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3.3. Alguns Instrumentos para Combater a Crise

3.3.2. Os Contratos de Transmissão Televisiva

3.3.2.1. Evolução de Um Meio (Actualmente) Rentável

Um dos meios de financiamento mais rentáveis para as sociedades desportivas e que permite que as mesmas tenham algum incremento financeiro reside na obtenção de receitas através dos contratos estabelecidos para a transmissão dos desafios.296

Todavia, nem sempre foi assim, e até ao início dos anos oitenta, pelos (poucos!) jogos que eram transmitidos, a entidade difusora nada pagava pela sua transmissão, o que para os clubes que actuavam representava um duplo prejuízo: nada recebiam por deixar os seus desafios entrar pela casa das pessoas e simultaneamente perdiam receitas provenientes de bilheteira e que, naqueles anos, consistia a principal fonte de subsistência dos mesmos297. Tal, originaria grandes revoltas por parte dos clubes que demonstraram a sua discordância pelo modelo, originando que para a transmissão dos desafios as entidades difusoras pagassem montantes que acabariam por colocar as receitas de bilheteira (quase!) em segundo plano.

3.3.2.2. Sujeitos Intervenientes

Em Portugal, este tipo de contratos são negociados individualmente por cada clube, que usando do seu interesse para a comunidade de telespectadores que consegue gerar, faz tal facto valer nas negociações que enceta com a entidade titular dos direitos.

Esta negociação, deverá ser feita, com duas empresas298, não existindo intromissão de mais alguma, e que por sua vez cedem esses direitos a um operador privado que detém exclusividade na transmissão dos jogos, e que, como veremos mais adiante, fruto dessa relação tem sido acossada pela Autoridade da Concorrência em virtude dos seus comportamentos.

Existirão, pois, três vértices essenciais para a negociação dos contratos em estudo: os clubes, os operadores televisivos – que poderão ser públicos, privados ou canais codificados299 - e no último os consumidores.

296

Estas receitas são quase uma das maiores entradas financeiras das sociedades desportivas. A título de exemplo, o Futebol Clube do Porto embolsou oitenta e dois milhões e oitocentos mil euros pela renovação do seu contrato até ao final da temporada 2017/18. Cfr.

http://www.jn.pt/PaginaInicial/Desporto/Interior.aspx? content_id=1826226 de 08 de Abril de 2011.

297 Tal, como em Portugal, sucedeu noutros países, como em Espanha. Cfr. ALFREDO RELAÑO, Nacidos Para Incordiarse, Un Siglo de Agravios Entre El Madrid Y El Barça, Ediciones Martinez Roca, pág. 315.

298

A Olivedesportos e a PPTV, que, por sinal possuem o mesmo accionista maioritário.

A relação essencial estabelecer-se-á entre os dois primeiros vértices, pois serão estes a entabular as negociações tendentes à obtenção de uma convergência das declarações negociais tendentes a uma vontade comum e que consequência dessas vontades irão possibilitar que a terceira parte tenha acesso ao espectáculo desportivo.

Todavia, em Portugal, tal não tem funcionado de modo tão linear, quanto as nossas alocuções poderão deixar transparecer.

Com efeito, as dívidas das sociedades desportivas e a sua parca liquidez têm sido conducentes a uma situação de quase submissão das sociedades, que, fruto da necessidade de dinheiro, se vêem na contingência de negociar contratos plurianuais com as empresas detentoras dos direitos televisivos300. Estas, para tornar as sociedades ainda mais condicionadas, adiantam as quantias contratualizadas.

3.3.2.3. Negociação Centralizada: A melhor Solução?

Uma das grandes batalhas dos pequenos clubes passa, neste momento, pela negociação centralizada 301 dos direitos televisivos, ao invés de tal ocorrer individualmente e com os principais clubes. Esta última hipótese tem feito esgotar o plafond da entidade compradora para obter os direitos dos jogos mais importantes, limitando os montantes auferidos pelas equipas menos relevantes.

Através desta, as sociedades transmitiriam os seus direitos à Liga de Clubes onde se encontram inseridos, cuja titularidade passaria para esta302 que distribuiria por todos as quantias recebidas, de modo proporcional.

Todavia, tal aposta ainda não se concretizou, o que tem originado graves assimetrias no desporto profissional, quase permitindo a determinados clubes sustentarem os seus orçamentos com as receitas televisivas e outros não terem montantes que lhe permitam ter contas limpas, equipas competitivas capazes de gerarem proventos303 e

300 Cfr. http://leaodaestrela.blogspot.pt/2010/05/perguntas-e-respostas-sobre-direitos.html.

301 O presidente da LPFP foi mandatado em 29 de Junho de 2012 para encetar negociações para a centralização dos direitos televisivos

com a operadora, Olivedesportos, Cfr. http://www.maisfutebol.iol.pt/liga-mario-figueiredo-direitos-televisivos- olivedesportos/520e1fd2300461a271a7f7c3.html de 29 de Junho de 2012.

