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3.1 Metáfora, Linguagem, Cognição e Discurso

3.1.2 Metáfora e Cognição

Diante dessas observações, é possível entender o quadro teórico anterior a 1980, ano que registrou, de forma definitiva, a grande virada paradigmática, com a publicação da obra de Lakoff e Johnson (1980), Metaphors we live by, considerada, mais que merecidamente por muitos, o marco inicial da Linguística Cognitiva.

Essa virada resultou das inquietações e ideias revolucionárias de vários teóricos que, por conta de sua insatisfação, se tornaram responsáveis, em grande parte, pelas muitas transformações que aconteceram na segunda metade do século XX, de forma a alterar, radical e definitivamente, o quadro epistemológico vigente.

Foram inegavelmente importantes para essa mudança, as contribuições das outras ciências, como, por exemplo, a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia, a Sociolinguística, que colaboraram diretamente, com suas investigações e/ou descobertas, para que as ideias revolucionárias sobre a linguagem, que se mostravam em plena efervescência no campo da Linguística, efetivamente ocupassem o seu espaço.

70 Corroborando esse entendimento, Hilferty (2001, p. 2, tradução nossa) destaca que, como quadro teórico, a “Linguística Cognitiva é, em grande parte, o produto de um amálgama de incidentes e descobertas que aconteceram no campo da Linguística teórica, durante os anos1960 e 1970."17

Essa nova visão, no nosso entendimento, reposiciona definitivamente a linguagem, assim como os fenômenos em que tem papel relevante como parte da integrante da cognição, realçando a sua relação de colaboração, interdependência e influência mútua com as demais capacidades cognitivas, tais como: o pensamento, a conceitualização, a categorização, o raciocínio, o juízo, a imaginação, a criatividade, a percepção, a memória e a atenção.

Numa breve retrospectiva, discutiremos, a partir de agora, alguns aspectos relevantes dessa ciência, incluindo sua origem e seu delineamento, assim como seus pressupostos e estudos mais relevantes, entre os quais aqueles que enfocam a metáfora.

Como já destacamos, os estudos sobre a linguagem humana remontam à Antiguidade, com os gregos, mas, somente a partir de meados do último século, assumiram um papel relevante no contexto das Ciências Cognitivas, cujos estudos tinham como foco a cognição e se desenvolveram em diferentes áreas da atividade humana.

Dentre as tentativas de explicação dos processos mentais, surgiu, na Linguística, no final dos anos 50 do século XX, proposto por Noam Chomsky, o modelo gerativo-transformacional. O escopo teórico dessa proposta está fundamentado em um modelo modular da mente, segundo o qual a faculdade da linguagem é uma estrutura cognitiva inata, parte da herança genética do homem.

Esse paradigma mentalista preponderou por muito tempo e, ainda hoje, se faz presente no cenário das pesquisas linguísticas, representado pela Gramática Gerativa, que tem como objetivo investigar como funcionam a mente e as línguas naturais, com interesse especial na sua sistematização, tendo como foco a sintaxe e se baseando no entendimento lógico-matemático do sentido.

Ancorado no cognitivismo clássico, cuja base é racionalista e tem como noção fundamental a separação entre mente e corpo, assim como entre processos

17Cognitive linguistics is, to a great extent, the product of an amalgam of incidents and

findings that took place in the field of theoretical linguistics during the 1960s and 1970s (HILFERTY, 2001, p. 2).

71 internos e externos, Chomsky postula que a razão é o centro do conhecimento e, em decorrência disso, qualquer experiência física ou social é irrelevante no processo de aquisição linguística.

A partir desse entendimento, em cenário marcado pela abstração na análise linguística, são estabelecidas as diferenças entre competência e desempenho, assim como estimulados os estudos sobre a competência linguística de um ‘falante-ouvinte ideal’, o constructo teórico que viabilizaria desvelar como as estruturas linguísticas são geradas, de maneira independente, sem a interferência de quaisquer aspectos, sejam estes de ordem pessoal, afetiva, social, cultural ou outra qualquer.

Descontentes com os resultados desses estudos gerativistas sobre a linguagem que minimizavam a importância do sentido, e interessados na retomada das investigações sobre a significação, reuniram-se, em torno das novas ideias, George Lakoff, John Robert Ross, James McCawley e Paul Postal, dando origem ao movimento de onde surgiu a Semântica Gerativa, acompanhados, em seguida, por Langacker, Fillmore, dentre outros. Lakoff (1976) escreveu, então, nesse período, a obra Towards a Generative Semantics, (que foi publicada treze anos mais tarde, em 1976, sendo, ainda hoje, considerada o principal registro desse movimento de oposição).

Mais adiante, depois de extinta a Semântica Gerativa, os estudos de alguns desses teóricos se voltaram para as questões cognitivas. O paradigma cognitivista surgiu, então, na década de 70 do último século, em oposição ao modelo gerativista até então predominante, com o objetivo de estudar a complexa cognição humana. Os estudos cognitivistas apresentam caráter transdisciplinar e, ao longo de sua evolução, vem dialogando, estreita e permanentemente, com outras áreas. Essas áreas são a Psicologia, a Antropologia, a Filosofia, a Inteligência Artificial, a Neurologia e, em especial, a Linguística, que se destaca por ser a linguagem essencialmente categorizadora e serem as suas contribuições substanciais para processo de conhecimento, organização e construção do real.

