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Capítulo 1. Para uma definição do conceito de Imagem em Didáctica de Línguas

1.1. Imagem/Representação – um conceito migrante

1.1.2. Contributos das Ciências da Linguagem

É, essencialmente, a partir dos anos 60 que emergem em força estudos acerca das atitudes e representações linguísticas. O desenvolvimento destes estudos associa-se,

especialmente, à Psicologia Social da Linguagem3, à Linguística e, em particular, à Sociolinguística.

No entanto, Calvet (1999b) admite que o domínio das representações linguísticas tem sido um tanto ou quanto negligenciado enquanto objecto de investigação porque, na verdade, tudo o que releva do discurso epilinguístico é frequentemente considerado como não científico. Também Bourdieu sublinha este facto:

“Rien n’est moins innocent que la question, qui divise le monde savant, de savoir s’il faut faire entrer dans le système des critères pertinents non seulement les propriétés dites ‘objectives’ (comme l’ascendance, le territoire, la langue, la réligion, l’activité économique, etc.) mais aussi les propriétés dites ‘subjectives’ (comme le sentiment d’appartenance, etc.), c'est-à-dire les

représentations que les agents sociaux font des divisons de la réalité et qui

contribuent à la réalité des divisions” (1982: 144/145).

Boyer é um autor incontornável quando nos debruçamos sobre os contributos das Ciências da Linguagem para a compreensão das representações das línguas e suas culturas. O autor (1991b) admite que o estudo das atitudes linguísticas e das representações das línguas faz parte integrante do objecto de estudo da Sociolinguística, uma vez que esta disciplina “est inséparablement une linguistique des usages sociaux de la/des langue (s) et des représentations de cette/ces langue(s) et de ses/leurs usages sociaux, qui repère à la fois consensus et conflits et tente donc d’analyser des dynamiques linguistiques et sociales” (op. cit.: 42).

Nesta perspectiva, define representações sociolinguísticas, começando por referir que as representações da língua são uma categoria das representações sociais pelo que, ainda que a noção de representação sociolinguística funcione de forma autónoma nas Ciências da Linguagem, é necessário situá-la no âmbito da Psicologia Social, campo onde

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Destacam-se, neste âmbito, os trabalhos de Gardner & Lambert (1972) acerca das atitudes linguísticas. De facto, a partir dos anos 70 este movimento transforma-se num novo campo de estudo, destacando-se como objectos a aquisição da linguagem, a comunicação interpessoal, a relação linguagem e classes sociais, linguagem e etnia, linguagem e atitudes, o bilinguismo, aspectos temporais do discurso, a alternância códica. Note-se que estes domínios eram já tratados pela Sociolinguística e pela Psicolinguística mas, como refere Lafontaine: “Ce n’est donc pas par son objet d’études que la psychologie sociale du langage se distingue des autres disciplines traitant du langage; c’est dans le point de vue qu’elle adopte sur ces questions que réside sa spécificité ” (1986: 23).

surgiu primeiramente. Desta forma, atribui-lhe as funções apontadas pelos psicólogos sociais: o seu papel na construção da identidade e na reconstrução da realidade social, bem como a sua função cognitiva e de orientação/justificação de condutas e comportamentos comunicacionais.

Segundo Boyer, a Psicologia Social tende a analisar as representações não insistindo nas dinâmicas conflituais dentro das quais funcionam. Já a Sociolinguística tem em conta a sua dinâmica interaccional, mais especificamente a sua construção em situações de conflito, pelo que a sua abordagem é, inegavelmente, diferenciada: “On ne saurait mieux reconnaître que les représentations sont portées par des enjeux et grosses

conflits” (Boyer, 1991b: 41). As representações surgem, então, em contextos que

provocam a sua manifestação, e aqui incluem-se as trocas quotidianas espontâneas. Como refere o autor: “Les ‘ratages’ de toutes sortes, les hésitations, les reprises, les modalisations, les évaluations, les réflexions/commentaires métalinguistiques sont là pour nous rappeler l’autre face de l’activité de parole, celle qui n’est pas forcement quantifiable mais qui n’en est pas moins fortement structurante” (op. cit.: 49).

De igual modo, já Pierre Bourdieu enfatizava a necessidade de “inclure dans le réel la représentation du réel, ou plus exactement la lutte des représentations, au sens d’images mentales, mais aussi de manifestations sociales destinées à manipuler les images mentales” (1982: 136), sublinhando, assim, a importância dada ao tratamento dinâmico das representações sociais e sociolinguísticas, insistindo na sua dimensão conflitual. É muito a partir das ideias de Bourdieu que Boyer e outros sociolinguistas situam as representações na Sociolinguística, tratando-as como estando relacionadas com os comportamentos dos sujeitos em contextos interculturais e analisando situações de diglossia e conflito.

