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O projeto da democracia radical, inicialmente desenvolvido por Laclau e Mouffe (1985), parte de uma concepção da democracia que tem na aceitação das ideias de pluralismo e indeterminação sociais as bases para uma nova compreensão da política democrática totalmente diferente daquela desenvolvida pela concepção hegemônica da democracia representativa.

No bojo da proposição da democracia radical estaria de um lado, a necessidade de implantação dos princípios constitutivos da democracia liberal/representativa – quais sejam as promessas da igualdade e liberdade, e de outro, a sua extensão a todos os cidadãos, sobretudo os mais vulneráveis e excluídos da comunidade política (MOUFFE, 1996).

Por outro lado, essa proposta enfatiza a construção de uma nova posição hegemônica que considera o indivíduo não apenas como uma unidade de análise unitária, racional, positiva, mas como um sujeito que se encontra envolvido em múltiplas posições e relações sociais diferentes (MOUFFE, 1996). Segundo Laclau e Mouffe (1985, p. 45) nessas relações das quais se destacam as de subordinação, dominação e opressão, assiste-se, pois, a transformação da subordinação em opressão gerando, deste modo, o surgimento de antagonismos no qual a posição do sujeito subordinado é subvertida.

Assim, a perspectiva radical da democracia parte da crítica ao projeto iluminista e ao enfoque “essencialista” (MOUFFE, 1996) na análise do indivíduo que o caracteriza a partir da fundação do estado moderno para adotar uma posição que pode ser considerada como pós-moderna e pós-marxista (ARONOWITZ, 1991) tendo em conta a crítica ao racionalismo e universalismo (MOUFFE, 1996) bem como ao marxismo radical pelas limitações apresentadas.

Neste sentido, a proposta radical-democrática avançada por Laclau e Mouffe (1985), na obra Hegemony and Socialist Strategy: Towards a Radical Democratic Politics parece inserir-se numa linha de orientação marcada pela articulação das diferentes formas de resistência a essa subordinação presente no discurso democrático a partir das duas

últimas décadas do século XX gerando, assim, as condições que possibilitariam o combate contra as diferentes formas de desigualdades existentes na sociedade.

Na verdade, a democracia radical parece ter sido impulsionada com o surgimento de reivindicação de valores não materiais e de novos movimentos sociais dos anos 1980 (GONZÁLEZ, 2000, p. 72) que passaram a incorporar novas pautas como a questão dos antagonismos baseados nas identidades sociais quais sejam: o gênero, a etnia, a classe, a raça, a sexualidade, bem como questões ambientais no sentido de, através delas, construir um sistema de equivalência democrática igualitária (MOUFFE, 1996).

Para essa autora, uma proposta democrática radical teria como principal objetivo socorrer- se dos princípios democráticos estabelecidos pela tradição democrático-liberal para lutar pelo aprofundamento da revolução democrática sabendo, de antemão, que se trata de um processo interminável (MOUFFE, 1996). Do nosso ponto de vista, essa constatação advém do fato do projeto democrático-radical proposto pela autora reconhecer a impossibilidade de uma completa realização da democracia e da sua conquista final pela comunidade política.

Esse processo de revolução democrática advogada por Mouffe (1996) consistiria na superação de práticas universalistas, racionalistas e individualistas – alimentadas pela concepção hegemônica da democracia liberal/representativa – através do alargamento do espaço no qual seria possível a articulação de diferentes expressões de lutas democráticas em prol da conquista da maior autonomização das múltiplas esferas sociais.

Para isso, Laclau e Mouffe (1985) consideram que é preciso que haja um deslocamento equivalencial do imaginário igualitário através da necessidade de anulação da subordinação e das várias formas de desigualdades identitárias (raça, gênero, sexo) com vista à construção de uma identidade política comum como cidadãos democráticos radicais (MOUFFE, 1996).