A Linguística Cognitiva, que enfoca o estudo da linguagem sob essa nova perspectiva, tem sua origem associada às investigações pioneiras que foram desenvolvidas por Eleanor Rosch (1975) sobre as cores focais, estudo que é considerado basilar para as pesquisas em uma de suas áreas: o processo de categorização. Em seu delineamento, essa nova ciência propõe uma nova visão da

72 linguagem e seus fenômenos, enfocando a sua íntima relação com os processos mentais e cognitivos.

O arcabouço teórico da Linguística Cognitiva fundamenta uma ampla variedade de investigações que abrangem diferentes aspectos cognitivos, tais como: a estruturação e representação do conhecimento, os processos que envolvem a linguagem e a aprendizagem, os mecanismos que viabilizam a apreensão da experiência humana, assim como aqueles que contribuem para a compreensão de sua vivência biológica, afetiva, social e cultural. Os pressupostos dessa nova ciência fundamentam-se na perspectiva filosófica do Experiencialismo ou Realismo Corporificado (JOHNSON, 1987; LAKOFF, 1987), contrapondo-se aos do modelo gerativista. Esse aparato teórico resulta da profícua relação de simbiose com as suas áreas afins, assim como do reconhecimento da estreita relação existente entre a cognição de um indivíduo e a sua experiência corpórea e sociocultural, na interação corpo-mundo em que a linguagem faz a intermediação.

Como ciência, a Linguística Cognitiva funda seus alicerces no entendimento de que “a mente é inerentemente corporificada, o pensamento é, em grande parte, inconsciente, e os conceitos abstratos são amplamente metafóricos”18 (LAKOFF; JOHNSON, 1999, p. 3, tradução nossa), reiterando que a experiência é fundamental para a constituição da linguagem e do pensamento, ambos partes integrantes da cognição, assim como para a experiência sociocultural humana e seu fenômeno de categorização da realidade.

Com um arcabouço teórico de caráter fundamentalmente dinâmico que se insere no âmbito da Ciência Cognitiva e reconhecida por Lakoff e Johnson (1999, p. 568, tradução nossa) como “[...] a ciência da mente e do cérebro”19, a Linguística

Cognitiva apresenta-se, definitivamente, como uma nova proposta de análise dos fenômenos linguísticos. Seu objetivo, segundo Macedo (2008, p. 30), “[...] não é a mera descrição da arquitetura da linguagem e do conhecimento, mas sim entender a estreita relação entre cognição e linguagem.” A linguagem humana passa então, nesse cenário, a ser entendida não só somente como uma exteriorização de experiências de ordem corpórea, afetiva e sociocultural, mas também como parte integrante do conhecimento, da estrutura conceitual e do processamento cognitivo.

18[…] The mind is inherently embodied. Thought is mostly unconscious. Abstract concepts

are largely metaphorical .(LAKOFF; JOHNSON, 1999, p. 3).

73 A linguagem figurada, mais especialmente a metáfora, em grande evidência, é então alçada a um patamar de maior abrangência e importância, tornando-se objeto de estudo, cada vez mais frequente, nas pesquisas voltadas para a compreensão de alguns de seus aspectos, tais como: o papel desempenhado na formação de conceitos e o processo de categorização.

Assim, no âmbito da Linguística Cognitiva, em meio a tendências diversas, teóricos de diferentes linhas e investigações com enfoque em aspectos específicos, destacaram-se, dentre outras, as pesquisas desenvolvidas em áreas tais como: a teoria dos protótipos, com os trabalhos de Rosch (1975), Geeraerts (1988a, 1988b, 1989, 1992, 1995, 1997), Taylor (1989), e Kleiber (1990); a semântica cognitiva, com os de Fauconnier (1984), Fillmore (1985), Lakoff (1987), Langacker (1987, 1991b), Talmy (2000); a teoria da metáfora, com os estudos de Lakoff e Johnson (1980, 1999), Johnson (1981), Lakoff (1987, 1990, 1993); a gramática cognitiva, com os de Langacker (1987, 1991a, 1991b); a gramática das construções, com as investigações de Fillmore, Kay e O’Connor (1988) e Goldberg (1995); e, por fim, a teoria da gramaticalização, com os trabalhos de Hopper e Thompson (1985), Hopper (1987), Sweetser (1990) e Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991). Dentre os aspectos metafóricos analisados, destacam-se a prototipicidade, os modelos cognitivos, a polissemia, os esquemas imagéticos e as imagens mentais.

