• Nenhum resultado encontrado

Contradições com relação ao contexto histórico-cultural

No documento 1.2 Design de Jogos ( game design ) (páginas 30-33)

Capítulo 1 - Fundamentação Teórica

1.1 Estudos de jogos ( game studies )

1.1.1 Contradições com relação ao contexto histórico-cultural

A dimensão do contexto carrega uma contradição nos estudos de jogos. Por um lado, temos a obra seminal de Huizinga, que estuda o jogar no âmbito da cultura, busca a função social do lúdico “O objeto de nosso estudo é o jogo como forma específica de a vidade, como ´forma significante`, como função social”, e define o jogar como “uma a vidade livre, conscientemente tomada como ‘não séria’ e exterior à vida habitual” (HUIZINGA, 2001, p.6 e p.16). O autor afirma que

A arena, a mesa de jogo, o círculo mágico, o templo, o palco, a tela, o campo de tênis, o tribunal etc., têm todos a forma e função de terrenos de jogo, isto é, lugares proibidos, isolados, fechados, sagrados, em cujo interior se respeitam determinadas regras. Todos eles são mundos temporários dentro do mundo habitual, dedicados à prá ca de uma a vidade especial. (Huizinga, 2001, p.13)

Com inspiração em Huizinga, Caillois afirma que,

Com efeito, o jogo é essencialmente uma ocupação separada, cuidadosamente isolada do resto da existência, e realizada, em geral dentro de limites precisos, de tempo e lugar. [...] Em todos os casos, o domínio do jogo é, portanto um universo reservado, fechado, protegido. (CAILLOIS, 1991, p. 26)

As citações configuram uma separação entre a a vidade de jogar e a vidades não lúdicas, que foi reforçada no conceito de círculo mágico (SALEN e ZIMMERMAN, 2012, v.1, p.35-36; ZIMMERMAN, 2012) com significa va influência nos estudos de jogos. Entretanto, esse argumento não pode ser generalizado, pois ocorre permeabilidade entre o jogo e o contexto histórico-cultural. Salen e Zimmerman argumentam sobre a relação do mundo ar ficial do jogo com o mundo real, em uma abordagem que sugere “olhar para além do interno”:

É quando exploramos os jogos no campo da cultura que a sobreposição entre o mundo do jogo e o mundo em geral vem à luz. [...] Quando começamos a olhar para além do interno, as qualidades intrínsecas dos jogos em relação às qualidades

15

trazidas para o jogo com base em contextos externos, o foco se estende para dentro do território da cultura. (SALEN; ZIMMERMAN, 2012, v.1, p.120)

Os autores também fazem referência à a vidade de projetar jogos.

Ao considerar os jogos por um ponto de vista cultural, nosso obje vo é entender como o design de jogo, da interação lúdica significa va, engaja os sistemas compar lhados de valor e significado. [...] o vazamento do mundo ar ficial de um jogo no mundo real, esses esquemas destacam os limites variáveis entre os jogos e os contextos em que são jogados e produzidos. O papel do contexto é fundamental para o estudo dos jogos [...]. (SALEN; ZIMMERMAN, 2012, v.1, p.120-21)

Cabe refle r sobre esta contradição. Ao observar as citações, vemos que, Caillois (1991) se refere a a vidade de jogar como uma a vidade fechada com limites precisos de tempo e lugar, uma ocupação separada do resto da existência. Salen e Zimmerman (2012, v. 1, p. 120) dão ênfase ao design de jogos - a a vidade de projetar - com limites variáveis do jogo e seu contexto.

Por um lado temos a visão do jogar como uma a vidade que ocorre em “mundos temporários dentro do mundo habitual” (HUIZINGA, 1991) e por outro lado, temos a visão do projetar como uma a vidade que afeta e é afetada pelo contexto histórico-cultural.

Nesta reflexão consideramos que as a vidades de projetar e de jogar ocorrem em momentos dis ntos: há o momento em que os jogos são concebidos, desenvolvidos, produzidos e lançados; e o momento em que eles são jogados.

Também encontramos dis nção quanto a repe ção e a finitude das a vidades. A a vidade projetual ocorre uma vez e termina quando o produto jogo está concluído, tem um fim definido. A a vidade de jogar é recorrente, ocorre de tempo em tempo pela agência do jogador, é uma a vidade que se repete indefinidamente.

Na a vidade de projetar jogos, os designers desenvolvem o jogo em consonância com outras a vidades, assim, os temas e as mecânicas de jogo são expressões histórico-culturais. Durante o período de projeto, o designer é afetado por todo po coisas a sua volta, até o momento em que considera o jogo pronto para ser lançado. No momento em que o projeto se encerra, as mecânicas ficam estabelecidas e definidas nas regras, o jogo está concluído, a par r daí não mudam mais. As mecânicas e regras formalizadas no jogo podem ficar obsoletas com o passar do tempo, mo vo pelo qual alguns jogos deixam de ser interessantes. Existe assim a relação com o contexto histórico-cultural durante o projeto do jogo que se encerra ao término da a vidade projetual. Por este viés podemos compreender a a vidade de projetar jogos como uma a vidade de criar

16

experiências lúdicas em consonância com as transformações histórico-culturais. E o jogo finalizado como um artefato que vai ser jogado indefinidamente pelos jogadores.

A par r do momento em que o jogo está pronto, a relação com o contexto histórico-cultural ocorre somente pela agência do jogador.

Na a vidade de jogar emerge a dinâmica do jogo. Toda vez que um jogador joga, ele entra no domínio do jogo, uma a vidade lúdica vivida momento-a-momento.

Nesta ocupação cuidadosamente isolada, o jogador dedica sua atenção ao jogar e fica desatento de outros assuntos. É uma a vidade especial realizada no mundo ar ficial do jogo que temporalmente isola o jogador do mundo real. Entretanto, entre um momento do jogar e outro, o jogador está em relação com o mundo habitual e é afetado pelo contexto histórico-cultural. A dinâmica carrega a contradição de separar um sujeito de sua vida habitual, ao pra car uma a vidade realizada dentro de limites de tempo e lugar, com início e fim determinado. A dinâmica do jogo pode separar o jogador do contexto histórico-cultural, mas ao término da a vidade, o jogador retorna levando a experiência do jogo consigo, do mesmo modo que vai levar sua experiência de vida para sua próxima dinâmica de jogo. Sobre esta caracterís ca Huizinga pondera “O jogo tem, por natureza, um ambiente instável. A qualquer momento é possível a ´vida co diana`

reafirmar seus direitos, seja devido a um impacto exterior, que venha interpor o jogo, ou devido a uma quebra nas regras, ou então do interior, devido ao afrouxamento do espírito de jogo, a desilusão, um desencanto” (HUIZINGA, 2001, p.24).

A percepção do interno e do externo no jogo, aponta para as relações internas da a vidade de jogar mo vadas pela situação imaginária que leva a “experiência vivida momento-a-momento” ou seja uma microgênese (COLE, 2007) e o ambiente externo com camadas de relações possíveis de se estabelecer com esta microgênese. Estes aspectos que serão aprofundados adiante (item 1.6).

Por fim, o designer projeta uma situação imaginária de jogo com regras, mecânicas e componentes em consonância com o contexto histórico-cultural que se encerra ao término do projeto. Por sua vez, o jogador ao jogar, vive a situação imaginária do jogo, entretanto, seus comportamentos e ações no jogo são afetados por sua experiência de vida, pois ele é um sujeito situado histórico-culturalmente.

17

No documento 1.2 Design de Jogos ( game design ) (páginas 30-33)