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Capítulo 2. Alguns estudos sobre as Imagens das línguas e sua aprendizagem

2.1. Natureza das Imagens

2.1.5. Imagens das línguas em contacto

Diferentes estudos sobre as imagens das línguas e do bilinguismo/plurilinguismo, efectuados em diversos países da Europa, evidenciam um certo número de traços constitutivos dessas imagens. Entre eles podemos encontrar “…des configurations particulières, faisant intervenir le positionnement personnel des locuteurs, ainsi que leur perception des enjeux sociaux des langues, en lien avec les politiques linguistiques et éducatives privilégiées dans les différents contextes” (Castellotti & Moore, 2002: 10).

Como já fomos referindo no primeiro capítulo, as imagens são elaboradas a partir de um processo no qual a experiência pessoal dos sujeitos funciona como base de avaliações e comparações. Assim, torna-se útil verificar de que forma é que os sujeitos percepcionam o contacto entre as línguas e elaboram representações relativamente à pluralidade linguística.

Matthey (2000) estudou as representações do bilinguismo e da aprendizagem das línguas por parte de alunos, professores e formadores, de forma a verificar a existência de traços do senso comum sobre o bilinguismo no discurso de diferentes actores do sistema educativo. Realizou, então, uma entrevista em grupo a partir de desencadeadores polémicos, para que fossem os entrevistados a auto-gerirem a interacção e de forma a levá-

los a desenvolver uma estratégia argumentativa. Concluiu que as imagens face ao bilinguismo são positivas nos três grupos, uma vez que estes refutaram largamente a afirmação de que o bilinguismo poderia ser cognitivamente perigoso para o indivíduo. O posicionamento de relativização da importância do domínio de uma língua por parte dos sujeitos corresponde, segundo a autora, às definições contemporâneas do bilinguismo “ qui mettent l’accent sur l’usage régulier de deux langues (…) plutôt que sur la notion de ‘compétence native’” (op. cit.: 494).

Castellotti, Coste & Moore (2001) investigaram as imagens das línguas em contacto no que concerne ao plurilinguismo e à competência plurilingue. Tentaram verificar que comparações são estabelecidas entre as línguas e como a proximidade entre elas é construída. Os sujeitos envolvidos no estudo foram aprendentes franceses de diferentes LE, de idades diversas e com LM distintas. Foram dados questionários aos sujeitos adultos e às crianças foi pedido que desenhassem (“Dessinez-vous en train d’apprendre une langue”; “Dessinez comment c’est dans la tête de quelqu’un qui parle plusieurs langues”). Para além disso, foram ainda realizadas tarefas de aproximação a documentos plurilingues e entrevistas semi-estruturadas.

Relativamente à distância/proximidade linguística, os autores concluíram que “… pour un même individu, une langue peut sembler proche sous tel angle, lointaine sous tel autre” (op. cit.: 108). No caso das crianças, as LR são vistas, umas vezes, como próximas, outras vezes, como distantes (próximas em função de características linguísticas e distantes em função de características culturais). Estas relações contraditórias entre as dimensões linguística e cultural são também visíveis nos adultos que demonstram que, muitas vezes, os factores de distância são de ordem essencialmente extra-linguística. Os adultos revelaram três perfis de resposta quanto à utilização das línguas: um “point de vue descriptif”, um “point de vue d’usager” e um “point de vue d’apprenant” (op. cit.: 110- 111). A questão da distância/familiaridade pode explicar as representações construídas relativamente às línguas. Os desenhos feitos pelas crianças deixam transparecer fronteiras, limites, posicionamentos relativamente às diferentes línguas e, também, a ideia de que cada uma ocupa uma área bem específica e distinta das outras. A associação de uma língua/país deixa visível o carácter monolingue das representações do plurilinguismo. De facto, vários estudos mostram que as crianças caracterizam o plurilinguismo, essencialmente, por oposição a um locutor monolingue.

