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O decreto-Lei 10/2013 de 25 de Janeiro, como já vimos, no seu artigo 2º prevê a possibilidade de os clubes que disputam competições profissionais adoptarem uma de duas formas societárias: sociedade anónima desportiva ou sociedade desportiva unipessoal por quotas.

Seguindo a possibilidade facultada pelo supra citado disposto legal, urge tentar estabelecer as dissemelhanças entre os dois modelos em confronto, procurando determinar a relevância de ambos no panorama jurídico desportivo actual.

Antes de mais importará ter bem presente que todas as sociedades, qualquer que seja o tipo que assumam, terão como escopo a obtenção, através do exercício estabelecido no objecto social, de lucros e a sua repartição pelos sócios ou accionistas.88

Tal propósito será conducente à definição dada por Coutinho de Abreu que “sociedade é a entidade que, composta por um ou mais sujeitos (sócio(s)), tem um património autónomo para o exercício de actividade económica que não é de mera fruição, a fim de (em regra) obter lucros89 e atribuí-los ao(s) sócio(s) – ficando este(s), todavia, sujeito(s) a perdas.”90

A definição apresentada aproxima-se, indubitavelmente, do que o legislador pretende ao determinar que os clubes profissionais assumam a forma mencionada.

Como já referimos, o artigo 2º do diploma em questão pretende que os clubes autonomizem o património afecto às modalidades profissionais, tendo orçamentos claros, uma política fiscal idónea e concomitantemente obtendo lucros que, em última ratio, deveriam ser distribuídos pelos accionistas (no caso da SAD) – o lucro subjectivo - ou reverterem para o titular da quota única (no caso da SDUQ). O aspecto comum entre ambos os paradigmas reside, pois, no objectivo mais essencial de qualquer sociedade: a obtenção de dividendos.

Quanto às sociedades unipessoais por quotas, o regime é bastante mais simplificado, pois, como postula o artigo 11º do decreto regulador desta matéria, o capital deve ser representado por uma quota única pertencente exclusivamente ao clube que constitui a sociedade. Essa quota poderá ter um valor mínimo inferior ao capital

88 Cfr JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU Curso De Direito Comercial Vol II. Das Sociedades, Almedina, Janeiro 2002,

pág. 14 “ o fim social não se basta (...) com a persecução de lucros, exige ainda a intenção de os dividir pelos sócios.

89 Cfr. ANTÓNIA PEREIRA O Direito Aos Lucros nas Sociedades Desportivas em Portugal, Quid Juris, 2003., pág. 151, a autora

refere que o lucro se divide em lucro objectivo relacionado com a produção do mesmo e a sua repartição pelos sócios atinente ao lucro subjectivo.

90 Cfr. JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU Curso De Direito Comercial Vol II. Das Sociedades, Almedina, Janeiro 2002,

subscrito para a constituição de uma sociedade anónima desportiva91. Este preceito deve-se a uma razão óbvia: ao contrário das SAD, na SDUQ não entrarão hipotéticos investidores capazes de adquirirem grande parte do capital.

Por essa razão, Paulo de Tarso Domingues, emérito mestre em Direito Comercial, defende que o recurso por este modelo societário é incompreensível, visto poder ter sido prevista a possibilidade do recurso a sociedades anónimas unipessoais, o que não foi feito.

Tal opção permitiria que existisse um modelo para todos os clubes, podendo como sucede nas SDUQ, o clube ficar como accionista único. Tal iria permitir que continuasse a controlar os seus destinos, sem a intromissão de capitais externos.92

Assim, nesta hipótese de sociedade anónima bem como na legalmente prevista SDUQ, manter-se-ia a o controlo financeiro e administrativo nas mãos da outrora associação desportiva. Ora, apesar de entendermos a pertinência da argumentação, julgamos que o legislador optou por este modelo por uma razão simples e de fácil interpretação: as SAD seriam o modelo societário a seguir pelos clubes que pretendessem atrair capital externo enquanto as SDUQ seria o modelo a seguir para os que pretendiam manter em si o controlo da parte comercial e profissional decorrente do clube, sem intenção de procurarem terceiros para investir capital.

Relativamente à quota decorrente da SDUQ, como regula o número 1 do artigo 14º DL, esta será intransmissível, ao invés das acções da SAD cujo objectivo é a sua constante transmissibilidade, pois tal será indiciador da sua procura e da sua valia.. Por essa razão, também, o CSC propugna no seu artigo 328º pela livre transmissibilidade das acções.