Neste âmbito, Boyer (1991b) defende que, subjacente às representações

sociolinguísticas, está um processo de dominação, influenciado pelas próprias representações, no sentido de inferiorização da língua dominada em situações de diglossia. As representações têm a função essencial de ocultar o conflito diglóssico, ou seja, o domínio de uma língua sobre outra. Assim, as representações sociolinguísticas podem funcionar como ideologias em situações de conflito intercultural integradas em contextos

de diglossia. Lafont (1979: 505, citado em Boyer, 1991b: 47) apresenta a noção de

um sistema de valores linguísticos mas também extralinguísticos, onde tudo o que se relaciona com a língua dominada é desvalorizado através das representações.

De facto, esta área disciplinar considera que as práticas linguísticas são inseparáveis das representações, como explica Lafont (1980: 72, citado em Boyer, 1991b: 47/48): “L’interaction entre les pratiques et la représentation de ces pratiques constitue un ensemble indissociable. Cet ensemble peut être avantageusement considéré comme un texte qui s’actualise dans les occasions langagières…”.

Também Calvet considera que práticas e representações são indissociáveis, distinguindo-as da seguinte forma :

“Du côté des pratiques on trouve bien sûr ce que les locuteurs produisent, la façon dont ils parlent, mais aussi la façon dont ils ‘accommodent’ pour pouvoir communiquer, la façon dont ils adaptent leurs pratiques aux situations de communication, par exemple aux pratiques et aux attentes de l’interlocuteur. Du côté des représentations se trouve la façon dont les locuteurs pensent les pratiques, comment ils se situent par rapport aux autres locuteurs, aux autres pratiques, comment ils situent leur langue par rapport aux autres langues en présence: en bref tout ce qui relève de l’épilinguistique” (1999b: 158).

As representações determinam, então, os julgamentos sobre as línguas que, normalmente, aparecem sob a forma de estereótipos; determinam as atitudes face às línguas e face aos locutores, logo, as condutas linguísticas. É desta forma que agem sobre as práticas, mudando a língua, sendo constituídas pelo conjunto de imagens, posições ideológicas, crenças que os locutores possuem acerca das línguas e das práticas linguísticas (cf. Calvet, 1998).

Neste âmbito, segundo o autor, as représentations linguistiques concernem, pelo menos, três factores: as característicasdas línguas, o seu estatuto e a sua função identitária. Para aceder às representações, o linguista dispõe de duas modalidades: as avaliações e as observações. As avaliações dizem respeito às práticas dos locutores, aos seus julgamentos relativamente a essas práticas e às situações; as observações permitem verificar as avaliações.

Um conceito interessante e útil para compreender a abordagem sociolinguística das representações é o que nos propõe Boyer (1996) de imaginário linguístico, onde inclui as

representações, os valores, as ideologias, os mitos, os estereótipos, atitudes, sentimentos, avaliações, opiniões, comportamentos e produções metalinguísticas.

Assim, deste imaginário farão parte representações partilhadas que define como “… mobilisations généralement implicites d’un sens plus ou moins commun,

représentations intra et intercommunautaires à teneur plus ou moins clairement normative

et présentant un degré de figement plus ou moins important qui se manifestent en discours”

(1998: 6/7). O autor agrupa estas representações em dois grandes estratos que se

interpenetram: um patrimonial, mitológico, emblemático, que inclui, por exemplo, os grandes acontecimentos, os lugares comuns de memória; outro que surge, em grande parte, da sociocultura: as grandes imagens experienciadas por uma comunidade, mais ou menos influenciadas por estereótipos.Estas representações constituem a componente essencial de uma competência cultural. Referindo-se a elas como imaginário colectivo, afirma que os

mass media desempenham um papel essencial de veiculadores de representações, sendo no

estrato patrimonial que a fixação do imaginário colectivo é mais importante.

No entanto, este processo de fixação está também presente no estrato sociocultural, uma vez que, na comunicação, se constroem e circulam estereótipos diversos. Fala, deste modo, em imaginário etnosociocultural que tem como objecto não apenas a(s) identidade(s) de uma comunidade (auto-representações) mas também a(s) identidade(s) do Outro (hetero-representações). A partir da análise de alguns questionários de doutorandos seus, Boyer aponta alguns campos representacionais das hetero-representações (1998: 9):

- Percepção globalizante do povo e do país (clima, religião dominante, situação económica, mentalidade…).

- Identificação institucional, etnográfica, folclórica, gastronómica, turística.

- Património cultural: obras, acontecimentos, datas, objectos… - Localização geográfica e/ou geopolítica.

- Caracterização a partir da língua do país, palavras ou expressões tomadas por empréstimo desta língua.