Moore & Castellotti (2001) alcançam, sensivelmente, as mesmas conclusões num estudo levado a cabo com crianças de 8 a 11 anos de duas escolas primárias da Normandia, que responderam verbalmente e graficamente a um inquérito acerca das representações sobre o plurilinguismo e a aprendizagem de línguas.É a partir deste inquérito e de algumas tarefas de elucidação do sentido em línguas desconhecidas, que tentam comparar as representações de alunos que estiveram sujeitos, durante um ano lectivo, a actividades de sensibilização às línguas, com as representações de alunos que não beneficiaram desta experiência.

Através da observação de algumas tarefas de aproximação a línguas desconhecidas puderam colocar em evidência operações de selecção, de hierarquização e de construção de hipóteses que se negoceiam na interacção. Esta observação permitiu aceder aos processos de emergência das representações e às suas funções na interacção. Estas funções são diferentes nas duas turmas e as aptidões manifestadas, por grande parte dos alunos de uma das turmas, são atribuídas pelas autoras “à la pratique régulière des activités d’éveil aux langues” (op. cit.: 185). As autoras concluem, também, que “…les enfants, pour la plupart, imaginent le fonctionnement plurilingue dans le cerveau comme une machinerie très complexe et très fortement structurée” (op. cit.: 162). De facto, as imagens que as crianças possuem da organização das línguas no cérebro humano são, geralmente, muito complexas e o plurilinguismo é, frequentemente, associado à confusão.

Também em alunos mais velhos (14-16 anos) se dá esta constatação, como mostra o estudo levado a cabo por Castellotti (1997), já anteriormente referido. Estes alunos consideram que a sua competência aproximativa em várias línguas não lhes permite fazer a selecção automática aquando da produção verbal. Na verdade, encontramos, frequentemente, a ideia de competências separadas e a crença de que o conhecimento de muitas línguas aumenta as dificuldades dos aprendentes:

“… c’est que moi je m’imagine (…) je m’imagine une tête pleine de petites boîtes, de petites boîtes/de tiroirs tu tires celui que tu veux quand tu veux”; “moi oui/ c’est que peut-être comme un réseau non/un réseau qui chez le monolingue serait probablement plus simple/avec des connexions plus c’est-à- dire se termineraient avant/et celle de la personne qui est en contact avec plus d’un code a un réseau (…) beaucoup beaucoup plus compliqué” (Marquilló- Larruy, 2000: 134-145, citado em Castellotti & Moore, 2002: 12).

Stratilaki (2004) apresenta alguns resultados de uma investigação, ainda em curso, que pretende colocar em evidência as representações do bi/plurilinguismo por parte de aprendentes bilingues em dois liceus franco-alemães. No quadro desta investigação, a autora estudou as relações entre, por um lado, as práticas plurilingues observáveis nos dois liceus e as representações do bi/plurilinguismo, e, por outro lado, as competências plurilingues dos sujeitos e estas representações. Desta forma, levou a cabo entrevistas semi-directivas com grupos de alunos com perfis linguísticos diferentes, enfatizando as suas divergências e concordâncias no que concerne às suas atitudes para com o plurilinguismo. A autora constatou que as representações referentes ao plurilinguismo não constituem para estes locutores um conjunto homogéneo, coerente e estável, mas sim um conjunto de contradições advindas de representações fortemente estuturadas e normativas. Assim, a análise das sequências das entrevistas mostrou que a relação entre as práticas bilingues e os contextos podem modelar-se dinamicamente, dentro de uma mesma instituição e dentro do mesmo grupo de sujeitos. Conclui também que as representações do bi/plurilinguismo influenciam fortemente as práticas linguísticas dos aprendentes.

Esta preocupação com as imagens das línguas em contacto, onde incluímos o bilinguismo e o plurilinguismo, inclui também o estudo da forma como os sujeitos percepcionam a proximidade/distância entre a sua LM e LE.

