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2.6. Desafios Decorrentes da Constituição da SAD

2.6.3. Do capital social ao seu aumento

O capital social, nas palavras de Paulo Olavo Cunha, é “ a cifra numérica de valor constante em dinheiro expressa em euros correspondente ao património de constituição da empresa”.144

Nas sociedades anónimas desportivas, o artigo 7º RJSAD estabelece o capital que as sociedades deverão obrigatoriamente ter para se constituírem sobre a forma comercial.

Tal montante distingue-se consoante o ente societário desportivo participe na liga principal ou na liga secundária ou decida constituir uma sociedade anónima ou uma sociedade unipessoal por quotas.

Assim, caso o clube que pretenda constituir a sociedade participe na I Liga, a lei prevê que a formação da sociedade anónima tenha como capital mínimo um milhão de euros; caso se trate de uma sociedade unipessoal por quotas o montante mínimo de capital deverá ser de duzentos e cinquenta mil euros. Porém, se o ente societário participar na II Liga, atendendo à menor margem de proventos e receitas, exige-se um capital social menor, que será de duzentos e cinquenta mil euros para as sociedades anónimas e cinquenta mil para as unipessoais por quotas.145

Ora, tais montantes deverão ser realizados em dinheiro ou em espécie, tal como regula o artigo 22º RJSAD, sendo que poderá haver um diferimento por um período de dois anos, nos termos do artigo 9º. A obrigação de entrada de capital constituirá, pois, o elemento patrimonial tendente à constituição da sociedade que deverá ser realizado na data da celebração do contrato social.

Paulo de Tarso Domingues, tem contudo uma posição original que pela sua irreverência merece ser citada e que muitos autores já vêm defendendo, ainda que em relação às sociedades em geral. Com efeito, o Autor, atendendo que o capital social das sociedades comerciais desportivas, em certos casos, é uma mera ficção, entende que o mesmo deveria ser abolido, passando a inexistir qualquer obrigação de capital social mínimo. Tal tese é sustentada pelo facto de os montantes depositados serem imediatamente levantados, não chegando a ficar depositados e por tal possibilidade já

144

Cfr, PAULO OLAVO CUNHA, Direito das Sociedades Comerciais, Almedina, 2006, pág. 365.

145 Acrescente-se que o nº 3 do artigo 7º RJSAD refere que o capital mínimo para as sociedades que se constituam para participar

noutras competições profissionais – em Portugal, só pode referir-se ao basquetebol, única modalidade que constituiu uma Liga profissional – é de duzentos e cinquenta mil euros para as sociedades anónimas e cinquenta mil para as sociedades por quotas unipessoais. Por sua vez, o artigo 8º estipula que é lícita a constituição de sociedades fora das competições profissionais, sendo o capital social mínimo de cinquenta mil euros para as sociedades anónimas e de cinco mil para as unipessoais por quotas.

ser usada nas sociedades comerciais norte-americanas com uma maior transparência do que o que vai ocorrendo no modelo preconizado pelo legislador português.146

Não obstante esta opinião, contrária à postulada no disposto legal, a lei geral prevê que o cumprimento desta obrigação, no que toca às entradas em dinheiro, possa ser diferida para um período posterior, tal como o número 3 do artigo 26º prevê. Depois, mais especificamente, para as sociedades por quotas regem os artigos 202º e 203 CSC e para as sociedades anónimas os artigos 277º e 285º CSC. Refira-se que passado o período legalmente previsto para cumprimento da obrigação, a sociedade deverá interpelar o sócio em mora, sob pena de o accionista refractário ficar sem as acções que se comprometera a subscrever147. Na verdade, este pressuposto para as sociedades desportivas será meramente teórico. Sabendo-se que a maior parte delas suspira por investidores, os que se tenham a comprometido a investir, mesmo que estejam em mora, serão olhados sempre como uma parte importante na reestruturação pretendida, pelo que só num caso excepcional (novos investidores, o que não será muito normal atendendo à dificuldade deste ramo de actividade captar dinheiro) é que as sociedades avançarão para a interpelação. Adoptando tal comportamento, poderá significar a perda definitiva de alguém que numa dada altura se comprometeu com o projecto.

Como vimos mencionando, as outrora associações passaram a ser entes societários. Assim sendo, terão como escopo principal o lucro. O artigo 33º CSC determina, por isso, que os lucros do exercício serão utilizados para cobrir prejuízos transitados ou para formar ou reconstituir reservas impostas por lei ou pelo contrato de sociedade. O nº2 do mesmo artigo complementa os objectivos pretendidos no número anterior afirmando que aos sócios não podem ser distribuídos lucros de exercício enquanto as despesas de constituição, de investigação e de desenvolvimento não estiverem totalmente amortizadas, excepto se o montante das reservas livres e dos resultados transitados for, pelo menos, igual ao dessas despesas não amortizadas.