- Alusões à situação, às relações inter-comunitárias.

Conclui que qualquer representação sociolinguística que exista numa comunidade é dotada de um certo grau de normatividade e coloca, ainda, a hipótese de que

“la teneur en normativité n’est pas sans rapport avec le degré de figement dont il a été question plus haut: le stéréotypage est fondamentalement normatif (tout comme du reste l’emblématisation ou la mythification) et c’est bien l’un de ses fonctionnements naturels, si l’on peut dire, que d’affecter (plus ou moins ouvertement) une évaluation (plus ou moins positive, plus ou moins négative) admise par l’ensemble de la Communauté ou tel groupe au sein de la Communauté, et donc indiscutable, à un type d’individu, un type de objet, un type de fait, un type de trait… ” (op. cit.: 9).

O autor considera que as representações sociolinguísticas, que se encontram no nosso imaginário etnosociocultural colectivo, se relacionam com as representações patrimoniais. Por isso, as representações partilhadas (intra e interlinguísticas) ocupam um lugar central na descrição deste imaginário. Apresenta, desta forma, o seguinte esquema:

Figura 2. L’imaginaire ethnosocioculturel collectif

(adaptado de Boyer, 1998: 11)

Deste modo, Boyer situa a problemática das representações sociolinguísticas, componentes integrantes do imaginário etnosociocultural colectivo, como um dos grandes

domínios da Sociolinguística (a par com a variação linguística, o tratamento do plurilinguismo e a economia sociopragmática das trocas linguísticas e dos discursos sociais). Segundo o autor, as representações partilhadas constituem, então, a base do núcleo dos imaginários linguísticos etnosocioculturais (que por sua vez, incluem todo um conjunto de factores atrás mencionados, e que influenciarão as práticas sociolinguísticas).

Por sua vez, Branca-Rosoff (1996:79) não distingue representações sociolinguísticas de imaginários linguísticos:

“Les notions de représentation et d’imaginaire langagiers désignent l’ensemble des images que les locuteurs associent aux langues qu’ils pratiquent, qu’il s’agisse de valeur, d’esthétique, de sentiment normatif, ou plus largement métalinguistique. Elles permettent de sortir de l’opposition radicale entre le ‘réel’, les faits objectifs dégagés par la description linguistique, et ‘l’idéologique’, les considérations normatives comme représentations fausses, représentations-écrans.”

A autora enfatiza a eficácia social das representações, defendendo que as esquematizações sociais do real constituem formas colectivas de conhecimento que permitem a comunicação no interior de uma comunidade. É nesta perspectiva que a Sociolinguística se interessa, particularmente, por opiniões estereotipadas que conduzem a determinadas práticas.

Nesta linha, Boyer & Lamuela (1996) defendem que as representações sociolinguísticas desempenham um peso muito importante nas políticas linguísticas e na análise de situações comunicativas conflituosas, pois estas são alimentadas por valores sociolinguísticos, atitudes, ideologias mais ou menos consensuais.

Numa outra perspectiva situam-se os trabalhos sobre a diglossia e conflito intercultural, analisando a relação entre representações e segurança/insegurança linguística, na medida em que estas podem revelar esta segurança/insegurança em diferentes domínios, tendo um efeito de retroacção sobre as utilizações. É, então, no seio do estudo das representações linguísticas que surge o conceito de insegurança linguística, introduzido por Labov em 1964, num dos seus primeiros textos que retoma em Sociolinguistic Patterns (1981). Nestes primeiros textos do autor, o conceito referia-se, apenas, a uma variação estilística, ao reconhecimento de uma norma exterior. A noção parecia estabelecer uma

inglesa apenas) e para Labov servia, essencialmente, como uma forma de abordagem para as suas investigações no âmbito da estratificação social e da explicação para as mudanças linguísticas. Trata-se, pois, de uma abordagem, essencialmente, intralinguística. Já Calvet (1998) considera que a insegurança linguística pode resultar não apenas da comparação entre os diferentes tipos de norma (objectiva, subjectiva e prescritiva, ver Rey, 1972, citado em Calvet, 1998: 13) e variações de uma mesma língua – variações intralinguísticas – mas também de relações interlinguísticas, sendo, por isso, produto do plurilinguismo.

Sintetizando, podemos afirmar que, na definição e tratamento do conceito sobre o qual nos debruçamos, as Ciências da Linguagem apontam algumas trajectórias que vão estar presentes na DL. Por exemplo, a ênfase dada a uma perspectiva interaccionista, ou seja, ao tratamento das representações na dinâmica da (re)construção interaccional; a co- relação entre comportamentos e representações, uma vez que estas determinam as atitudes face ao Outro e a relação entre as representações e os usos sociais das línguas.