Por exemplo, Billiez (1996) tentou determinar as representações que falantes de diferentes LR desenvolveram sobre outras línguas da mesma família (Francês, Espanhol, Português, Italiano, Occitano, Catalão e Romeno), procurando definir aspectos comuns e dissemelhanças. Desta forma, foi realizado um inquérito por entrevista semi-directiva que foi aplicado a dois grupos francófonos não especialistas em línguas (40 adultos e 39 jovens), a hispanófonos (57 alunos de Filologia) e a lusófonos (14 alunos universitários de LE não românicas).

A autora conclui que, na generalidade, a imagem da língua italiana é bastante positiva e de cariz afectivo, relacionando-se com a musicalidade e a cultura. É considerada uma língua de fácil aprendizagem, mas inútil pela sua reduzida importância no mundo. Relativamente ao Espanhol, destaca-se uma imagem de facilidade de aprendizagem devido à proximidade linguística e também uma imagem de língua multicultural, pela sua presença em vários pontos do globo. Para os lusófonos, a língua espanhola apresenta-se com uma imagem mais negativa devido aos conflitos históricos entre Portugal e Espanha.

Já a língua portuguesa apresenta-se para francófonos e hispanófonos como pouco conhecida e com menos características latinas do que as outras, sendo mais difícil de compreender. Para além disso, aparece muito relacionada com a imigração. A língua romena é considerada uma língua surpresa, uma vez que é, praticamente, desconhecida pelos sujeitos participantes no estudo. Os que dizem conhecê-la referem o papel da televisão, mas não lhe concedem qualquer valor educativo ou comunicativo. O Francês é percepcionado como uma língua românica de grande prestígio e utilidade. O Occitano é considerado diferente de todas as outras línguas, apresentando-se como a mais desconhecida.A ignorância dos sujeitos relativamente a esta língua deve-se ao seu estatuto de língua minoritária. A língua catalã é considerada uma língua passerelle, começando a emancipar-se do seu estatuto de língua dominada. Para os sujeitos lusófonos, apresenta-se como uma língua enigmática; para os francófonos como uma mistura de Espanhol, Italiano e Francês. Estes resultados permitiram à autora concluir que “plus une langue este légitimée et familière parce que les sujets ont été à son contact selon diverses modalités, plus on l’estime proche, et inversement, plus elle est illégitime et ignorée et plus on la juge éloignée” (pp. 408).

Andrade & Araújo e Sá (1998) levaram a cabo um estudo similar ao de Billiez (op.

cit.), ao examinarem as representações, atitudes e comportamentos de alunos universitários

portugueses de FLE relativamente às LR. Os objectivos da investigação eram compreender como é que locutores lusófonos, com poucos contactos escolares com outras LR, se aproximam delas em termos de aprendizagem e, também, verificar como constroem sentido em situações onde entram em contacto com textos nelas produzidos. A investigação partiu do inquérito elaborado por Billiez (1994), submetido a catorze sujeitos, a quem se propôs uma tarefa de identificação das LR (Catalão, Francês, Romeno, Italiano e Espanhol) e a sua hierarquização quanto à proximidade com o Português. Seguidamente, pediu-se que ordenassem as línguas por grau de facilidade e que explicitassem as evocações trazidas por cada uma delas. Finalmente, foram confrontados com um texto traduzido nas cinco LR e pediu-se que identificassem a língua de cada uma das versões.