Como é evidente, esse modelo teórico não propõe uma substituição da democracia liberal baseada na organização e representação competitiva da qual exige, ao menos parcialmente, uma sociedade de massa, mas propõe “buscar uma realização mais completa dos valores democráticos do que a que se pode atingir pela representação

competitiva” (FUNG & COHEN, 2007, p. 222).

Segundo Fung e Cohen (2007) a procura desses valores democráticos (igualdade, liberdade) implica considerar a proposta da democracia radical como sendo vinculada a duas linhas de orientação presentes na tradição do pensamento democrático contemporâneo e que se têm constituído em alternativas ao modelo hegemônico liberal, quais sejam: maior participação e deliberação dos cidadãos nos assuntos públicos.

Deste modo, consideramos que a primeira linha se inseriria numa lógica na qual a radicalização da democracia exprimiria a necessidade de uma ampliação da participação nas decisões públicas em que os cidadãos disporiam de uma atuação direta e relevante no processo de decisão pública ou, ao menos, de um profundo envolvimento nas questões políticas substantivas de forma a que as suas demandas sejam, efetivamente, consideradas pelos decisores públicos (FUNG & COHEN, 2007, p. 222).

Por seu turno, a segunda linha sobre a qual recai a ideia de uma política democrática radical leva em consideração a necessidade de uma política deliberativa ao invés de uma política marcada pelo poder e interesses individuais ou privados. Deste modo, a deliberação enfatiza a necessidade da abordagem aos problemas públicos através de um raciocínio público do qual não haveria força em ação, a não ser à força do melhor argumento (HABERMAS, 1975, p. 108 apud FUNG & COHEN, 2007, p. 222).

Todavia, o pensamento de Mouffe (1985) se enquadra na linha dos democratas radicais considerados como “ativistas”, pois ela preconiza um envolvimento direto e amplo dos cidadãos com as questões de natureza pública, devendo, para o efeito, ser incluídos como atores relevantes no processo político. Como defensora da vertente ativa da democracia radical, Mouffe critica a posição defendida pelos radicais deliberativos por entender que o poder e o interesse são constitutivos da política e, como tal, não haveria motivos para eliminá-los da arena política.

Tendo em conta essa divergência de posições entre democratas radicais “ativistas” e “deliberativos”, Fung e Cohen (2007) propõem uma solução que consistiria na conciliação e/ou unificação entre as duas posições gerando, assim, aquilo a que eles chamam de arranjos participativo-deliberativos.

Tais arranjos consistiriam em reunir grupos de cidadãos que, conjuntamente com administradores oficiais, participariam diretamente e deliberariam sobre problemas específicos da sua comunidade local. Assim, eles consideram que esses arranjos contribuiriam, de um lado, para a promoção da igualdade política ao aumentar o papel da mobilização popular e da deliberação nas tomadas de decisões políticas e, de outro, para a promoção do autogoverno ao sujeitar as políticas e as ações dos órgãos a uma regra de razão comum que consistiria em modificar ou transformar uma política ou decisão considerada como insensata (FUNG & COHEN, 2007, pp. 232-233).

Deste modo, no entendimento de Fung e Cohen (2007) a democracia radical alimentaria a promessa de ser uma forma singular de democracia no âmbito da qual o sistema de representação competitiva da democracia liberal e o sistema da esfera pública informal seriam transformados de modo a que se conectem com os arranjos participativo-deliberativos de resolução de problemas (Idem, p. 235).

Neste sentido, a democracia radical pode ser entendida como um modelo democrático no qual a preocupação central assenta-se na construção de um sistema hegemônico de equivalências que reconheceria a pluralidade e as diversidades de posições do sujeito – em cujas identidades se encontram em uma posição de subordinação – através da radicalização da aplicação efetiva dos princípios da igualdade e liberdade estabelecidos pela democracia liberal.

Todavia, a proposta radical apesar de teoricamente relevante tem apresentado limites no que tange à sua tradução empírica refletida na sua identificação com a mudança institucional. Assim, discutiremos no tópico seguinte o surgimento de outro modelo que se propõe atuar sobre as falhas geradas pela democracia representativa.