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4 A ESCOLA PARÓQUIA DA PAZ NO CONTEXTO DA CIDADE:

4.3 Estrutura organizacional, matrícula e desafios da Escola

D. Maria Barbosa informa que a Escola já teve, há duas décadas, mais de 1.600 estudantes, quando o Estado ainda respondia por todo o ensino fundamental e médio. Mas, ao final de 2014, havia 528 alunos matriculados distribuídos nas modalidades de ensino regular

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do 7º ao 9º anos do Ensino Fundamental, do 1º ao 3º ano do Ensino Médio, e em turmas na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA).

O quadro de empregados é composto por um diretor, dois coordenadores escolares, que se subdividem nas funções de coordenação financeira e pedagógica, uma secretária, oito funcionários – entre auxiliares de secretaria e auxiliares administrativos –, 44 professores, duas merendeiras, seis zeladores e dois vigias.

Os dados com os percentuais de aprovação, reprovação e evasão escolar não me foram informados. Solicitei repetidas vezes à diretora e aos coordenadores, mas todos me encaminharam à secretária, que sempre se dizia atarefada e que me prometia disponibilizar depois tais informações, o que nunca foi cumprido. Percebi que o adiamento proposital destes dados, era para evitar expor algumas informações que a Escola não tem interesse em divulgar, expressos em índices que revelem baixo aproveitamento escolar.

Quanto à infrequência escolar não foi possível ocultar. Ainda que os números não tenham sido fornecidos, era evidente a ausência de muitos estudantes, observada não apenas nas minhas visitas, mas pelos comentários dos próprios colegas de sala. Esse é um dos grandes desafios hoje para a educação pública, sobretudo no Ensino Médio, e é o primeiro sinal da evasão escolar. Trago trechos de um jornal local, Diário do Nordeste, que em 2008 discute esta preocupação, que ainda persiste hoje:

Caem índices de reprovação e evasão no Ceará

MOZARLY ALMEIDA (Repórter)

Disponível: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cidade/caem-indices-de-reprovacao- e-evasao-no-ceara-1.538631

15.12.2008

Estudos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) confirmam: o Brasil tem a segunda maior taxa de repetência latino-americana, com 18,7% na escola primária. No Ceará, as taxas de reprovação também preocupam, apesar de apresentarem ligeiro avanço entre os anos de 2005 a 2007. (...) a queda de reprovação no Ensino Médio na rede municipal [de Fortaleza] foi de 13,7% para 9,2%, em 2007.

Conceição Ávila, coordenadora de Desenvolvimento da Escola da Secretaria de Educação Básica do Estado (SEDUC) (...) informa que o Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) apontou na rede estadual do Ceará um índice de abandono de 25% em 2006

no 1º ano do Ensino Médio; em 2007, ficou em 19,3%. “De modo geral, há um decréscimo desses

índices”, frisa. Ela (...) observa que em muitos casos os alunos estão concluindo o Fundamental com

grandes dificuldades de leitura: “Comprometimentos na capacidade de interpretação de texto trazem repercussões futuras”.

Questões históricas

A repetência e a evasão escolar, tanto em Fortaleza quanto no restante do País, devem-se às

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do Município, Arlindo Araújo. Entre os fatores históricos, inclui a mudança na oferta da escola pública

para as classes médias e altas, por volta da década de 70. “À medida que a escola foi se abrindo para

outras classes mais populares, num gesto concreto de universalização do ensino, também a realidade

dessas unidades foi sendo modificada”, disse, ratificando não ser importante apenas a inclusão de todos na escola. “É preciso estar na escola para aprender”, alertou, admitindo, porém, a inexistência do

monitoramento da evasão escolar. Segundo ele, houve um inchaço tanto na rede de ensino estadual quanto na municipal, sobretudo na década 90 do século passado. Com a matrícula única em 1996, a

rede estadual priorizou o atendimento dos alunos de 5ª a 8ª série [e] do Ensino Médio. “As escolas

anexas chegaram a funcionar em espaços improvisados como galpões de associações comunitárias”, disse. Para ele, as unidades anexas sem qualidade elevaram os índices de repetência e evasão, porque não conseguiram oferecer um ensino a contento.

