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6. Individualidade, linguagem e emoção como ponto de partida para

6.7 Relatos biográficos – seis jovens entre os sonhos, os desejos, as

6.7.4 Caso 4 – Diego: (sobre)vivendo da beleza alheia

6.7.4.5 Influência sobre suas escolhas, sonhos e planos para 2015

Diego projeta para esse ano dar continuidade a sua formação profissional direcionada a sua área (beleza). Começa logo no início do ano fazendo o curso de maquiagem pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC). Além do valor do curso que custa R$ 2.500,00, tem que comprar os instrumentos e os produtos. Questiono o alto valor de 2.500 reais que pagará pelo curso, ele rir e diz que é parcelado. O pagamento parcelado, por ser o único possível, na maioria das vezes, parece soar barato. São dois meses de teoria e prática. Diz que “é um curso um pouco puxado [oneroso], mas você vai trabalhar menos e ganhar mais”. Para ele vale a pena porque informa que se faz rápido e que a demanda é grande. No salão que trabalha, num sábado são feitas em média oito maquiagens no valor de R$ 50,00 cada.

Compara seu serviço calculando que, se para fazer umas mechas a R$ 200,00, leva mais de três horas de trabalho e só receberá R$60,00, enquanto uma maquiagem que leva meia hora custando R$ 50,00 e ele fica com R$ 40,00, acha mais rendoso o último serviço que tem menos demanda, mas é importante ter essa alternativa.

Convidado a pensar sobre suas escolhas, avalia que advêm “da necessidade”. Depois diz não saber ao certo o que lhe conduziu a tais escolhas. Ao se questionar, considera que a vivência com amigos que atuam nessa área [beleza] tenha lhe motivado a seguir este caminho. Pergunto sobre a participação da sua família neste aspecto. Para, pensa e diz: “posso ser sincero?”. Sinalizo que sim, e ele completa: “a minha família nem sabe no que eu trabalho... sabem que é num salão, mas não sabem o que eu faço”. Pergunto se nem sua mãe sabe e ele diz que: “assim, acho que ela tem uma noção...às vezes atendo umas clientes lá em casa, então quando eu vou escovar meu cabelo, aí ela diz assim – ‘aqui não é salão não, viu?’. Mas assim, ela não sabe se eu faço tudo, o quê que eu faço, quanto eu ganho...”. Sua mãe nunca foi lhe

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visitar no salão onde trabalha. Ele acrescenta: “no cabelo dela nunca fiz nada”. Conta que sua mãe não é vaidosa, não gosta de se arrumar e que nunca conversam, pois não tem intimidade alguma.

Confessa ter muitos sonhos, rir, mas fica reticente ao revela-los, e diz que são muitos, só não sabe se pode realizar, e resume dizendo que o “sonho principal é minha casa, acho que todo mundo tem isso [...] é um sonho geral [...] nossa casa, nossa estabilidade, nosso carro...” (sorrir e se emociona). Sobre o transporte argumenta: “sabe que nem vejo o carro como uma comodidade. Vejo mais como segurança, porque é muito arriscado pegar ônibus, às vezes a gente é assaltado na parada ou dentro do ônibus... então, o carro não protege, mas dá uma segurança um pouco maior, né?”.

No período que foi feita a entrevista (em 10 de dezembro de 2014) considerava que seu sonho mais próximo de ser alcançado no momento era a estabilidade profissional, por estar investindo na sua formação profissional e já vislumbrava as oportunidades de trabalho. Mas achava que os sonhos da casa e transporte próprio estariam muito distantes, porque reconhece que seu “trabalho não permite tudo isso” [eu complemento sua fala com o advérbio ‘ainda’, e ele aprova]. Em maio de 2015, com a suposta estabilidade profissional que ele julga ter alcançado, passa a mirar no projeto da casa própria, como informa em conversas pelo whatsapp.

Trabalhando muito e precisando continuar investindo na carreira, acredita que o curso de Estética vai agregar valor a sua formação. Assim, criam-se novas demandas e ele se debruça em novos propósitos. Ao questioná-lo sobre seus planos para o futuro, ele diz surpreso: “xi, pegou (risos)... não sei... penso num futuro pequeno... próximo. Tipo próximo ano, um curso, mas assim, um futuro para há cinco anos, não pensei. Não vou mentir”. Tem outros desejos guardados, mas fica reticente ao revelar. Diz que têm mais coisas que gostaria de conquistar depois, mas por enquanto só confessa esses.

Considera que encontrará muitas dificuldades, dentre elas, se habituar a uma nova vida de forte rotina de trabalho. Acha que suas chances e possibilidades de sucesso se devem “a vontade de buscar e fazer o melhor”. Gosta de fazer o que faz com zelo, cuidado e empenho, acreditando que vai se firmar no ramo da beleza.