O princípio de intransmissibilidade de quotas, já mencionado, colide frontalmente com o regulado para as sociedades unipessoais por quotas exclusivamente reguladas no CSC pois, apesar de fortemente condicionada, a transmissibilidade será possível através do instituto regulado no artigo 270º-D, o que como já vimos não será possível nas SDUQ.94

91 Segundo o artigo 7º do DL, no momento da constituição, o valor mínimo do capital social das sociedades participantes nas

competições profissionais de futebol é distinto consoante o modelo adoptado. Assim, caso se trate de SAD o valor mínimo de capital de uma sociedade integrante da I Liga será de um milhão de euros, mas de, apenas, duzentos e cinquenta mil euros se for uma sociedade unipessoal por quotas. Tal distinção também sucede na II Liga, ainda que os valores sejam menos elevados.

92 Tal hipótese foi aventada no IV Congresso de Direito do Desporto que decorreu em 14 de Março de 2014, em Lisboa, num Painel

denominado de Competição Desportiva e que o conferencista discorreu sobre “A Sociedade Comercial Desportiva”.

94 Seguindo os ensinamentos de Paulo Olavo Cunha in ob cit. pág.375 inexistindo qualquer disposição referente a isso nos estatutos

Não se pense, contudo, que a intransmissibilidade de quotas é conducente a alguma ideia de irreversibilidade da SDUQ, incapaz de evoluir ou de se transformar. Esta ideia é reforçada pelo nº3 do referido artigo 11º que abre a hipótese deste tipo societário realizar operações de aumento de capital – uma banalidade nas SAD -, mas desde que tais actos sejam tendentes à transformação em sociedade anónima.95

Ao invés, a sociedade anónima desportiva realiza o seu capital social através da subscrição de acções, que serão sempre nominativas. Estas, ao abrigo do artigo 10º serão de duas categorias: categoria A que são subscritas pelo clube fundador e de categoria B pelos restantes subscritores.

Como refere, Ricardo Candeias “as situações de vantagem caracterizadoras das acções da categoria A consistem na insusceptibilidade de apreensão judicial ou oneração (excepto quando a favor de pessoas colectivas de direito público) e na atribuição ao seu titular: i) do poder de designar (pelo menos) um dos membros do órgão de administração; ii)e do direito de veto de deliberações que alterem a “ossatura” da SAD.”96

Tal questão da impenhorabilidade das acções do clube foi alvo de controvérsia, chegando mesmo a ser levantada a sua constitucionalidade e dando origem a um aresto jurisprudencial que retirou todas as dúvidas pugnando pela constitucionalidade da impenhorabilidade das acções da categoria A.97 Aliás, tal como Ricardo Costa refere “o (outrora) artigo 12º, nº2, do RJSAD é (...) uma dessas normas especiais, constituindo uma situação (...) de impenhorabilidade relativa – as acções do clube fundador na SAD só podem ser penhoradas ou arrestadas em determinada circunstância, ditada, na hipótese, pela específica qualidade pública do credor insatisfeito.”98

Além disso, tais títulos atribuem ao clube titular das mesmas o poder de designar um dos membros do órgão de administração do clube e o direito de veto nas decisões que alterem a estrutura da sociedade.

95 Porém, o contrário por motivos óbvios será praticamente impossível. Com efeito, atendendo à dispersão de subscritores de títulos

da sociedade anónima seria quase uma tarefe dantesca a sociedade reunir todos os títulos para ter uma única quota equivalente às outrora 100% de acções. Difícil de suceder, portanto... Aliás, o decreto-lei por sentir essa impossibilidade nem menciona tal possibilidade.

96 Cfr. RICARDO CANDEIAS, Personalização de Equipa e Transformação de Clube Em Sociedade Anónima Desportiva, Coimbra

Editora, Novembro 2000, pág.76.

97

Falamos do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 620/04 em que foi relator o Conselheiro Gil Galvão e que considerou que a distinção entre as acções de categoria A e categoria B não violava o princípio da igualdade pois importava salvaguardar o interesse público já que estas acções funcionariam como uma salvaguarda para o estado. Além disso, permitiria ao clube originário conseguir manter a sua esfera de influência na sociedade desportiva.

98 Cfr. RICARDO COSTA “A Posição Privilegiada do Clube Fundador Na Sociedade Anónima Desportiva” in” I Congresso Direito Desporto,,, Coordenação de Ricardo Costa e Nuno Barbosa, Almedina, Setembro 2005, pag. 167.

Quanto às acções tipo categoria B, as mesmas serão sempre nominativas – nº3 do artigo 10º DL-, permitindo ao emitente conhecer sempre a identidade dos subscritores, sendo que o próprio CSC prevê no seu artigo 299º que em certas situações os títulos devem ser nominativos.