O Brasil desponta no 62ª lugar entre piores países do mundo em termos de resposta à finalidade

da educação, informa membro honorário do Conselho Estadual de Educação (CEE), Marcondes Rosa,

para quem são inúmeros os motivos que levam ao alto índice de repetência e evasão escolar. A escola, enfatiza, deveria desempenhar três funções básicas na sociedade: primeiro, colocar o indivíduo como cidadão integrado ao meio em que vive; segundo, como um profissional construtor do mundo e, por último, levá-lo a centrar-se no aspecto da pessoa, de sua própria identidade e visão sobre o mundo, da transcendência e da espiritualidade. Lembra que as crianças vão para escola, porém, lá encontram

poucos atrativos. “Não há objetivos e o atrativo maior resume-se, muitas vezes, à merenda escolar ou à recreação, no caso da rede pública”, comenta. Na escola pública, é comum as crianças nos dias de prova ficarem sem aulas no resto do turno. “Quando se pega o calendário, é fácil constatar que não foi

dada a carga horária prevista para o ano letivo e que o conteúdo programático foi para o beleléu”,

observa.

“Enfim, a escola, sobretudo a dos pobres, precisa de um norte”, defende. Mesmo ressaltando a

existência de deficiências em algumas unidades, Marcondes Rosa frisa que em determinadas escolas

particulares de Fortaleza os incentivos à aprendizagem chegam a se igualar ao ensino de países do primeiro mundo. No Ceará, enfatiza, essa desigualdade reproduz uma situação contrastante no desempenho escolar.

Iniciativas

Segundo Conceição Ávila, como uma forma de minimizar o problema da repetência (...), a SEDUC adotou algumas iniciativas. O programa “Primeiro, Aprender” busca ampliar a aprendizagem aos alunos das turmas do 1º ano do Ensino Médio, através de uma base melhor de leitura e de raciocínio lógico. O programa, que inclui interpretação de textos (...). No tocante a evcasão, acrescenta que outro fator preponderante foi a descrença dos alunos na importância da educação para promover

qualidade de vida. “As pessoas se matriculavam e por não perceber o valor da educação na mudança

e transformação social abandonavam a escola ou mesmo não passavam de ano”, disse, citando que muitos dos matriculados na escola pública compõem a faixa mais pobre da população, sem

residência fixa. As mudanças de endereço, muitas vezes, em pleno ano letivo também favorecem o abandono da escola, devido a dificuldades com os deslocamentos. “Algumas famílias não

conseguem ou simplesmente desistiam de tentar matricular os filhos em uma escola mais perto de

casa”.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA: Desistência tem razões sociais

ANDRÉ HAGUETTE

Mestre e doutor em Sociologia e professor da pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC)

O elevado número de repetência e evasão nas escolas públicas de Ensino Fundamental no Ceará se explica, em parte, por razões escolares e, em parte, por razões sociais.

As unidades públicas pouco ensinam se comparadas com as escolas particulares e pouco se

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adequado acompanhamento pedagógico. Sabe-se que a repetência leva ao abandono e por esse

motivo deveria ser evitada, por um eficiente sistema de acompanhamento, que visasse preencher, ao longo do ano, as lacunas de aprendizagem do aluno.

Também a baixa renda familiar obriga, muitas vezes, o aluno a trabalhar precocemente para

ajudar nas despesas de casa. Há, todavia, exemplos de escolas com alunos de baixa renda que

conseguem manter taxas muito reduzidas de repetência e evasão, o que demonstra a responsabilidade da escola.

Se em 2014 e em 2015 a discussão ainda está em pauta, é porque os números continuam preocupantes, e o que foi feito não resolveu o problema. Fazer com que os jovens e adultos frequentem regularmente e concluam esta etapa escolar ainda é uma grande barreira, especialmente para os que já estão inseridos no mercado de trabalho, tendo que manter a si mesmos e à família.

Muitos dos mais novos também já trabalham durante pelo menos um turno. Mas é no período noturno que os maiores de 16 anos, cursando o Ensino Fundamental EJA III (6º e 7º anos) e EJA IV (8º e 9º anos), e matriculados no Ensino Médio, vivem a realidade “escola e trabalho” mais intensamente. Praticamente todos trabalham formal ou informalmente. São cozinheiros, babás, domésticas, cuidadores de idosos, vigilantes, porteiros, trabalhadores no comércio ou na construção civil. Muitos vêm direto do trabalho para a escola, ou vão para o trabalho depois da aula. São jovens e adultos que estão “correndo atrás do prejuízo”, do “tempo perdido”, como eles mesmos dizem. De forma geral, começaram a trabalhar muito cedo e tiveram que interromper os estudos, mas está sendo cobrado deles, no mínimo, a aquisição do nível médio para assegurar as vagas de empregos.

