezes que conse- guimos reunir.

A hierarquia social portuguesa sob o domínio absolutista fundava-se «no nascimento e no privilégio, na religião e na fortuna.»182. Tendo em conta estes domínios, poderemos dizer que a

nobreza derivou do nascimento e do privilégio183; o clero, da religião e a burguesia diferenciar-

se-ia do povo pela fortuna184. Convirá, desde já, realçar que a evolução da sociedade portuguesa

(e também da espanhola, poder-se-á dizer) não foi consentânea com a que ocorreu um pouco por toda a restante Europa. Assim, no final do século XVIII, enquanto os europeus experimentavam novas condições de vida,

os povos peninsulares vão permanecer enredados nas estruturas, agora arcaizantes, que tinham feito a sua glória, mas estavam inteiramente desajustadas. Em contraste com as civilizações altamente indus- trializadas, não apenas os povos subdesenvolvidos mas ainda os povos com estruturas persistentes de Antigo Regime: alguns, em vias de desenvolvimento, outros, recusando a modernidade para cuja eclosão até tinham contribuído.185

Existem, assim,

duas ordens de causas que podem explicar que os mecanismos das sociedades hispânicas ficassem

bloqueados nos séculos XVII e XVIII. Por um lado, essa peculiar estrutura em que há uma incrível

intumescência das classes não produtoras, o terciário de Antigo Regime, e uma inesperadíssima con- tracção da população ocupada na produção das subsistências de base. Por outro lado, formas de men- talidade (conexas dessa estrutura) que permaneciam demasiado voltadas para o passado, arcaizantes, só de onde a onde se entreabrindo às tentativas isoladas e sempre frustradas dos estrangeirados.186

José Oliveira Barata, na mesma esteira, refere-se ao que considera ser um verdadeiro hibri- dismo social que se verificava nos dois países peninsulares:

182 Teresa BERNARDINO, Sociedade e Atitudes Mentais em Portugal (1777-1810), Lisboa, Imprensa

Nacional-Casa da Moeda, 1985, p. 39.

183 A este propósito, José Oliveira B

ARATA acrescenta que «o título de nobre podia ser obtido por via hereditária ou ainda pela prestação de serviços de reconhecida relevância política, civil, militar, administrativa ou mesmo judicial (...).» (História do Teatro em Portugal (Séc. XVIII) – António José da Silva (O Judeu) no Palco Joanino, p. 25). Mais adiante, revela que «[m]uitos eram os que, possuidores de haveres, procuravam para os familiares títulos de nobreza, pois estes eram a melhor garantia para um casamento vantajoso ou, não menos importante, para a obtenção de um cargo no aparelho administrativo da corte.» (Ibidem).

184 Esta partição da sociedade, na perspectiva de Vitorino Magalhães G

ODINHO, «jurídica, por um lado, é, por outro, uma divisão de valores e de comportamentos que estão estereotipados, fixados de uma vez para sem- pre, salvo raras excepções. Cada qual ocupa uma posição numa hierarquia rígida, segundo tem, ou não, direito a certas formas de tratamento.» (Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa, Lisboa, Editora Arcádia, 1977, p. 72).

185 Idem, pp. 71-72. 186 Idem, pp. 112-113.

Espanha e Portugal eram, porém, casos especiais pelo hibridismo social que refletiam. Não des- conhecendo, e procurando inclusive acompanhar os modelos iluministas da Europa, a pesada estrutu- ra da herança medieval, continuava bem presente através da lenta adequação de velhas relações

sociais às novas práticas de sociabilidade que até nós chegavam. Era, no entanto, demasiado pesada a herança que assim ajudava a perpetuar uma hierarquia social em que a manutenção das principais prerrogativas e privilégios era uma realidade.187

E só a segunda metade de Setecentos foi capaz de gerar algumas transformações, que faziam eco das mudanças estruturais ocorridas no estrangeiro. Protegida e detentora de privilégios adquiridos com a expansão ultramarina, bem como de inúmeros bens, a nobreza começa a ver os seus poderes diminuídos com a governação do Marquês de Pombal. Até então, os nobres portu- gueses detinham a maior parte dos negócios do reino. Vitorino Magalhães Godinho enumera-os:

(…) encontramos nobres a monopolizar as saboarias do Reino (…), a armar navios para exercer um corso frutífero (…) ou para tráfego lucrativo (…), a explorar engenhos industriais (…); encontramos nobres a organizar, ou como accionistas de companhias comerciais, nem que seja sob capa, com tes- tas de ferro (e inclusive o próprio rei), encontramo-los em todos os tratos e mercancias, sejam eles quais forem.188