Atendendo a este regime, importará mencionar que os lucros relevantes para o presente estudo serão os lucros de exercício. Estes consistirão no aumento do

146 Tal hipótese foi aventada no IV Congresso de Direito do Desporto que decorreu em 14 de Março de 2014, em Lisboa, num

Painel denominado de Competição Desportiva e que o conferencista discorreu sobre “A Sociedade Comercial Desportiva”.

147 Para um estudo aprofundado desta matéria, cfr. CATARINA SERRA, Direito Comercial, Noções Fundamentais, Coimbra

património social que ocorre no final do ano económico relativamente ao ano económico anterior.148

Esta definição permitirá calcular a reserva legal149e os lucros distribuíveis (que corresponderão aos lucros de exercício) e que só poderão ser distribuídos quando existiam lucros periódicos ou de balanço. e os outros.

Até pela acepção de lucro150 aqui mencionada, óbvio será que o capital social poderá ser alvo de aumentos durante a vida do ente empresarial desportivo.

Tal dever-se-á à necessidade das sociedades necessitarem de financiamento para prosseguirem a sua actividade, ou então encontrarem-se numa situação financeira em que os capitais disponíveis, inclusivamente após já terem constituído as obrigatórias reservas legais, não lhes permitir enfrentar as exigências financeiras com que se vão deparando.

No RJSAD, tal hipótese vem prevista no artigo 17º e ao contrário do que sucede no anterior diploma regulador deste fenómeno, não se prevê obrigatoriamente um reforço do mesmo.151 Porém, prevêem-se um conjunto de vantagens para os associados do clube fundador e para os anteriores accionistas que terão direito de preferência na aquisição de novas acções, podendo ser definidas condições de aquisição mais onerosas para o público em geral.

Quanto às sociedades unipessoais por quotas, o seu regime é mais claro.

Atendendo ao nº3 do artigo 11º as SDUQ poderão realizar esta operação desde que tal seja instrumental da transformação da sociedade em anónima; ou seja, como já demonstramos existe a possibilidade transformação deste tipo societário em sociedade anónima desportiva. Para isso, óbvio será que existirá a necessidade de procurar capital, investidores, atendendo à abertura ao exterior, o que obrigará à emissão de acções e ao

148 Para demonstrar que esta modalidade de lucro é que interessa para as sociedades anónimas desportivas, atente-se na notícia http://sol.sapo.pt/inicio/Desporto/Interior.aspx?content_id=87754 em que se refere que o FC Porto teve um lucro de vinte milhões

e trezentos mil euros no exercício de 2012/2013.

149 A reserva legal é imposta por lei. Tratam-se de montantes que os sócios não pretendem distribuir e tem como função a cobertura

de perdas ou, simplesmente, na incorporação do património social. A lei regula os montantes mínimos que devem ser retidos e que serão, no mínimo, um quinto do capital social.

150 Tal ideia, apesar de óbvia em qualquer associação, tem sido um dos cavalos de batalha dos, ainda existentes, opositores das

Sociedades Desportivas. Deve-se ao facto de estas ambicionarem um mero fim lucrativo, enquanto os clubes que mantinham o espírito associativo ainda residiam no olimpo do idealismo, pairando num mundo ideal onde o dinheiro não era necessário.. Este argumento é, claramente, falacioso já que mesmo antes do advento das sociedades desportivas as ditas associações procuravam na mesma vender (por muito dinheiro!) os seus melhores activos intangíveis (jogadores), os seus direitos televisivos, os seus espaços publicitários e rentabilizar todos os modos de fazer dinheiro. Se assim não fosse, como o Real Madrid que ainda não é sociedade desportiva contrataria e manteria jogadores como Cristiano Ronaldo ou Gareth Bale? Os puristas e idealistas que respondam que para essa inquietação não temos resposta e julgamos jamais vir a ter.

151

No Decreto-lei nº 67/97, no artigo 9º previa-se, expressamente, o reforço do capital social por forma a perfazer, cinco anos após a respectiva criação, um montante igual a 30% da média do orçamento da sociedade nos primeiros quatro anos da sua existência. Caso tal não sucedesse, a equipa podia ser excluída das competições profissionais. Exceptuava-se a sociedade que deixando de participar nas competições profissionais não tinha de realizar esse reforço. Tal dispositivo desapareceu do novo RJSAD muito pela impossibilidade de os clubes conseguirem cumprir tal preceito, atendendo à súbita obrigatoriedade de se constituírem societariamente.

concomitante aumento de capital; obviamente, tudo após o processo da transformação da SDUQ em SAD.