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Cidades mais violentas do Brasil

CONTRA A MULHER

Dália, no Excerto 21 (l. 1119-1126), abaixo, apropria-se da metáfora introduzida por Acácia, ao contar como seu ex-marido lhe perguntava por algum “macho” (l. 1125) que ela teria arranjado depois da separação.

Ao utilizar o veículo “macho” (l. 1125), o ex-marido estava qualificando-a como fêmea. Mais uma vez, a metáfora emerge, desta feita, não para associar a maus tratos, mas para tratar da sexualidade de um modo vulgar. Chamar uma mulher de fêmea é vê-la como animal, como mera reprodutora, que normalmente não requer envolvimento para fazer sexo, para cruzar.

O elemento lexical ‘fêmea’ significa “[...] 1 organismo cujos órgãos reprodutivos produzem apenas gametas femininos; 2 animal do sexo feminino [...] ” (HOUAISS, 2012, p. 1324 ). Assim, no intuito de agredi-la, o marido indaga sobre os machos que ela teve depois dele: “Já arranjou algum macho?” (l. 1125), como se ela fosse uma fêmea disponível numa comunidade animal.

Excerto 21 – Discurso do grupo focal Participante: DÁLIA

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A análise do Excerto 22 (l. 1471-1476) demonstra que Acácia se apropria do veículo metafórico “macho” (l. 1125), que foi utilizado por Dália em seu relato, usando-o na sua forma plural “machos” (l. 1476), para referir-se aos homens que seu marido dizia serem seus, somente por serem vizinhos ou lhe cumprimentarem, caracterizando-a como uma fêmea que se relaciona com machos que a abordem, com quaisquer machos interessados e disponíveis.

Emerge, assim, mais uma vez a metáfora VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER É TRATÁ-LA COMO ANIMAL, pois, como o ex-marido de Dália, o

seu a relegava à condição de fêmea disponível, à espera de um macho que a seduza pela corte ou a tome pela força, como é comum entre os animais. Acácia relata que, de acordo com a interpretação de seu marido, os homens com quem falava, fossem vizinhos ou somente conhecidos, eram tratados como se fossem parceiros sexuais seus, ou seja, seus ‘machos’.

Excerto 22 – Discurso do grupo focal Participante: ACÁCIA

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No Excerto 23 (l. 1825-1842), Acácia revela alguns dos maus tratos sofridos e, sobre o marido, diz: “me jogou na rua pra todo mundo ver, como se eu fosse uma cachorra” (l. 1827, 1828, 1829), manifestando seu sentimento de dor e revolta, inconformada, diante da violência a que era submetida.

O veículo metafórico “como se eu fosse uma cachorra” (l. 1829) fala do tratamento que recebia referindo-se aos cães de rua. Esses cães de rua, normalmente, escorraçados e agredidos com paus e pedras, que, muitas vezes, foram postos para fora de casa pelos próprios donos, são animais que sofrem muitas violências. Ao dizer que era tratada “como se fosse uma cachorra” (l. 1829), Acácia expressa por meio da figuratividade como se sentiu naquele momento difícil.

No seu relato, Acácia detalha o episódio e, ao utilizar o veículo metafórico novamente, altera para o masculino, “como se fosse um cachorro” (l. 1842). Acácia exprime, assim, a dor da humilhação, a vergonha de ser jogada na calçada diante de todos e demonstra como o marido a pegou pelos cabelos e a “jogou como se fosse um cachorro” (l. 1842).

Excerto 23 – Discurso do grupo focal Participante: ACÁCIA

Tópico discursivo: SENTIMENTO DIANTE DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER

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Ao examinarmos o Excerto 24 (l. 2140-2149), a seguir, observamos que Azaleia se apropria do veículo metafórico “como se fosse um cachorro” (l. 1842) e o modifica para “pior que um cachorro” (l. 2147). Assim, a metáfora emerge mais uma vez e, da mesma forma que Acácia e Dália, Azaleia, por meio da linguagem figurada, manifesta seu sentimento diante da violência que lhe era infligida.

Azaleia fala das agressões sofridas, de como elas lhe faziam mal e de como esta se sentia depois. Mais uma vez, a metáfora emerge na manifestação de sua dor. Ela diz que se sentia “pior que um cachorro” (l. 2147), muito humilhada, e faz a referência expressa à manifestação de Acácia, dizendo “como ela falou” (l. 2148), confirmando, inequivocamente, que se apropriou do veículo metafórico inicialmente utilizado por ela.