Podemos conceber dois grupos distintos associados à nobreza: o primeiro, composto pela chamada nobreza provinciana, que se dedicava às atividades ligadas à agricultura e ao comércio: habitava, sobretudo, o Norte do país e, sem serem ricos, os seus membros viviam relativamente bem. O segundo grupo, a nobreza de função, ocupava cargos prestigiantes na Corte ou nas coló- nias. Era esta a nobreza que apoiava a coroa e chamava a si o domínio jurídico e militar. Enri- quecida graças aos dividendos oriundos do Brasil e da Índia, será o grupo mais controlado no período pombalino. Como consequência, os seus poderes foram substancialmente reduzidos. Longe de querer exterminar a nobreza, o objetivo de Pombal prendia-se com a necessidade de torná-la mais ativa e participativa nos destinos da nação. Começavam a ser dados os primeiros passos no sentido de nomear para os diversos cargos aqueles que os mereciam por competência e não por nascimento, o que fez decair a compra de títulos de nobreza. Esta classe irá, porém, per- der o seu estatuto a partir do momento em que os grupos compostos pelos magistrados e pelos militares, até ali integrados na nobreza, começam a ganhar autonomia. A este propósito, José Oliveira Barata, nos seus estudos sobre o teatro setecentista, chama a atenção para um pormenor importante no que à nobreza diz respeito, característico daquele período e observado um pouco por toda a Europa:

(...) o facto de coexistirem, ao lado dos grandes senhores, aqueles que «comiam pão negro à sombra da árvore genealógica». Estes eram os fidalgos pobres, cavaleiros mais humildes que representavam

187 História do Teatro em Portugal (Séc. XVIII) – António José da Silva (O Judeu) no Palco Joanino, p. 21. 188 Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa, p. 91.

grande parte da sociedade cortesã europeia que, arruinados e sempre saudosos dos tempos em que as benesses da vida lhes sorriam, constituíam uma classe atavicamente ligada ao passado, profundamen- te conservadora.189

Note-se que a figura do fidalgo empobrecido foi aproveitada pelo teatro, sendo frequente- mente ridicularizado o seu comportamento desajustado, uma vez que raramente assumia a falta de recursos, fazendo passar a imagem de alguém bem sucedido. Deste assunto daremos conta em detalhe na segunda parte da dissertação.

O clero é, no século XVIII, o grupo social com mais regalias e poder. Constitui um corpo à parte, pois detém a sua própria hierarquia, sem depender de nenhum poder, exceto daquele que a Santa Sé, por direito, exerce.

Destacam-se dois grupos fundamentais bastante assimétricos: o alto clero, que vivia próxi- mo do rei e detinha o controlo sobre o ensino em Portugal; o baixo clero, que habitava a provín- cia e se dedicava à agricultura para poder sobreviver. Por ser a classe social com mais prestígio, «[d]esde o mais modesto camponês ao mais orgulhoso fidalgo, todos queriam que os seus filhos envergassem uma dignidade eclesiástica, regular ou secular.»190. À semelhança do que aconteceu com a nobreza, também o clero sofreu um ataque consistente aos seus direitos e poderes, sobre- tudo no que diz respeito à harmonia que, durante longo período, se verificou entre o poder tem- poral e o espiritual. Foi o governo do Marquês de Pombal que, socorrendo-se dos preceitos con- sagrados pelas Luzes, fez submeter os princípios normativos da Igreja, fundados nos pressupos- tos bíblicos que, durante séculos, moldaram as sociedades ocidentais, à nova visão mais racional do papel desempenhado por cada um dos atores sociais, a que não será alheia a reestruturação da Inquisição, que se torna num tribunal dependente do Estado. A memorável expulsão dos Jesuítas, ocorrida, como vimos, em 1759, contribuiu igualmente para «libertar o saber das amarras de uma religião que não se renovava e cujos representantes tinham procedimentos que em nada abona- vam os princípios que diziam defender.»191. Por isso, «[o] Santo Ofício – arma essencial do clero

em todos os domínios da vida nacional – constituía a vergonha do Portugal setecentista que Pombal não admitia manter.»192.

A burguesia, juntamente com o povo em geral, é a classe social mais bem retratada nos folhetos de cordel que pretendemos estudar.

