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Com a decadência do modelo clássico e o consequente desaparecimento da democracia a partir de 338 a.C devido a hegemonia macedônica que impõe uma reforma oligárquica (GONZÁLEZ, 2000, p. 33), a tradição democrática só veio a restabelecer-se a partir dos finais do séc. XVIII e início do séc. XIX respectivamente (MACPHERSON, 1997, p. 20).

Contudo, apesar desse longo período de mais de dois mil anos de ausência da completa democracia, não se pode considerar que não terá havido repetidas visões democráticas, defensores da democracia e, inclusive, alguns aspetos empíricos da democracia. Todavia, como salienta Macpherson, estes aspetos empíricos até os séculos XVIII e XIX nunca terão abarcado a totalidade da comunidade política (Ibidem).

Assim, a partir desse período (sécs. XVIII e XIX) e após várias controvérsias2 a r espeito da democracia, surge um novo modelo que marca a ruptura com o anterior modelo desenvolvido durante o período áureo da Grécia antiga. Esse modelo – enquanto construção teórica destinada a explicar as relações reais – configura aquilo que a literatura especializada apelida de democracia representativa (BOBBIO, 2006; HELD, 2006, MACPHERSON, 1997; MANIN, 2001).

Contrariamente ao modelo clássico de exercício direto da democracia, a democracia representativa pode ser, de acordo com Bobbio, genericamente entendida como uma construção teórica na qual “as deliberações coletivas, isto é, as deliberações que dizem respeito à coletividade inteira, são tomadas não diretamente por aqueles que dela fazem parte, mas por pessoas eleitas para esta finalidade” (BOBBIO, 2006, p. 56).

Dada esta conceituação, pode-se ver que uma das características basilares deste modelo radica na delegação do poder aos representantes eleitos por sufrágio universal em eleições periódicas, livres, transparentes e democráticas.

2 Durante os séculos XVIII e XIX assistiram-se a grandes controvérsias em relação ao modelo ateniense de

exercício direto da democracia levando a certa confusão a respeito da própria conceituação da democracia. Este fato levou a que autores como James Madison optassem pelo qualificativo de República para os modelos que propunham.

Nesta linha, toma-se como conceito de representação aquele proposto por Bobbio no qual considera como representativo um sistema em que é possível descortinar duas características centrais e bem distintas no representante: a primeira característica diz respeito à confiança do eleitorado no representante enquanto que a segunda se refere à representação do interesse geral.

Assim, uma vez que o eleitor deposita sua confiança no eleito para assumir um cargo público, ele não se apresenta mais como responsável perante os próprios eleitores na medida em que o seu mandato não é revogável ou imperativo. Na mesma linha, a segunda característica essencial de um sistema representativo e que complementa a primeira, tem a ver, segundo Bobbio, com o fato de o representante não ser mais responsável diretamente perante os seus eleitores exatamente porque passa a tutelar os interesses gerais da sociedade civil e não os interesses particulares desta ou daquela categoria (Idem, 2006, pp. 59-60).

Neste sentido, os representantes apresentam-se, nos sistemas modernos como fiduciários e não como delegados, uma vez que assumem os cargos públicos para representarem os interesses gerais de todos os cidadãos e não os interesses particulares desta ou daquela categoria profissional.

Nesta perspectiva, a democracia representativa assenta o ideal da sua argumentação no pressuposto de que os cidadãos não podem nem devem tomar decisões políticas diretamente como aconteciam durante o período clássico, mas antes devem indicar, por intermédio do voto em eleições periódicas, quem vai tomar as decisões por eles. Um dos expoentes máximos dessa visão terá sido Schumpeter (1961) que na sua clássica obra intitulada Capitalismo, Socialismo e Democracia terá rejeitado a visão normativa e idealista da democracia prevalecente durante a época clássica e optado por uma perspectiva mais realista e empírica da democracia prevalecente a partir do reestabelecimento democrático nos séculos XVIII e XIX.

Assim, Schumpeter (1961) afirma que a democracia deve abandonar todo e qualquer argumento de cunho normativo e idealista e assentar sua base naquilo que realmente acontece na práxis democrática e que tem a ver com o método do modelo democrático. Tal método observa Schumpeter, se afigura mais como a seleção de elites

para cargos públicos através da competição pelo voto das massas. Nas suas palavras, o método democrático consiste num: “sistema institucional, para a tomada de decisões políticas, no qual o indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos do eleitor” (SCHUMPETER, 1961, p. 321).

Deste modo, a definição da democracia por ele avançada distancia grandemente daquela proposta pela doutrina clássica que a considera como o governo do povo, para considerá-la apenas como um método no qual o povo dispõe de “oportunidade de aceitar ou recusar aqueles que o governarão” (Ibidem). Nesta linha, Schumpeter entende que uma das características centrais da sua definição seria considerar a democracia como o governo dos políticos e não do povo como propugna a teoria clássica.