A diretora em exercício em 2013 diz que todo ano a Escola trabalha no convencimento de permanência na escola, assim como para que prossigam com os estudos, argumenta: “se inscreva no Enem (mesmo eles argumentando que não têm condição de passar), se você mudar de ideia pelo menos tem como arriscar”. Alguns desistem, outros, abandonam algumas vezes e depois retornam à escola. Ela diz que alguns querem ir para a faculdade – especialmente os mais novos – mas muitos concebem essa possibilidade como uma realidade muito distante, quase fora de seu alcance – especialmente os de mais idade. Veremos a diversidade de seus propósitos futuros em suas falas no capítulo 6.

A escola é um microcosmo com reflexos sociais, em que a realidade extramuros é arrastada para os espaços de convivência com valores, padrões de comportamento e visões de mundo que, não raro, reproduzem, social e culturalmente, desigualdades e discriminações do macrocontexto. Esta instituição se apropria e norteia seu trabalho pelos modelos hegemônicos de hierarquização dos saberes, das práticas e, por sua vez, de estereótipos de tipos de

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indivíduos, tentando enquadrá-los em formatos arbitrários ignorando suas especificidades. Há uma conjunção de fatores convergentes, externos e internos à escola, que comprometem a inserção, permanência e conclusão dos estudos dos indivíduos econômica e socialmente mais carentes.

Há problemas cruciais nas entranhas do sistema educacional e que afetam, primordialmente, os jovens pobres e, em consequência, as suas oportunidades de vislumbrarem melhores empregos que lhes propiciem melhor qualidade de vida. Segundo Schwartzman e Cossio (2007, p. 61), “[...] tudo indica que, num primeiro momento, os fatores de expulsão de dentro da escola são mais fortes do que os fatores de atração do mercado de trabalho, ou pressão da necessidade financeira.”

Para Leiva (2007, p. 36-42) “[...] a cultura escolar não somente não se integra à cultura juvenil, como muitas vezes lhe fecha as portas e lhe dá as costas […] Sem o conhecimento sociológico dos alunos e alunas, é difícil uma educação de qualidade.” Só há aprendizado se houver conexão, aceitação, reconhecimento, respeito e vínculo. Aí, sim, haverá intercâmbio de saberes, efusão, profusão de experiências, que enriquecerão o processo. Sobretudo, para adentrar no mundo dos jovens é imprescindível lançar mão dos necessários “vistos” e “passaportes”, para dialogar e compartilhar dos sentidos culturais geridos no fluxo rico das redes sociais da juventude (CARRANO, 2000).

A acessibilidade escolar, nunca vista antes no nosso País, abriu as portas para seu novo público, mas não o olhar e o diálogo. Por isso fazê-lo permanecer, e, sobretudo, com qualidade é ainda um desafio. Ao investigar a cultura escolar praticada no seu cotidiano, percebemos conflitos, tensões e intolerâncias presentes na relação dilacerada entre arbitrariedade escolar e resistência por parte dos estudantes.

Segundo Marchesi (2006), para muitos professores, os alunos estão cada vez menos interessados. A desmotivação é considerada pela escola, na fala de seus profissionais, uma das maiores vilãs no processo de ensino. Acrescenta-se também, a indisciplina, a infrequência, a repetência, a defasagem idade/série e a evasão escolar, que costumam levar a atrasos na aprendizagem que se estendem para a condução da vida. Tais problemas são sintomas de um processo cansado, saturado de desencontros e frustrações daqueles que compõem e se servem dessa instituição, demostrando que a tradição escolar nos moldes convencionais de ensino está extrapolada. No entanto, as dificuldades citadas castigam, sobretudo, aqueles que ficam pelo caminho ou que não conseguem se adequar e sobreviver ao sistema, já que a educação escolar é considerada a senha de acesso para uma participação social mais efetiva.

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4.4 Análise macrossociológica da realidade social: os impactos dos valores coletivos