Oriunda do povo, a burguesia começou a fazer-se notar a partir do momento em que decidiu apropriar-se das funções até então detidas pela nobreza, sobretudo no que diz respeito à atividade mercantil, pois «o burguês é um homem de números, da prática, da experiência, da razoabilida-

189 História do Teatro em Portugal (Séc.

XVIII) – António José da Silva (O Judeu) no Palco Joanino, p. 27.

190 Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa, p. 47. 191 Idem, p. 48.

de.»193. No entanto, se compararmos o desenvolvimento burguês nacional com o estrangeiro, podemos concluir que aquele não foi capaz de adquirir o poder e prestígio que os restantes euro- peus conseguiram graças a uma concorrência acérrima ao nível mercantil. Faltará à nossa bur- guesia o espírito empreendedor, uma vez que os lucros obtidos eram maioritariamente investidos no imobiliário. Para além disso, a perseguição levada a cabo pela Inquisição aos judeus burgue- ses obrigou-os a estabelecer-se no estrangeiro, contribuindo ali para um progresso económico cada vez mais surpreendente. Por isso, as reformas pombalinas passaram também por incentivar os burgueses nacionais a investirem mais nos seus negócios, a fim de se conseguir, em Portugal, o sucesso observado nos outros países: o comércio passa a ser uma «profissão nobre, necessária e lucrativa»194. Como consequência desse poder económico cada vez mais sólido, «a burguesia que

nele pontificava podia marcar presença no aparelho de Estado, em especial em setores adminis- trativos onde os técnicos habilitados com formação específica se tornavam indispensáveis às exi- gências de uma complexa máquina burocrática cada vez mais pesada.»195. Assistimos assim à

transferência dos poderes tradicionalmente concedidos à nobreza para as mãos da burguesia, que agora tem capacidade para influenciar o governo do país. O casamento com membros de classes superiores contribuiu igualmente para a ascensão social da burguesia, cada vez mais importante na sociedade portuguesa. Apesar de não ser prática corrente, esta «miscigenação social»196 está

bem representada nos folhetos de cordel, como intentaremos demonstrar na segunda parte do tra- balho que agora iniciamos.

Em síntese, poderemos, para os finais de Setecentos, traçar o seguinte quadro social:

[A] grande burguesia nacional-capitalista localizada nas cidades de Lisboa e Porto, associava-se à pequena burguesia mercantil que, detendo alguma participação no tráfico ultramarino, dominava

sobretudo o grosso do comércio metropolitano.197

Em termos culturais, as alterações – significativas – prendem-se com o facto «de as portas do Paço serem franqueadas à mentalidade burguesa, circunstância para a qual, aliás, os “estran- geirados” já antes tinham dado o seu contributo servindo a Coroa no tempo de D. João V.»198. Será também esta burguesia o principal destinatário dos autores dramáticos franceses e italianos que até nós chegaram no século XVIII, como veremos. Para já interessar-nos-á reter a ideia de que esta era uma «nova burguesia ascendente, sempre insatisfeita com o seu estatuto, mas também

193 «O tempo e o espaço – eixos histórico-geográficos do movimento neoclássico português», in História

da Literatura Portuguesa, vol. 3, p. 278.

194 A. H. de Oliveira M

ARQUES, História de Portugal, vol. I, Lisboa, Ágora, 1973, p. 540.

195 Maria João ALMEIDA, O Teatro de Goldoni no Portugal de Setecentos, Lisboa, Imprensa Nacional-

-Casa da Moeda, 2007, p. 146.

196 Expressão utilizada por George R

UDÉ, na obra A Europa no Século XVIII – A Aristocracia e o Desafio Burguês, p. 131.

197 Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa, p. 51. 198 O Teatro de Goldoni no Portugal de Setecentos, p. 147.

sempre bem consciente de que é uma classe-tampão: não desejando comungar dos gostos das classes mais baixas, secretamente aspirava ao confronto com uma aristocracia cada vez mais decadente.»199.

Apesar de tudo, a burguesia nacional foi pouco empreendedora, como vimos, e nunca se assumiu verdadeiramente como uma classe autónoma.

O povo – «categoria social tão fácil de rotular como difícil de definir»200 – constituía o gru-

po social mais numeroso e era, por isso, o responsável pelo real funcionamento do país, execu- tando um elevado número de tarefas preteridas pelas restantes classes. Para além disso, eram os seus impostos que financiavam a pesada máquina do Estado.