De acordo com o seu conceito, a definição clássica do que seria democracia e que esbarra no “governo do povo” apresenta-se como irrealista (SCHUMPETER, 1961, p. 324) não correspondendo, portanto, àquilo que realmente acontece na prática. Para ele, o povo não decide casos e muito menos escolhe com independência os membros do parlamento (Idem, p. 336). Na sua teoria, o papel do povo afigura-se mais como o de “formar um governo, ou corpo intermediário, que, por seu turno, formará o executivo nacional, ou governo” (Idem, p. 321).

Outra crítica dirigida por Schumpeter à teoria clássica tem a ver com o fato de aquela teoria atribuir ao povo uma “opinião definida e racional sobre todas as questões e que manifesta essa opinião numa – democracia – pela escolha de representantes que se encarregam de sua execução” (Ibidem).

Do nosso ponto de vista, a motivação para essa crítica prende-se com o fato dele considerar o povo ou a massa como irracional e, assim sendo, a massa não pode ter uma decisão racional sobre todos os assuntos que lhe dizem respeito. Pelo contrário, ele assegura que, de uma forma geral, as decisões coletivas estão sujeitas à irracionalidade uma vez que os interesses são diversos e uma maioria pode, em detrimento de todo o povo, decidir em favor do seu próprio interesse.

O excerto seguinte ilustra bem a irracionalidade associada aos movimentos coletivos e às decisões tomadas pela maioria:

Quem quer que aceite a doutrina clássica da democracia e, em consequência, acredite que o método democrático deve permitir que os assuntos fossem decididos e a política formulada de acordo com a vontade do povo, não pode negar que, mesmo que essa vontade fosse inegavelmente real e definida, a decisão por simples maioria em muitos casos deturparia e jamais executaria esses desejos (Idem, p. 325).

Assim sendo, Schumpeter (1961) propõe que se inverta a ordem da equação na qual, no modelo clássico, o poder de decisão do povo aparece como supremo em relação à seleção dos representantes para os cargos públicos. Nesta perspectiva, e considerando a sua teoria, o papel dos eleitorados nas tomadas de decisões políticas se revela como secundário face ao dos representantes que passariam a tomar as decisões políticas.

Não obstante o enorme contributo de Schumpeter para o desenvolvimento da democracia representativa, o princípio representativo do governo, tal como sustenta Macpherson (1997), pode ser encontrado na teoria utilitarista desenvolvida durante o século XIX pelos liberais Jeremy Bentham e James Mill. Essa teoria está na origem daquilo que Macpherson (1997) e Held (2006) designam de modelo de “democracia protetora” uma vez que a preocupação central se incidia sobre a proteção do indivíduo e a promoção da maior felicidade para o maior número possível indivíduo.

Assim, o liberalismo do qual Bentham e James Mill terão sido os primeiros expoentes, representa a base da moderna concepção da democracia fundamentada em uma sociedade industrial moderna no âmbito da qual a sociedade dividida em classes não era mais objeto de rejeição, mas antes de reconhecimento e aceitação (MACPHERSON, 1997, p. 20).

Neste sentido, a tarefa fundamental da democracia era a de desenvolver um modelo democrático que fosse capaz de se adaptar a essa sociedade cada vez mais complexa e diferenciada. Nesta perspectiva, o princípio do sufrágio universal bem como da sua extensão e a norma “um homem, um voto” não significavam mais um perigo para a propriedade privada, e nem para a manutenção da sociedade dividida em classes (Idem, p. 21).

À semelhança de Schumpeter, teóricos da democracia como Dahl (2001) inserem-se na linha dos que defendem a forma representativa da democracia por considerarem que em tal sociedade (industrial) o modo mais adequado do exercício do poder governamental

seria através de representantes eleitos em sufrágio universal livre e transparente.

Semelhante ideia é aquela defendida por Mill (1980), em que partindo da crítica feita ao modelo clássico de participação direta, afirma que, nas condições modernas, uma política idealmente boa é aquela que corresponde ao sistema da democracia representativa no âmbito do qual o povo exerce, através de deputados periodicamente eleitos, o controle do poder.

Neste sentido, a competição entre as elites políticas para a chegada a cargos públicos através da tecnologia eleitoral (voto) aparece como uma das características distintivas desse modelo, gerando, assim, o que a literatura especializada chama de “elitismo competitivo” (HELD, 2006; GONZÁLEZ, 1992; MACPHERSON, 1997).

