Bursztyn & Oliveira (1982), analisando a experiência no gerenciamento de recursos hídricos de sete países (França, Inglaterra e País de Gales, Hungria, Japão, Países Baixos, Repúbica Federal da Alemanha e Estados Unidos da América), relatam que, embora cada país tenha tido etapas distintas na evolução do gerenciamento de seus recursos hídricos, foram identificadas três fases que são comuns a todos. Na primeira fase, as disponibilidades hídricas superam as demandas da região e o gerenciamento se concentra nos eventos críticos. Na segunda fase, surgem problemas entre oferta e demanda hídrica, em função do desenvolvimento industrial, irrigação e crescimento populacional, sendo necessárias obras de infra-estrutura hídrica de porte, a fim de atender às demandas, e detectando-se problemas de qualidade da água devido ao lançamento de efluentes nos cursos d’água. A terceira fase, caracterizada por um desenvolvimento industrial, agrícola e urbano bem maior que as fases anteriores, apresenta problemas sérios de poluição hídrica, inclusive de restrição de uso da água devido à qualidade. Nessa fase, a limitação de oferta hídrica implica em perdas econômicas significativas para as atividades industriais e agrícolas, sendo necessário definir usos prioritários para a água. Em geral, é nessa fase que os governantes percebem a necessidade de planejamento do uso dos recursos hídricos.
Bourlon & Berthon (1997) apresentam as principais características de gestão de recursos hídricos em países da Europa, conforme mostram as tabelas 3.1 e 3.2. Na tabela 3.1, a segunda coluna indica a forma de atuação com maior ou menor descentralização e participação dos usuários no gerenciamento: enfoque regulamentado (de cima para baixo) e enfoque negociado (de baixo para cima).
Tabela 3.1 – Gerenciamento da água da Europa.
Enfoque de gerenciamento País
Fortemente regulamentado cima para
baixo Áustria, Bélgica, Suécia
Regulamentado ×Ø Dinamarca, Finlândia, Irlanda, Luxemburgo
Intermediário ×Ø Alemanha, Reinado Unido, Itália, Grécia
Negociado ×Ø Portugal
Fortemente negociado baixo para
cima Espanha, França, Países-Baixos
Tabela 3.2 – Sistemas de gestão da água na Europa.
País Coordenação Administrativa
Planejamento por bacias como unidade
de planejamento (incluindo usos dos
solos)
Participação dos usuários (Comitês)
Contribuições por uso da água
Agências de bacia
Alemanha* Sim Não Consultivos(2) Estado Não
Áustria* Sim Não Não Não Não
Bélgica* Não Não Não Não Não
Dinamarca Sim Não Não Estado(3) Não
Espanha Sim(1) Sim Deliberativos Sim Sim(5)
Finlândia Sim Não Não Projeto Não
França Sim(1) Sim Deliberativos Sim(4) Sim
Grécia Sim(1) Sim Projeto Não Não
Irlanda Sim(1) Não Não Projeto Não
Itália Não Sim Não Projeto Projeto
Luxemburgo Sim(1) Sim Não Não Não
Paises Baixos Sim Sim Deliberativos Sim Sim(6)
Portugal Sim(1) Sim Projeto Projeto Projeto
Reino Unido Sim Sim Consultivos Não Técnicas
Suécia Sim(1) Não Não Não Não
Notas: (*) Estrutura federativa. (1) Comitês nacionais, conselhos interministeriais da água. (2) Sindicatos cooperativos do Rhur. (3) Limitadas. (4) 1 bilhão de US$ em 1996. (5) Confederações hidrográficas (agências financeiras). (6) Microbacias
Fonte: BOURLON & BERTHON (1997).
Para avaliar a experiência internacional no planejamento de recursos hídricos, buscando contribuições ao tema no Brasil, objetivou-se selecionar países que guardassem um grau de semelhança física e/ou institucionais, relativas aos recursos hídricos com o nosso país. Além disso, um aspecto fundamental é a adoção da bacia como unidade de planejamento, como ocorre no Brasil.
A inclusão da França entre os países estudados foi impreterível, tanto pela relevância de sua experiência mundialmente reconhecida na área, quanto pelo fato de ter
inspirado o modelo de gestão de recursos hídricos brasileiro. Também foram consideradas características climáticas semelhantes ao Brasil, tais como a existência de semi-árido, o que ocorre na Espanha e Portugal.
Quanto aos aspectos institucionais, dois países selecionados apresentam instituições financeiras, por bacia: na França, as Agências de Bacia e na Espanha, as Confederações Hidrográficas. Portugal possui os Conselhos de Bacia com atuação nas bacias hidrográficas, porém sem exercer o papel financeiro como ocorre na França e Espanha. Todos os três países selecionados possuem Comitês Nacionais e Conselhos Interministeriais da Água. Verifica-se também a existência de comitês de bacias, que contam com a participação dos usuários da água. Nesse sentido, esses países têm enfoques de gerenciamento negociado (Portugal) e fortemente negociado (Espanha e França).
A tabela 3.3 apresenta características básicas dos três países selecionados e do Brasil e a figura 3.1 ilustra a localização dos referidos países. É importante lembrar que, apesar da disponibilidade hídrica per capita média do Brasil ser bastante superior aos demais países estudados, este valor não reflete realmente a situação do país, conforme apresentado no capítulo 5 deste trabalho.
Tabela 3.3 - Características dos países estudados.
País Área
(km2)
População (hab)
Disponibilidade Hídrica
m3/hab/ano Tipo de Governo
Brasil 8.532.772(**) 182.032.604 33.376(**) República Federativa
Portugal 92.391 10.102.022 6.100(*) Democracia parlamentar
Espanha 504.782 40.217.413 2.900(*) Monarquia parlamentar
França 547.030 60.180.529 3.600(*) República
Nota: A área da França inclui apenas a França metropolitana, excluindo as divisões administrativas além- mar.
Fonte: CIA WORLD FACTBOOK (2003); exceto dados indicados por (*), obtidos de BARRAQUÉ (2000); (**) obtidos de ANA (2005a).
O Apêndice A apresenta a caracterização geopolítica e uma descrição detalhada sobre a legislação relativa a recursos hídricos, o sistema de gerenciamento de recursos hídricos e os instrumentos de planejamento dos países selecionados.
A escolha de três países que são Estados-membros da União Européia induziu à análise da norma de procedimentos relativa aos planos de recursos hídricos da Comunidade Européia, a Diretiva Quadro da Água – DQA, que foi transposta para o direito interno dos países estudados. O Apêndice A apresenta os principais aspectos tratados na DQA sobre os planos de bacia hidrográfica, entre eles o conteúdo dos
planos, a competência para elaboração, os prazos estabelecidos para elaboração e atualização dos planos.
Fonte: GOOGLE EARTH (2006).
Figura 3.1 – Países selecionados para avaliação da experiência internacional: França, Espanha e Portugal.