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6. Individualidade, linguagem e emoção como ponto de partida para

6.5 Contornos entre trabalho e escola – os jovens na corda bamba

Conforme Guimarães (2005), baseada em análise amostral representativa de uma pesquisa nacional, a juventude brasileira atribui ao elemento trabalho percepções e sentidos diversos. Concebe esta dimensão social como importante instância de suas vidas sob vários prismas (objetivos e/ou subjetivos): como provedor de necessidades materiais; como questão de direito, fundado em valores éticos; produtor de independência, crescimento ou auto realização. A pesquisa reforça ainda, a constatação clássica da relação entre baixa escolaridade e o estrangulamento de uma população trabalhadora, ou desta demanda com aspiração à empregabilidade. Os jovens já compreenderam tais exigências do mercado de trabalho, o que se verifica na ampliação significativa da matrícula no nível médio.

Meus interlocutores da pesquisa também manifestaram apreço crucial a dimensão do trabalho em suas vidas. Fica evidente a importância do trabalho na atividade escrita sobre sua vida após a conclusão do ensino médio. Todos mencionaram o desejo de trabalhar pelas mais diversas necessidades, justificativas e intenções. E a escolarização é sempre apontada por eles como um recurso imprescindível para instrumentalizar o processo de inserção no mercado de trabalho.

Assim, já estando nele ou se preparando para ele, o jovem sentirá que a tendência atual do mundo e do mercado de trabalho – conforme o economista Barbosa Filho (2012) – demanda por trabalhadores mais qualificados, especialmente no que se refere à habilidade de empregar novas tecnologias. Segundo o autor, um dos gargalos que impedem a absorção dos jovens pelo mercado de trabalho é a baixa escolaridade, mensurada pelos anos médios de instrução e, sobretudo, a qualidade desta formação.

No entanto, para alguns teóricos a combinação juventude + escolaridade não resulta necessariamente em empregabilidade. A questão é mais complexa. Na atual conjuntura, a relação que os indivíduos estabelecem com o trabalho extrapola o modelo tradicional linear e regularizado; ao contrário, o trabalho ou a inserção neste campo, que se dá muitas vezes de maneira aleatória, imprevisível (PAIS, 2001; BECK, 1992 apud GUIMARÃES, 2005), vem ganhando contornos de sentido caótico, disforme, despadronizado, descontínuo, liquefeito, marcado pela incerteza e transitoriedade dos vínculos e dos percursos ocupacionais (BAUMAN, 2001).

Sobre os cursos de vida entre os jovens, seja na dimensão do trabalho, da continuidade dos estudos, na condução dos projetos, Pais (2001, p. 28) ressalta que:

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[...] são textos cada vez mais instáveis e variáveis [...], que, hoje em dia, “ser

jovem” é duplamente tentador, por exigências dos sonhos e da realidade.

Apalpam-se as oportunidades no mercado de trabalho, como na discoteca se acaricia o par, numa tentativa de ver até onde se pode chegar. É nesta obscuridade – indo às cegas, às apalpadelas – que melhor se vê como as trajetórias dos jovens se encontram crescentemente em jogo.

A massificação do ensino não foi suficiente para reverter as desigualdades sociais como foi proclamada por muitos movimentos político sociais. Bourdieu (2011a) analisa criticamente o sistema escolar apresentando as contradições que ele produz. Para ele, a escola dissimula, traveste-se em igualdades escolares e ludibria os jovens com a aposta ou promessa de uma suposta mobilidade social e afirma:

[...] não é simplesmente um lugar onde se aprende coisas, saberes, técnicas, etc., é também uma instituição que concede títulos, isto é, direitos, e, ao mesmo tempo, confere aspirações. O antigo sistema escolar era menos nebuloso que o sistema atual, com seus complexos desdobramentos que fazem as pessoas terem aspirações incompatíveis com suas chances reais (BOURDIEU, 1983, p. 115).

O panorama aqui destacado procura discutir vários aspectos que circundam a condição juvenil, de modo especial, nas classes sociais de baixa renda. Os contextos de desigualdade social alvejam a juventude com muita força, e as consequências desta ingerência e negligência aparecem como um nascedouro de grandes problemas, tais como desemprego, subemprego, miséria e violência.

A relação entre centro e periferia está marcada pela diferença de classes. Em Fortaleza a desigualdade social também é evidente e gera tensões. Dados do IPECE, de outubro de 2012, revelam uma forte concentração espacial de renda média pessoal, que se reflete nos bairros e que está fortemente condicionada à sua capacidade de renda, às oportunidades de emprego e à disponibilização de serviços públicos como educação, saúde, transporte, segurança, comércio etc. O documento cita ainda que Fortaleza figura como a quinta cidade mais desigual do mundo (IPECE, 2010).

Há uma parcela de jovens que vive o dilema: deixar a escola e auxiliar na renda familiar ou permanecer na escola e ser mais uma pessoa a ser sustentada? A situação econômica é um dos fatores de abdicação dos estudos pela busca prematura de trabalho. Para muitos jovens pobres o saber escolar tem pouco valor prático. A possibilidade de ingressar na educação secundária acende uma esperança nos pais que não têm tido relação com a realidade da desvalorização da escolaridade (BOURDIEU, 2011a). Considerando os jovens urbanos

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pobres, há uma constatação pelas novas gerações, ponderada por Gomes (1997, p. 56): “Os jovens vão se dando conta do fraco impacto da escolaridade na vida da geração anterior.”

Talvez não possamos mensurar exatamente os danos e as punições que afetam indivíduos inseridos em contextos que lhes privam de experimentar e veicular estoques de conhecimentos mais vastos, devido às circunstâncias estruturais e materiais. Os que tiverem seus campos de possibilidades estreitados ou minguados pelos escassos meios de acesso que operacionalizam a realização dos seus projetos, acabam enveredando seus caminhos fora ou para além destes modelos de projeções futuras valorizados socialmente. Ou percebem que, o que almejem em seu íntimo é inviável a sua realidade. As necessidades urgentes podem suplantar projetos de vida que julgam irrealizáveis, sufocando os sonhos e os desejos que eles confessam ter.

Os jovens brasileiros de baixa renda vivem uma situação dramática, encurralados entre um sistema de educação pública de má qualidade e, desde cedo, a necessidade premente de adquirir uma renda num mercado de trabalho precário, restrito e voraz. As teias de adversidades que emaranha seus caminhos e suas existências lhes forçam a encontrar brechas e pontos de fuga para escapar aos nós que tentam refrear suas jornadas. É dentro desta engrenagem que meus interlocutores são gestados.