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3.1 Metáfora, Linguagem, Cognição e Discurso

3.1.1 Metáfora e Linguagem

Com origem na palavra grega ‘metapherein’ (‘meta’= ‘mudança’ e ‘pherein’= ‘carregar’), cujo significado é ‘transporte’ ou ‘transferência’, a metáfora é, na visão tradicional, considerada como um recurso figurativo da linguagem, que tem como objetivo ornamentá-la. Lembramos que o estudo mais antigo da metáfora de que se tem registro vem da Grécia Antiga, com Aristóteles, no século IV A.C.

67 É na sua obra Poética (1997 [séc. IV A.C.]) que o filósofo estagirita apresenta a metáfora como uma figura de linguagem, cujo uso “não se pode aprender de outrem e é sinal de talento natural, pois ser capaz de belas metáforas é ser capaz de aprender as semelhanças” (ARISTÓTELES, 1997 [séc. IV A.C.], p. 45), fazendo a ressalva de que o excesso de metáforas torna a linguagem enigmática e seu uso inadequado, cômica.

Como recurso linguístico usado fundamentalmente na poética e na retórica, a metáfora é caracterizada pelo uso da palavra fora de seu sentido literal, isto é, em lugar de outra ou estabelecendo uma relação de similitude entre os elementos designados.

Assim, de acordo com o modelo aristotélico, a metáfora era tida como o modo de usar uma coisa para falar de outra e, com base no tipo de ocorrência, classificava-se como “transferência dum nome alheio do gênero para a espécie, da espécie para o gênero, duma espécie para a outra, ou por via da analogia” (ARISTÓTELES, 1997 [séc. IV A.C.], XXI, p. 42).

Ao analisar essas transferências e os exemplos referentes a cada um dos quatro tipos apresentados pelo filósofo na Poética (ARISTÓTELES, 1997 [séc. IV A.C.], XXI), é possível estabelecer uma correspondência entre cada um deles e algumas figuras de linguagem atuais: o primeiro tipo corresponde à sinonímia; o segundo, à hipérbole; o terceiro, à metonímia; e o quarto e último tipo, é aquele que mais se assemelha à metáfora na concepção tradicional, ainda hoje presente em muitas das gramáticas contemporâneas.

Essa visão da metáfora, como recurso linguístico, manteve-se, segundo Vereza (2006, p.145), sustentada por um paradigma que viabilizou a geração de “[...] alguns pressupostos bastante cristalizados que ajudaram a criar o que se entendeu e o que ainda se entende sobre a metáfora.”

Lakoff (1993, p. 202, tradução nossa), por sua vez, ressalta que “Em teorias clássicas da linguagem, a metáfora era entendida como uma questão de linguagem, não de pensamento.”10 Afirma, ainda, com o que concordamos, que essa concepção clássica predominou durante tanto tempo, que passou a ser aceita como verdade absoluta e definitiva pelas pessoas.

10In classical theories of language, metaphor was seen as a matter of language, not thought.

(LAKOFF, 1993, p. 202).

68 Kövecses (2002, p. viii, tradução nossa), ao discutir a visão tradicional da metáfora, diz que:

[...] a palavra é usada metaforicamente para alcançar certo efeito artístico ou retórico, já que falaríamos ou escreveríamos metaforicamente para nos comunicarmos eloquentemente, para impressionarmos a outros pela “beleza” e prazer estético gerado pelas palavras, ou para expressarmos uma emoção profunda.11

Continuando sua abordagem, Kövecses (2002) aponta que a metáfora, na visão clássica, apresenta cinco características principais. Destaca, assim, que “[...] a metáfora está baseada numa semelhança entre duas entidades que são comparadas e identificadas”12 (KÖVECSES, 2002, p. vi, tradução nossa); que “[...] é

uma propriedade das palavras, é um fenômeno linguístico” 13 (KÖVECSES, 2002, p.

vii, tradução nossa); que “[...] é usada para algum propósito retórico e artístico" 14 (KÖVECSES, 2002, p. vii, tradução nossa); que “[...] é um uso deliberado e consciente das palavras, e você deve ter um talento especial para fazê-lo e fazê-lo bem” 15 (KÖVECSES, 2002, p. vii, tradução nossa); e, por fim, que “[...] é uma figura de linguagem sem a qual podemos passar; usamo-la para efeitos especiais, e não é uma parte inevitável da comunicação humana cotidiana, tampouco do raciocínio e pensamento humano diário.”16 (KÖVECSES, 2002, p. viii, tradução nossa).

Lima (2003), por sua vez, discute que o problema das teorias tradicionais, quer filosóficas, quer psicológicas, é o fato de o papel da metáfora ficar restrito a esses recursos, sem ultrapassar o nível linguístico em momento algum.

Entendemos como importante sua posição ao ressaltar, também, que a metáfora, durante muito tempo, foi tratada como simples

11[...] the word is used metaphorically in order to achieve some artistic and rethoric effect,

since we speak and write metaphorically to communicate eloquently, to impress other with beautifully esthetically pleasing words, or to Express some deep emotion. (KÖVECSES, 2002, p. viii)

12[...] metaphor is based on a resemblance between the two entities that are compared and

identified. (KOVECSES, 2002, p. vii)

13[...] is a property of words; it is a linguistic phenomenon. (KÖVECSES, 2002, p. vii) 14[...] is used for some artistic and theoretical use. (KÖVECSES, 2002, p. vii)

15[...] is a conscious and deliberate use of words, and you must have a special talent to be

able to do it and do it well. (KÖVECSES, 2002, p.vii)

16[...] is a figure of speech that we can do without; we use it for special effects, and it is not an

inevitable part of everyday human communication, let alone everyday human thought and reasoning. (KÖVECSES, 2002, p. viii)

69 [...] estratégia de comunicação, que serve para expressar ideias difíceis ou impossíveis de serem transmitidas pela linguagem literal, que pode transmitir muita informação numa única imagem metafórica, comparada com a descrição literal de todas as qualidades na tal imagem, e que captura e transmite a intensidade subjetiva da experiência de uma forma que a linguagem literal normalmente não consegue. (LIMA, 2003, p. 18).

Mahon (1999) defende que o fato de Aristóteles destacar o papel da metáfora como ornamento linguístico não implica em desconhecimento da sua função cognitiva, pois o filósofo sustenta ser possível a aprendizagem por meio de metáforas, já que estas demandam esforço mental na busca de um ponto comum entre elementos comparados. Esse entendimento de Aristóteles pode ser considerado como uma forma de sinalização do papel cognitivo da metáfora.

As contribuições aristotélicas foram relevantes na formação do arcabouço teórico de muitos estudos posteriormente realizados sobre a metáfora, e suas ideias, que predominaram durante séculos, continuam a influenciar, de modo significativo, estudos no âmbito das ciências humanas.