A análise dos resultados levou as autoras a concluir que os sujeitos reconhecem sem dificuldade o Francês, o Espanhol e o Italiano mas que não acontece o mesmo com o Catalão e o Romeno. O Espanhol apresenta-se como a língua mais próxima do Português,

parecem ter alguns conhecimentos históricos e culturais que lhes desenvolvem atitudes mais ou menos positivas em relação a cada uma delas. Exprimem, então, julgamentos favoráveis e desfavoráveis relativamente ao Espanhol: língua desagradável mas que associam às férias, touradas e à dança. O Italiano é visto como uma língua harmoniosa, que

lhes recorda o futebol, as praias e os carros de competição. O Francês é também

considerado uma língua desagradável e que evoca a emigração portuguesa. O Catalão, praticamente desconhecido, é visto como estranho e o Romeno é identificado como uma língua difícil, à qual relacionam umasituação política instável e a exportação de jogadores de futebol. Estas representações são confirmadas pela língua de adopção que os sujeitos escolheriam. Assim, a maior parte opta pelo Italiano, seguido do Francês e do Espanhol,

considerada como uma língua fácil de aprender. Na resolução das tarefas de tradução e

resumo nem todas as pré-representações actuaram de forma esperada. A tradução da frase espanhola revelou-se fácil, assim como a francesa. Relativamente à frase escrita em catalão, cinco sujeitos traduziram-na correctamente e quatro aproximadamente. Logo, este resultado não confirma a representação que estes sujeitos exprimiram face ao grau de facilidade e de proximidade desta língua. O Italiano e o Romeno surgem, assim, como as línguas mais difíceis, pois apenas se verificaram duas traduções correctas. Estes dados confirmam as representações em relação ao Romeno, mas contrariam as representações em relação ao Italiano, inicialmente considerada mais fácil.

Podemos concluir, depois desta viagem por diferentes estudos, que os objectos e contextos investigados, bem como os processos investigativos, são muito diversificados. De facto, constatámos que têm surgido estudos sobre todos os níveis de ensino, sobre todo o tipo de organizações escolares, que analisam dados diversificados, segundo técnicas também elas diversificadas e frequentemente conjugadas, na vontade de aprofundar o conhecimento acerca da problemática. Contudo, e como já foi referido, verificam-se quantitativamente mais estudos sobre os alunos do que sobre os professores.

Para além disso, surgem, frequentemente, estudos comparativos dentro do pressuposto de que o objecto de análise é complexo, multifacetado e multideterminado: entre países, entre épocas, entre sujeitos de diferentes LM/culturas de proveniência, nos mesmos sujeitos, ao longo de um determinado período de tempo, entre categorias de análise (motivações/imagens; imagens/estratégias de aquisição…). Curiosamente, são

escassos os que comparam as imagens dos professores, dos alunos, dos encarregados de educação, gestores escolares, cruzando resultados. Como pudemos também verificar, os momentos de ruptura (histórica, política, económica) são privilegiados nestas análises, sendo considerados momentos particularmente intensos em termos da emergência, (re)construção e negociação destas imagens.

Na globalidade destes estudos evidenciam-se três pontos de vista diferentes sobre as línguas que podem não coincidir: descritivo, de utilizador e de aprendizagem (cf. Castellotti, Coste & Moore, 2001).

Os resultados alcançados por grande parte dos estudos sublinham a valorização da componente comunicativa das línguas, com consequente desvalorização de outras dimensões. Isto implica o estabelecimento de uma hierarquia na valorização das línguas. Daí um relevo quase exclusivo de uma dimensão códica na perspectiva descritiva das línguas, com valorização dos conceitos de norma, e de uma dimensão performativa, na perspectiva de utilização e de aprendizagem.Assim, por exemplo, as auto-representações de competência na utilização de uma determinada língua não predizem os resultados na sua utilização efectiva. Na verdade, os alunos tendem a ser muito pessimistas quanto ao seu nível de realização e defendem a norma. Alunos e professores têm uma imagem, sobretudo, negativa da aprendizagem de várias LE em simultâneo, porque receiam a confusão e perseguem uma competência de falante nativo. Esta imagem pode ser um obstáculo a certas estratégias de intercompreensão e a uma abordagem escolar de éveil aux

langues.Assim, os professores apresentam frequentemente representações semelhantes aos alunos e reforçam-nas nas aulas, mesmo quando elas constituem obstáculos pedagógicos.