302

Cfr. PEDRO ANTÓNIO MAIA OLIVEIRA, “A Negociação Centralizada de Direitos Televisivos Na Óptica Do Direito Da Concorrência” in http://www.verbojuridico.com/doutrina/2009/maiaoliveira_direitostelevisivos.pdf

303 Mário Figueiredo, presidente da LPFP, nas jornadas dos dez anos da revista Desporto & Direito, afirmou que “entre 2006 e 2011, a operadora que detém os direitos de transmissão televisiva arrecadou 150 milhões. É preciso dar a entender a importância que têm as receitas televisivas para os clubes e, neste momento, estão a fugir ao futebol mais de 30 milhões que fazem falta.” Cfr. http://www.dnoticias.pt/actualidade/desporto/411554-centralizacao-dos-direitos-televisivos-e-apostas-dariam-receitas-de-50-m de 17

tornando os campeonatos cada vez mais competitivos e capazes de gerarem mais receitas.304

3.3.2.4. E nas Regras de Concorrência: Haverá Abuso de Posição Dominante?

O modo de negociação dos direitos televisivos, tal como é realizado, constitui uma violação dos princípios da concorrência comunitários, por abuso da posição dominante, já que apenas um operador controla os contratos e as transmissões televisivas dos espectáculos futebolísticos, gerindo as mesmas consoante as suas opções, interesses e vontades.305

Tal abuso de posição dominante consistirá na utilização indevida da sua posição no mercado, resultando na exploração dos outros agentes económicos306, impedindo um clima de concorrência em que as sociedades desportivas poderão fazer valer os seus direitos.

Poderá abranger “a imposição de preços e compra e venda ou outras condições não equitativas, a limitação de produção, distribuição ou desenvolvimento técnico, as práticas discriminatórias e as cláusulas de subordinação.”307

Tal conceito, aproxima-se, por esta razão, da ideia de poder económico, já que quanto mais poder a empresa dominante possuir, mais capacidade terá para determinar preços e controlar o mercado, subvertendo as regras mais basilares de mercado e da concorrência.

Concorrência, essa, que poderá ser definida como “o mecanismo básico de funcionamento da economia de mercado. É o mecanismo em que cada empresa decide autonomamente das suas concorrentes as variáveis sob o seu controlo, tais como preços, quantidades, investimentos, mercados geográficos e de clientes, actividades de marketing, de forma a maximizar o lucro dessa mesma empresa. Através deste mecanismo dá-se a descentralização das decisões de produção, investimento e consumo

304 O próprio presidente da FPF, Fernando Gomes, defendeu que “deve existir uma centralização de direitos. Sou apologista que a centralização de direitos [televisivos] tem vantagens ao permitir uma melhor repartição desses direitos, algo que tem a ver com a competição global.” Cfr. http://expresso.sapo.pt/presidente-da-fpf-defende-centralizacao-dos-direitos-televisivos-no-futebol=f827439

de 26 de Agosto de 2013.

305

Após uma investigação iniciada em Julho de 2010, na sequência de uma denúncia da Cabovisão, a AdC aplicou à Sport TV, a 20 de Junho, uma coima de € 3.730.000, por abuso de posição dominante no mercado nacional de canais de acesso condicionado com conteúdos desportivos premium. A empresa é acusada de ter implementado um sistema de remuneração discriminatório nos seus contratos de distribuição dos canais de televisão Sport TV

306 Cfr. http://www.concorrencia.pt/vPT/Praticas_Proibidas/Praticas_Restritivas_da_Concorrencia/Abuso_de_ posicao_dominante/ Paginas/Abuso-de-posicao-dominante.aspx.

dos diversos produtos e serviços que satisfazem as necessidades humanas, segundo a alternativa mais eficiente, tendo em conta a restrição da escassez de recursos.”308

Ocorrendo tais preceitos, estaremos perante uma verdadeira economia de mercado. Tal ocorre quando os agentes podem actuar livremente, num modelo de concorrência perfeita, com uma homogeneização de bens transaccionados, livre entrada e saída de produtores e consumidores e transparência da informação para todos os intervenientes.309

Este fenómeno concorrencial deverá, nas palavras de Abel Mateus, funcionar “ex post e sanciona comportamentos quando existe violação da lei da concorrência.”310

Existindo essa hipótese de economia de mercado, duas soluções para a maximização dos proventos das sociedades desportivas e consequente saneamento financeiro destas, apareceriam: a centralização dos direitos televisivos, ou a possibilidade de as entidades desportivas escolherem livremente com que operador televisivo pretenderiam negociar, optando pela melhor oferta, acabando de vez com a situação de monopólio de mercado311. Esta hipótese, agora aventada, tornaria a distribuição das quantias mais equitativa e justa, beneficiando, pois, os pequenos clubes que teriam direito a mais dinheiro.

Porém, as entidades decisórias portuguesas têm evitado dar tal passo e têm possibilitado uma verdadeira situação de monopólio, em que apenas um produtor domina o mercado, possuindo o controlo absoluto da oferta, sem qualquer concorrência e fixando os valores de mercado.312

3.3.2.5. O Artigo 101º TFUE: Uma Acha para a Polémica?

Uma das questões mais polémicas quanto ao modelo avançado, reside na hipotética aplicação do artigo 101º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) que no seu nº 1 determina a incompatibilidade e a proibição dos acordos entre empresas com o intuito de impedir, restringir os falsear a concorrência nos mercados, estatuindo no nº 2 do mesmo disposto legal que tais acordos serão nulos.