Esse modelo, embora melhor sistematizado e desenvolvido por Schumpeter (1961) na sua maior e mais popular obra da qual acima fizemos referência, tem a sua gênese em Weber (1974 e 1984) quando realça o fato da estrutura governamental ser cada vez mais dominada pela ação racional e pela crescente burocratização. Em suas considerações sobre os governos, Weber (1984) afirma ainda que as leis e os procedimentos seriam instrumentos de legitimação do exercício do poder e que esse exercício teria como complemento os partidos e os parlamentos enquanto órgãos políticos por excelência.

Não obstante, a prevalência da dominação racional e burocrática no aparelho do Estado, ele observa que a seleção das lideranças político-governamentais vem sendo, cada vez mais, dominada pelas características da ação carismática de determinadas lideranças políticas. Neste sentido, estaríamos, segundo ele, perante uma democracia plebiscitária no âmbito da qual se assiste à escolha plebiscitária de líderes carismáticos a cargos de direção política antecipando, deste modo, o que mais tarde viria a ser chamado de modelo de elitismo competitivo (GONZÁLEZ, 1992; HELD, 2006; MACPHERSON, 1997).

Todavia, Dahl (2001) terá sido um daqueles que em um dos seus vários trabalhos, intitulado sobre a democracia, apresentou uma séria de características ou instituições políticas da moderna democracia representativa e, consequentemente, de uma democracia

de grande escala.

Segundo ele, essas características estariam muito distantes daquelas que correspondiam aos critérios democráticos ideais pelas razões práticas que caracterizam a moderna sociedade industrial e da qual os fatores geográficos e físicos aludidos por Mill (1951), além do problema colocado pelo grande número populacional, parecem limitar a materialização prática do ideal democrático inventado e desenvolvido pelos gregos. Assim, Dahl (2001, pp. 99-105) apresenta no seu trabalho, sobre a democracia, um conjunto de seis (6) instituições políticas, que a seu ver, concorrem para caracterizar, de modo realista, uma democracia de grande escala:

TABELA 3: INSTITUIÇÕES POLÍTICAS DA MODERNA DEMOCRACIA

REPRESENTATIVA SEGUNDO DAHL

Instituições Políticas Definições

1. Funcionários eleitos Significando que o controle das decisões políticas do governo – investido constitucionalmente, é feito pelos oficiais eleitos pelos cidadãos.

2. Eleições justas, livres e frequentes.

Refere-se à ideia de que os funcionários eleitos a cargos de direção e controle políticos são escolhidos em eleições livres, frequentes e justas sem a existência de coerção ou que ela é relativamente incomum.

3. Liberdade de expressão

Dizem respeito aos direitos de expressão dos cidadãos sem correrem sérios riscos de punição em questões políticas amplamente defendidas por eles, incluindo a crítica aos funcionários, ao governo, ao regime, à ordem socioeconômica e a ideologia prevalecente.

4. Fontes de informação diversificadas

Consiste no direito à procura de fontes alternativas de informação e independentes de outros cidadãos, especialmente, jornais, revistas, livros, telecomunicações e afins.

5. Autonomia para as associações

Refere-se ao direito de formação de associações ou organizações

relativamente independentes, quais sejam os partidos políticos e outros grupos de interesses.

6. Cidadania inclusiva Consiste no direito de todo o adulto com residência permanente no país, verem garantidos e salvaguardados os cinco direitos precedentes, bem como o direito de ter acesso a outras liberdades e oportunidades que sejam necessárias para o bom funcionamento das instituições políticas da democracia em grande escala. FONTE: Dahl, Robert. Sobre a Democracia, Editora Universidade de Brasília, Brasília, 2001, pp. 99-100.

Estas instituições que, segundo ele, somente se consolidaram a partir do século XX, pesem embora as primeiras cinco tivessem sido já consolidadas durante os séculos XVIII

e XIX, inscrevem-se naquilo que Dahl (1972) convencionou chamar-se de Polyarchy por entender que o termo seria uma boa maneira para usar como referência a uma democracia representativa moderna.

Neste sentido, ele pontua que um sistema assim denominado de “democracia poliárquica” teria como principais elementos constitutivos a participação/inclusão e a oposição no âmbito do qual estariam garantidos a todos os membros da comunidade os direitos políticos e as liberdades civis.

Deste modo, a participação aponta para o fato de o sistema fornecer a todos os cidadãos adultos e residentes num dado país a possibilidade de poder eleger ou ser eleito a cargos de direção política enquanto a oposição aponta para a necessidade do sistema garantir a todos a liberdade de expressão, de reunião, de manifestação, de formação de partidos políticos e de contestação livre aos oficiais eleitos bem como ao regime e às ideologias prevalecentes no sistema.

Assim, Dahl (1997) parece pretender impedir o exercício autoritário do poder por parte dos oficiais eleitos e assim evitar que haja a tirania quer da maioria parlamentar no poder, quer da minoria que se encontra em situação de oposição. Neste sentido, a dispersão do poder apresenta-se como um dos elementos chaves na teoria dahliana e, consequentemente, como uma das características centrais da moderna democracia representativa.