É comum distinguir-se dois grupos fundamentais: o mais numeroso, composto pelos campo- neses, e outro, gozando de maior autonomia, de que fazem parte os artífices, os pescadores e aqueles que se dedicavam ao transporte de bens, destacando-se os primeiros por serem os mais unidos e empreendedores. Podemos contar ainda com um significativo número de pessoas, mor- mente do sexo masculino, que viviam numa situação de pobreza extrema, sem recursos para suprir as necessidades da família. Por isso, com frequência, abandonam os lares e partem à pro- cura de melhores condições de vida. A maior parte delas acaba por não regressar, deteriorando os laços familiares que haviam construído. Estudiosos201 desta errância afirmam que também famí-

lias inteiras vagueavam sem destino definido. Esta realidade era notória, sobretudo na etnia ciga- na, como veremos adiante.

Na cidade, mormente em Lisboa, o povo constituía «uma mescla humana»202 dada a diversi-

dade de ocupações a que se dedicava. Havia, no entanto, um grupo que se destacava pela sua mobilidade: trata-se de estrangeiros, negros, pequenos assalariados, cuja permanência na cidade dependia das oportunidades que surgiam.

À medida que o século XIX se aproxima, assistimos, progressivamente, ao desaparecimento da tradicional divisão Clero / Nobreza / Povo, que vai dando lugar a uma bipartição que colocará, agora, as elites em oposição às massas.

Voltemos à situação da capital portuguesa em Setecentos. Acreditando nas palavras de mui- tos estrangeiros que, nos seus relatos de viagens203, consideravam a baixa lisboeta digna de dó,

199 História do Teatro em Portugal (Séc. XVIII) – António José da Silva (O Judeu) no Palco Joanino,

p. 142.

200 Idem, p. 120.

201 Ver, por exemplo, Raffaella S

ARTI, na obra Casa e Família – Habitar, Comer e Vestir na Europa Moderna, Lisboa, Editorial Estampa, 2001.

202 História do Teatro em Portugal (Séc. XVIII) – António José da Silva (O Judeu) no Palco Joanino, p. 32. 203

Os principais autores de livros de viagens sobre Portugal foram Giuseppe BARETTI, A Journey from London to Genoa, through England, Portugal, Spain and France, London, Printed for T. Davies… and L. Davis, 1770, e «Cartas de Portugal», Separata da Revista da Universidade de Coimbra, vol. XXI, Coimbra, 1970; William BECKFORD, Diário de William Beckford em Portugal e Espanha, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1988; Italy: with Sketches of Spain and Portugal, London, Richard Bentley, 1834, e Recollection of an Excur-

vários anos após o terramoto, podemos afirmar que a destruição das principais salas de teatro de Lisboa contribuiu grandemente para aquele cenário desolador.

A literatura de viagens foi um género pouco ou nada desenvolvido em Portugal: os portu- gueses viajavam pouco204 e, para além disso, a Censura não só não permitia a publicação dessas

obras, como impedia a entrada daquelas que, sendo estrangeiras, se referiam ao nosso país. No entanto, muitos foram os estrangeiros que viajaram para a Península Ibérica com o objetivo de procurar sinais de exotismo, aproveitando para criticar a situação dos dois países marcados pelo obscurantismo imposto por um sistema político-religioso repressivo e pela consequente aversão à novidade e ao progresso. Apesar do pouco tempo que passavam entre nós e do insuficiente conhecimento das línguas peninsulares, os viajantes estrangeiros chegavam com ideias pré-

sion to the Monasteries of Alcobaça and Batalha, London, Richard Bentley… Publisher, Printed by Samuel Bentley, 1835, Marquis de BOMBELLES, Journal d’un ambassadeur de France au Portugal 1786-1788, Paris PUF, 1979; Joseph Barthélémy François CARRERE, Panorama de Lisboa no ano de 1796, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1989 (versão original: Tableau de Lisbonne em 1769, suivi de lettres écrites de Portugal sur l’état ancien et actuel de ce royaume (s.n.a.), Paris, H. J. Jansens, Imprimeur-Libraire, 1797) e Voyage en Portugal et particulièrement à Lisbonne, ou Tabelau Moral, Civil, Politique et Religieux de cette Capitale… suivi de plu- sieurs lettres sur l’état ancien et nouveau de ce royaume. Paris, chez Déterville, 1798; Duc du CHATELET, Re-