Assume não ter plano b, caso o que planeja para o futuro não se realize. Considera-se muito otimista e não cogita que as coisas deem errado. Nisso se identifica e cita a influência dos livros de autoajuda. Quando questiono sobre o depoimento informal que me deu há meses atrás sobre não ter intenção de ingressar no ensino superior, ele responde que:

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[...] sempre tive a ideia de fazer Nutrição, mas era uma ideia que ficava ali tão guardada que às vezes não tenho nem vontade dizer... Até me julgam assim, não pela minha área mas pelo meu próprio desinteresse da escola, seria um motivo de chochar [blefar], assim... Por que ele vai querer aquilo [nível superior] se ele não quer agora? Então, por esse motivo ela fica mais guardada, porque já não quero agora. Como no caso do próximo ano que já decidi que vou fazer maquiagem.

Avalia como sua maior habilidade (embora, eu conceba como virtude) a sua prestação [adjetivo dele], pois acredita ser bom em servir aos outros. Diz que sua “forma de atender, não só profissionalmente, mas o jeito mesmo de tratar as pessoas, meu próprio jeito cativa muito”, acha esse seu maior diferencial. Desenha sua meta de ter o próprio salão, mas reconhece que precisará de tempo, muito trabalho e esforço. Considera como seu dom e vocação profissional cuidar da estética e da beleza das pessoas.

Diego é aparentemente extrovertido, inicialmente se mostrando aberto ao diálogo. O que me fez elegê-lo como interlocutor da pesquisa logo no primeiro contato. Ao conversar sobre questões que lhe parecem espinhosas, como por exemplo: família, sonhos, projetos de vida, ele recua e fica um tanto reticente. Aos poucos relata suas frustrações, desejos e suas pelejas cotidianas para alcançar seus propósitos. Mas a impressão que prevalece dele é sua receptividade, simpatia e eloquência.

Descreve sua família com reservas e desconforto. Ressente-se dos pais pela ausência de diálogo, aproximação, cumplicidade, atenção e interesse. Pelo que relata é como se fossem desconhecidos convivendo no mesmo teto. Com exceção da avó materna que elege como sua confidente e seu suporte afetivo, os demais membros familiares estabelecem laços frios entre eles, com escassa comunicação e nenhuma demonstração de afeto, pelo que conta. Não sabem da vida um do outro em coisas elementares, tais como: o nível de escolaridade da mãe; a origem da família, de onde vieram os antepassados recentes, no caso dos avós; seus pais não sabem exatamente em que trabalha; não conversam sobre suas rotinas ou as demandas do presente, e nem sobre suas expectativas ou planos para o futuro.

Segundo conta, sua escolaridade foi vivenciada sem qualquer incentivo ou acompanhamento familiar. Sua relação com a escola é descrita como um cumprimento de protocolo para alcançar o que lhe parece essencial, que é a aquisição de pré-requisitos para inserção no mercado de trabalho, dizendo que “é o ponta pé para entrar na faculdade”. Até a descoberta do prazer pela leitura aconteceu fora da escola. Pelas circunstâncias de falta de orientação aos estudos, o Centro de Desenvolvimento Infantil – (CDI) é o que aparece como

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única forma de apoio que diz ter recebido. Foi o que lhe ofereceu o contato com cursos voltados para serviços e acabou lhe conduzindo para uma formação mais profissionalizante.

Observei nos discursos dos professores como pesquisadora, assim como, também, ao longo da minha experiência como educadora, que a escola olha com desconfiança, pesar e certa rejeição para aqueles que não manifestam propósitos e ambições para o prosseguimento estudantil como projeto de futuro. Diego começou a trabalhar antes de concluir o ensino médio por necessidade, como ele próprio diz: “porque meus pais não podia me dar eu que eu desejo [...] e eu desejo muita coisa, por esse motivo, por querer muito aquilo, eu ia atrás [...] como já disse antes, eu não tenho plano B porque não acredito que vá dar errado”.

Sua preparação é para atender suas demandas do agora. Por isso sua relação com o trabalho se sobrepôs ao investimento escolar, como explicou anteriormente. Mas sabe o que quer e precisa. Traçou até aqui o caminho que considera estratégico e pincela com os instrumentos que dispõe o quadro que almeja para a vida. Diego tinha suas razões para não se entusiasmar com o ingresso no ensino superior, mas se organiza e constrói rotas alternativas para conquistar o que necessita e deseja: profissionalização que lhe renda segurança e sustento imediato.