Aliás, Dahl (1984) na sua obra A Preface to Democratic Theory apresenta, com base nos trabalhos desenvolvidos por Madison em os “Federalist Papers”, como primeiro modelo da democracia moderna aquilo que ele designa de “democracia madisoniana” no âmbito da qual o objetivo seria, precisamente, o de “impedir o domínio da maioria sobre a minoria e, assim, evitar o poder destrutivo das facções” (GONZÁLEZ, 2000, p. 37).

Por outro lado, a Poliarquia de Dahl (1997) busca efetivar esse objetivo madisoniano uma vez que ela se refere à dispersão do poder e do controle da política. A partir do estudo empírico realizado entre 1955 e 1960 em New Haven (DAHL, 1989), ele constata que nenhum indivíduo ou grupo de indivíduos detinham o controle de todas as decisões políticas.

De fato, nas três áreas estudadas (educação pública, requalificação urbana e nomeação política), ele constata que a influência nas decisões ou o controle da política recaiu sobre diferentes atores e nunca em um único ator ou grupo de indivíduos. Com isso, ele verificou que nesse caso não há o domínio da maioria sobre a minoria nem o perigo do poder destrutivo das facções porque ninguém controla toda a política ou todos os recursos do poder.

Assim sendo, parece não restar dúvidas de que uma das precondições para o modelo de democracia poliárquica proposta por Dahl seria a existência de uma sociedade pluralista como, por exemplo, aquela que ele observou em New Haven na qual terá havido uma evolução no sistema político desta cidade em que deixa de ser oligárquico e passa a ser caracterizado por muitos centros do poder, ou seja, por uma poliarquia.

Além de uma sociedade pluralista, ele aponta ainda como precondição básica para a existência da poliarquia, a necessidade de um acordo ou entendimento sobre questões básicas e sobre o método de competição política, a possibilidade de emergência e circulação de novos líderes e de uma sociedade onde as desigualdades de renda e riqueza sejam limitadas e onde exista considerável grau de segurança psicológica (GONZÁLEZ, 2010, p. 49).

Com os estudos empíricos desenvolvidos no âmbito da política – desde o primeiro desenvolvido na cidade de New Haven, bem como os desenvolvidos em A Poliarquia e no Prefácio à teoria democrática – Dahl fica conhecido como aquele que vincula diretamente o pluralismo à Ciência Política e como o pai do pluralismo político, embora não tenha sido o primeiro a fazer uma abordagem ao tema do pluralismo3.

De igual modo, Dahl pode ser também considerado como o fundador do modelo pluralista da democracia cujo desenvolvimento se baseia na dispersão das desigualdades e de recursos de poder por vários indivíduos ou grupos em uma comunidade.

A nosso ver, a motivação para a formulação desta teoria parece ter sido a teoria

3

Arthur Bentley pode ser considerado como um dos primeiros a introduzir o termo pluralismo tendo em conta que já no início do século XX (1908) prognosticava como parte da política norte-americana a existência de diversos grupos de interesse.

elitista desenvolvida por teóricos como Wright Mills, Mosca, Pareto, da qual pressupõe que em toda a história houve e haverá sempre o domínio de uma pequena elite que detém o poder sobre a massa desorganizada e despojada de recursos de poder.

Como resposta aos pressupostos da teoria elitista, em especial ao trabalho desenvolvido por Wright Mills em A Elite do Poder, Dahl (1961) contrapõem com a experiência da cidade de New Haven na qual se constata uma transformação de um sistema oligárquico com domínio de poucas famílias para um sistema poliárquico caracterizado por muitos centros de poder.

Para ele, um sistema pluralista apresentaria as seguintes características:

1. Many different kinds of resources for influencing officials are available to different citizens;

2. Witch few exceptions, these resources are unequally distributed;

3. Individuals best off in their access to one kind of resources are often badly off witch respect to many others resources;

4. No one influence resource dominates all the others in all or even in most key decisions;

5. Witch some exceptions, an influence resources is effective in some issue-areas or in some specific decision but not in all;

6. Virtually no one, and certainly no group of more than a few individuals, is entirely lacking in some influence resources (DAHL, 1989, p. 228).

Portanto, tanto a teoria minimalista quanto a elitista e pluralista constituem o cerne desse modelo no qual a partir do decênio de 1960 se viu confrontado com inúmeras críticas, quer no que diz respeito aos resultados apresentados, quer no que tange a possibilidade de um envolvimento maior de cidadãos nas tomadas de decisões políticas. No tópico seguinte procederemos à sumarização dessas críticas e discutiremos as possibilidades e limites de um modelo alternativo ao representativo.

1.4 DA CRÍTICA DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA À DEMOCRACIA