Assim, enquanto na década de 70 surgem os trabalhos pioneiros na Linguística Cognitiva, na década de 80, essa nova ciência apresenta, especialmente na América e na Europa, uma expansão significativa que se estende à década seguinte, com estudos que são hoje referências indiscutíveis desse paradigma e tem definido como seu marco inicial a publicação de Metaphors we live by, de Lakoff e Johnson (1980). Na década de 90, a Linguística Cognitiva destaca-se, segundo Silva20 (1997), por sua institucionalização como ciência, com a criação de sua primeira associação, além da publicação de sua primeira revista e de sua primeira coleção de trabalhos científicos.

Destacamos que, dentre os estudos desenvolvidos sobre a cognição, foram os trabalhos seminais de Lakoff e Johnson (1980) aqueles que marcaram o

20É somente em 1990 que a Linguística Cognitiva se institucionaliza, com a criação da

“International Cognitive LInguistic Association, da revista “Cognitive Linguistic” e da coleção “Cognitive Linguistic Research”que teve como editores René Dirven e Ronald Langacker e foi publicada por Mouton de Gruyter. (SILVA, 1997, p. 59).

74 rompimento com a visão clássica da metáfora até então predominante, reposicionando-a no cenário científico existente. Sua proposta, a Teoria da Metáfora Conceitual (TMC), apresentada em Metaphors we live by, reformulando conceitos e quebrando paradigmas, trata a metáfora não somente como uma figura da linguagem, um fenômeno exclusivamente linguístico, mas como parte essencial do nosso pensamento, que desvela as formas como cada indivíduo estabelece suas relações consigo e com o mundo que o cerca, percebendo-o e compreendendo-o em contextos socioculturalmente motivados.

Lakoff e Johnson (1980, 1999) defendem que o sistema conceptual humano, responsável pela formulação de conceitos abstratos, é essencialmente metafórico, isto é, os conceitos abstratos sobre aquilo que nos cerca são formulados por meio de relações metafóricas. Ao apresentar sua tese, deixam a metáfora em evidência como nunca estivera até então. Antes limitada às produções literárias e retóricas e a um público erudito, a metáfora passa, a partir daí, a fazer parte da linguagem cotidiana que é democraticamente acessível a todos os membros de determinada comunidade linguística, contribuindo diretamente para a expressão de suas ideias na sua relação consigo e com o mundo à sua volta.

Segundo Lakoff e Johnson (1980, p. 3, tradução nossa), logo no início da sua obra Metaphors we live by,

Os conceitos que governam nosso pensamento não são apenas uma questão de intelecto, pois governam, também, nosso funcionamento cotidiano, até os detalhes mais corriqueiros. Nossos conceitos estruturam aquilo que percebemos, como nos movimentamos no mundo e como nos relacionamos com outras pessoas. Nosso sistema conceitual desempenha, portanto, um papel central na definição de nossas realidades cotidianas. Se estamos corretos em sugerir que nosso sistema conceitual é amplamente metafórico, então o modo como pensamos, aquilo que experienciamos e aquilo que fazemos diariamente é, em grande medida, uma questão de metáfora.21

Macedo (2006, p. 23) reitera “essa visão diferenciada da metáfora” proposta e demonstrada, através de uma série diversificada de exemplos, por Lakoff

21The concepts that govern our thought are not just matters of the intellect. They also govern

our everyday functioning, down to the most mundane details. Our concepts structure what we perceive, how we get around in the world, and how we relate to other people. Our conceptual system thus plays a central role in defining our everyday realities. If we are right in suggesting that our conceptual system is largely metaphorical, then the way we think, what we experience, and what we do every day is very much a matter of metaphor. (LAKOFF; JOHNSON, 1980, p. 3).

75 e Johnson (1980), ressaltando a sua inegável relevância marcada pela imensa gama de metáforas presentes na linguagem do nosso cotidiano. Assim, nas palavras da autora, a metáfora

[...] deixa de ser meramente uma figura de linguagem, um recurso da retórica para se inserir no âmbito da cognição. A metáfora não é propriedade dos poetas. Usamos expressões metafóricas na linguagem corriqueira e o fazemos grandemente, argumentam os autores, não por algum tipo de decisão consciente, mas porque tais expressões são licenciadas por mapeamentos cognitivos entre domínio fonte e alvo (i.e. as metáforas, propriamente ditas) que nos permitem e são, muitas vezes, o único modo que temos para compreender e fazer sentido do mundo. (MACEDO, 2006, p. 23). Lakoff e Johnson (1980, 1999) desenvolvem, posteriormente, como veremos mais adiante, estudos que aprimoram sua teoria, preenchem lacunas e expandem sua proposta original, abordando aspectos que, inicialmente, não foram suficientemente explorados, ou não foram sequer incluídos ou analisados.

Ressaltamos que muitos outros estudos, inspirados na Teoria da Metáfora Conceitual, de Lakoff e Johnson (1980, 1999), foram desenvolvidos a partir de então, tanto nas últimas décadas do século XX como no início deste, em progressão significativa, nas diferentes áreas da atividade humana, enfocando os mais diversos aspectos desse fenômeno multifacetado que é a metáfora.

Um dos campos em que se destacam estudos sobre a metáfora que são de grande relevância para esta investigação é a Análise do Discurso, como veremos a seguir.