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CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO SURGIMENTO DE ESPAÇOS

Os conselhos enquanto instâncias colegiais seguem uma tradição histórica muito longa porquanto a sua existência parece remontar ao mundo clássico antigo, particularmente à evidência empírica constatada na Grécia antiga através do debate sobre as formas do Governo, desenvolvido, essencialmente, por clássicos como Platão e Aristóteles.

A colocação de diferentes formas de Governo prevalecentes nas diversas polis gregas, nomeadamente, a Aristocracia, Oligarquia, Democracia, Monarquia, Tirania, etc., aponta para a diferenciação no modo como se dá o exercício de steering política da cidade. Assim, a existência de Governos nos quais a tomada da decisão esteja vinculada a um grupo de cidadãos que, reunidos em colegiado, discutem e analisam conjuntamente as questões, parecem estar já presentes em Governos subjacentes aos regimes aristocráticos, democráticos ou oligárquicos.

Em contraste, nos regimes como a monarquia ou tirania no âmbito dos quais o Governo é marcado pela dominação de um só, as decisões sobre questões de importante interesse do Estado não parecem resultar de formas colegiais do exercício do poder. Neste âmbito, o surgimento dos conselhos e o seu desenvolvimento ao longo do tempo inscreve-se, historicamente, em uma perspectiva de limitação do poder monocrático do soberano ou de um só sobre os demais cidadãos que segundo Weber (2004) tanto pode se dar através de meios tradicionais quanto através de mecanismos racionais-legais.

Por outro lado, a literatura sociológica e politológica contemporânea evidencia que o surgimento do moderno sentido de colegiado está associado ao desenvolvimento de formas de dominação de cunho racional-legal em cujo traço característico encontra expressão na emergência do modelo burocrático de organização do Estado.

conselhos é produto de um maior grau de complexificação administrativa cuja expressão se encontra na crescente burocratização do aparelho estatal e da sociedade em geral e não nos modelos tradicionais da política como são os casos dos modelos patrimonial e feudal:

De acordo com as suas palavras, o surgimento dessas autoridades colegiadas tem a ver com:

A crescente ampliação qualitativa das tarefas administrativas e, com isso, da indispensabilidade do conhecimento especial, produz-se, por isso, de forma muito típica, o fenômeno de que não basta ao senhor a consulta ocasional de alguns homens de confiança provados ou de uma assembleia convocada de forma intermitente em situações difíceis, passando este a rodear-se – os “conselheiros áulicos” são um característico fenômeno de transição – de corporações permanentemente reunidas que discutem e decidem de forma colegial (conseil d`état, diretório geral, gabinete, etc.) (WEBER, 2004, p. 227).

Max Weber realça ainda que este tipo de autoridade colegial é, no entanto, uma forma típica da qual o soberano se aproveita do conhecimento especial dos especialistas em diversas matérias, e ao mesmo tempo procura defender-se do poder crescente deste conhecimento e manter sua dominação (WEBER, 2004, p. 228). Deste modo, o princípio subjacente às instâncias colegiadas como essas (conselhos) é o de tomada de decisão mediante discussão e debate de pelo menos parte de seus membros ou representantes reunidos no conselho e cuja autoridade se revela como semelhante.

Nesta perspectiva, Weber (2004) distingue vários sentidos ou modalidades de instâncias colegiadas cujas características podem ser, perfeitamente, enquadradas na abordagem moderna dos conselhos enquanto órgãos institucionais de carácter público e de divisão de poder entre os seus diversos membros.

Todavia, o que mais interessa aos propósitos desta tese é a sua colocação dessas instâncias enquanto “formação colegiada da vontade” significando, pois que a tomada de uma decisão se dá pela participação dos seus membros, seja através do princípio majoritário, seja pelo princípio da unanimidade (GONZÁLEZ, 2000, p. 96).

De acordo com Weber (2004, pp. 228-229) essa modalidade de colegialidade pode ser dividida em três tipos diferentes quais sejam: a) colegialidade da direção suprema envolvendo a própria soberania e que terá nascido na base da especialização racional e do domínio do conhecimento especializado; b) colegialidade de cargos executivos que seriam aqueles que teriam por função a execução de tarefas administrativas do Estado; c) colegialidade de cargos

consultivos cuja função consiste no aconselhamento ou na emissão de pareceres às entidades governamentais quando estes os solicitam e, d) colegialidade controladora (conselho fiscal) existentes nas burocracias da economia privada e que tem como função o controle do crédito à economia e que de modo algum ocupam apenas uma posição consultiva, mas frequentemente controladora e, de fato, dominante.

Na esteira dessas distinções, a consideração dos conselhos nesta tese pode ser enquadrada no segundo e terceiro tipos de colegialidade proposto por Weber visto que se trata de órgãos públicos que se revestem tanto de funções consultivas quanto deliberativas ou executivas. Assim, o CCS, o CNS e a CNDHC se colocariam como órgãos que possibilitariam a intermediação de interesses entre representantes da sociedade civil organizada e do Estado através do debate e da discussão dos temas que interessem ambas as partes.

Assim, o debate atualmente travado em torno da democratização do Estado parte da constatação de que os órgãos convencionais da democracia representativa, como as assembleias nacionais, vêm se manifestando, cada vez mais, incapazes ou impotentes perante a crescente demanda de políticas públicas para os diversos grupos sociais. Nesta lógica, os Estados têm deparado com a necessidade crescente de se recorrer a espaços colegiados como os conselhos no sentido de fazer a necessária intermediação dos interesses divergentes que existem na sociedade e com isso obter uma resposta mais atempada às diversas reivindicações veiculadas pela sociedade.

Portanto, essas instâncias colegiadas, historicamente associadas ao surgimento de formas de dominação, especificamente, a dominação do tipo racional-legal não pretendem esvaziar o legislativo enquanto centro por excelência de produção de leis, de programas sociais e de intermediação de interesses divergentes, mas, como afirma Bendix (1996, p. 166), pretendem tão somente auxiliar os governantes ou administradores públicos no exercício do seu papel de mediação que antes pertencia ao legislativo.

2.2 CONCEITO DE CONSELHOS DE CONTROLE DE POLÍTICAS PÚBLICAS