308 Cfr. ABEL M. MATEUS “Sobre Os Fundamentos Do Direito E Economia Da Concorrência”, http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=31559&idsc=54103&ida=54128.

309 Cfr. MARIA MANUELA MARQUES LEITÃO, Um Curso de Direito da Concorrência, 2002, Coimbra Editora, pág.117. 310 Cfr. ABEL M. MATEUS, “Economia E Direito da Concorrência e Regulação” in Sub Judice nº 40, 2007, Julho – Setembro, Almedina, pág. 11 e ss.

311 Cfr. http://www.publico.pt/noticia/direitos-de-televisao-centralizados-valem-120-milhoes-de-euros-1562516 de 11 de Setembro de

2012.

Todavia, o nº 3 do referido artigo, excepciona tal consequência afirmando que poderão existir acordos a que não se aplique a proibição desde que os acordos contribuam para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou económico, contanto que ao utilizador seja reservada uma parte equitativa dos lucros.

Surge, por isso, a questão, se esta excepção será aplicável aos contratos efectuados entre uma entidade representativa e aglutinadora dos clubes sem cair na sanção de nulidade prevista no nº 2 do artigo.

E, tudo leva a crer que tais acordos poderão ser integrados na norma excepcional do nº3, desde logo por “a Comissão (...) considerar a venda conjunta compatível com os Tratados sempre que seja considerada, naquele contexto específico, necessária para que sejam obtidos determinados ganhos de eficiência e benefícios para os consumidores, sem que se permita uma eliminação significativa da concorrência, ao abrigo do nº3 do artigo 101º do TFUE, e desde que sejam adoptadas determinadas medidas para garantir que a restrição da concorrência no mercado não vai além do que é estritamente necessário.”313

Tal assentimento da Comissão permitirá “contribuir para a protecção do princípio da solidariedade desportiva, através da redistribuição do valor gerado com a venda conjunta dos direitos pelos vários clubes, princípio fundamental à manutenção de campeonatos competitivos e à imprevisibilidade dos resultados.”314

De modo, a garantir essas premissas deverão ser realizados concursos abertos a todas as entidades, que poderão escolher entre vários pacotes oferecidos, bem como permitir que os direitos não comercializados sejam explorados pelos clubes, tendo estes um papel interventivo nessa exploração.

3.3.2.6. O Modelo Centralizado no Exterior

Importará, pois, seguir os modelos propugnados no estrangeiro, à excepção de Espanha315, e que seguem a lógica da venda centralizada e com vários operadores a terem

313 Cfr. JOANA FREIRE PAIS DE ALMEIDA, “ Desporto E União Europeia. A Venda Colectiva Dos Direitos De Transmissão

Televisiva De Eventos Desportivos E A Concorrência. O Mercado Português: A Televisão e o Futebol.” in Desporto &Direito, nº30, Ano X, Maio/Agosto 2014, Coimbra Editora, págs. 249 e ss.

314 Cfr. ob.cit..

315 Em Espanha, os clubes, à excepção de Real Madrid e Barcelona, chegaram a recusar-se principiar o campeonato, em virtude dos

dois principais clubes açambarcarem a maior parte dos direitos televisivos, originando uma diferença competitiva relevante fruto dessa diferença de valores. Cfr. http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/detalhe/guerra_dos_direitos_televisivos_ameaccedila_arranque_

intervenção na aquisição dos direitos316, para se ter uma liga mais competitiva, com melhores espectáculos e geradora de receitas importantes para todas as sociedades desportivas intervenientes na competição.

Aliás, a título exemplificativo, ousaremos apresentar o modelo inglês que poderia servir na perfeição ao nosso país, permitindo o desenvolvimento financeiro das nossas sociedades desportivas.

Ipso modo, os direitos televisivos serão negociados conjuntamente por todas as equipas da competição, sendo que por regras de uma concorrência límpida e eficaz, os direitos não poderão ser adquiridos, apenas, por um operador. Por essa razão, além da companhia principal – que é a British Sky Broadcasting - outras – ESPN e BBC – adquirem direitos sobre os desafios não adquiridos pela principal.

O dinheiro resultante dessa negociação com a liga inglesa será depois divididos pelos integrantes das competições profissionais de modo exemplar e tendente a possibilitar a sobrevivência dos clubes. Assim, metade da quantia obtida será divida em partes iguais por todas as equipas da liga. O montante remanescente será dividido atendendo a variáveis como a classificação na temporada desportiva anterior, o número de partidas transmitidas e os níveis de audiência atingidos. Deste modo, evitam-se situações de favorecimento de alguns clubes em detrimento dos demais, permitindo-se uma competição sã e em que todas as sociedades obtêm rendimentos paritários e capazes de contribuírem para a sua solvência.317