186 Excerto 24 – Discurso do grupo focal

Participante: AZALEIA

Tópico discursivo: SENTIMENTO DIANTE DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER

No Excerto 25 (l. 2174-2177), como veremos a seguir, Acácia retoma a sua ideia inicial e, reiterando seus sentimentos de raiva, tristeza, angústia e humilhação, diz: “nem cachorro merece o que ele fez comigo” (l. 2177). Ao reviver as tristes lembranças das agressões e maus tratos sofridos, Acácia conclui que nem um cachorro deve sofrer o que ela sofreu. A linguagem figurada contribui para a expressão de toda a sua mágoa.

Excerto 25 – Discurso do grupo focal Participante: ACÁCIA

Tópico discursivo: SENTIMENTO DIANTE DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER

No Excerto 26 (l. 2604-2612), Acácia, falando sobre seu agressor, reconhece o marido como um bom provedor, já que ele “não deixava faltar nada

187 dentro de casa” (l. 2609). Ao mesmo tempo, mostra-se muito aborrecida por só receber dele os mantimentos, pois “quem vive de comida é porco” (l. 2611, 2612), já que o marido nada lhe dava além de comida.

O porco é um animal que come praticamente qualquer coisa e está sempre procurando comida. Ao usar o veículo “porco” (l. 2610, 2612), Acácia refere- se especificamente a esse aspecto. Para ela, receber só comida é ser tratada como um porco glutão. Por meio da figuratividade, Acácia manifesta sua mágoa, seu aborrecimento, enfim, como se sente por receber somente comida, ser tratada de qualquer jeito, sem preocupação alguma com suas outras necessidades (Ex.: higiene, vestuário, lazer, amor) e sem outros mimos de qualquer tipo.

Excerto 26 – Discurso do grupo focal Participante: ACÁCIA

Tópico discursivo: O AGRESSOR

No Excerto 27 (l. 3125-3135), a seguir, outro tipo de violência sofrida é relatado por Acácia. Esta revela que se sentia tratada como “se fosse assim um bicho” (l. 3133, 3134). Ao se descuidar da porta, o marido aproveitava e saía de casa, trancando o portão e deixando-a “presa” (l. 3135). Como sabemos, muitos bichos vivem presos, em jaulas, sejam animais domésticos, como cães bravos, ou selvagens, como onças, leões e ursos nos zoológicos e circos, por exemplo.

Acácia relata que, ao ficar presa, sentia-se como um deles, privada de sua liberdade, e manifesta esse sentimento por meio do veículo metafórico “como se

188 fosse assim um bicho” (l. 3133, 3134). Afinal, são os bichos que representam perigos que são mantidos em cativeiro, por trás de grades com cadeados. Mais uma vez, a metáfora VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER É TRATÁ-LA COMO ANIMAL emerge na manifestação dos sentimentos de Acácia.

Excerto 27 – Discurso do grupo focal Participante: ACÁCIA

Tópico discursivo: SENTIMENTO DIANTE DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER

No Excerto 28 (l. 3475-3484), Bromélia tece comentários sobre os ciúmes do marido e usa o veículo “gata” (l. 3476, 3482), para fazer referência à sua aparência. Para outra mulher, a referência pode ter uma conotação positiva, mas, de acordo com essa participante, para ela ser uma “gata” (l. 3476, 3482) seria ruim, pois, ciumento como era, esse poderia ser o motivo que levaria o marido a matá-la por ciúmes.

No caso de Bromélia, que está feliz e segura, com a auto estima em alta, mesmo reconhecendo-se sem maiores atributos, o fato de não ser tratada como “gata” (l. 3476, 3482) poupa-a dos ciúmes excessivos do marido que poderiam ser muito maiores.

Para Bromélia, ser tratada como animal, no caso, uma gata, também resultaria em maus tratos e violência, embora, de início, pudesse parecer algo bom.

189 Assim, observa-se na manifestação de Bromélia a emersão da metáfora VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER É TRATÁ-LA COMO ANIMAL.

Excerto 28 – Discurso do grupo focal