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Factores envolvidos na construção das Imagens

Capítulo 2. Alguns estudos sobre as Imagens das línguas e sua aprendizagem

2.2. Factores envolvidos na construção das Imagens

A investigação em DL, no âmbito das imagens das línguas, não se pode desligar do seu objectivo principal, que é encontrar formas de as trabalhar em contexto educativo, colocando-as ao serviço da educação linguística e do desenvolvimento de competências plurilingues e pluriculturais. Este objectivo pressupõe a realização de investigações no terreno, em situações de ensino-aprendizagem onde são levados a cabo projectos de

intervenção. Estas investigações pretendem não apenas diagnosticar as imagens, mas,

Normalmente, a identificação destes factores realiza-se em estudos qualitativos que aprofundam resultados anteriores, provenientes de análises essencialmente quantitativas. As investigações a que tivemos acesso mostram-nos o que é, claramente, referido por Perrefort:

“Les formes discursives employées et les activités de construction collective, souvent, polyphonique, pour donner corps aux représentations les attestent en tant que savoir commun et les ramènent à l’ancrage social dans des expériences quotidiennes à l’intérieur d’un cadre social donné. La prise en compte de plusieurs domaines de représentations et du rapport qui lie l’individu au groupe d’appartenance peuvent nos aider à mieux cerner la question de savoir ce qui a orienté les comportements” (2001: 125).

Assim, alguns autores referem-se a factores de diversa ordem: sócio-linguísticos e

culturais, escolares, económico-políticos, que estabelecem uns com os outros relações

estreitas e que, na vida dos sujeitos, não podem ser separados.

Por exemplo, Wynants (2002) fala em factores linguísticos e sócio-linguísticos, no meio cultural e mediático, na “mentalidade” e nos estereótipos nacionais e defende que não se podem abordar estas imagens sem se levar em linha de conta as mudanças históricas e sociais nas quais elas se constroem. Logo, enfatiza a necessidade de ter em conta as articulações que se estabelecem entre os diferentes espaços de afirmação e emergência das imagens.

Incluídos nos factores sócio-linguísticos e culturais estão, segundo alguns investigadores, o meio sócio-linguístico/cultural, onde se dá a socialização primária e secundária dos sujeitos e que é determinante para a sua visão do mundo. De facto, concordamos com Perrefort quando afirma que “C’est au cours de la socialisation primaire que l’enfant intériorise, souvent à son insu, les représentations et les valeurs de son groupe d’appartenance” (op. cit.). Este processo determinará, em grande medida, a sua percepção do quotidiano.

Os estereótipos colectivos, do grupo de pertença dos sujeitos, relativamente a um determinado grupo, país, língua, encontram-se numa memória colectiva (cf. Perrefort, 2001: 132, quando fala em “univers culturel historique”) da qual a análise das imagens não

estes parecem partilhar um conjunto de atitudes comuns para com essa língua, que podem

mudar ao longo do tempo. Isto é o que tem acontecido com a imagem colectiva da

Alemanha e da língua alemã por parte dos franceses: “L’allemand est à fois la langue de ‘l’ennemi héréditaire’ pendant près d’un siècle…celle de la barbarie national-socialiste, et, semble-t-il à l’opposé, la langue du pays devenu ami à partir du traité de L’Élysée de 1963, celle du partenaire privilégié de la construction européenne célébré à travers la métaphore inlassablement rabâchée du couple ‘franco-allemand’” (Tournadre, 1997b: 28). Assim, as mudanças históricas e sociais que se vão operando nas sociedades e na relação entre países/comunidades influenciam as imagens das línguas e do Outro. Em França, esta mudança de perspectiva tem-se traduzido num aumento de inscrições dos alunos na disciplina de alemão.

No processo de socialização e constituição identitária, o papel desempenhado pelo contexto familiar em que os sujeitos cresceram e se integram é dos mais importantes (cf. Chambers, 1999). Assim, a potencial influência das percepções da família em geral, e dos pais em particular, nas percepções dos sujeitos acerca das LE deve ser levada em linha de conta na análise dos factores subjacentes à construção de imagens acerca delas. Esta influência dos pais e da família pode revelar-se a diferentes níveis: na escolha das LE a aprender (com base nas percepções de facilidade/dificuldade, utilidade/inutilidade, etc., que eles próprios lhes atribuem), no grau de comprometimento dos sujeitos para com a aprendizagem, no grau de importância conferido às línguas, etc. Estas atitudes e imagens

dos pais relacionam-se, obviamente, com o seu background educativo, sócio-económico,

sócio-cultural, étnico e linguístico, que é transmitido aos filhos.

Para além desta influência primária, o grupo de pares dos sujeitos pode, também, exercer um papel importante na (re)construção de imagens (cf. Chambers, 1999). Durante a adolescência, os sujeitos têm tendência a emancipar-se dos modelos propostos pelos pais e a (re)construir imagens com base nas relações com os amigos e colegas de escola. Muitas vezes acontece que as escolhas das LE a estudar são influenciadas por colegas que relatam as suas experiências anteriores ou actuais de aprendizagem, transmitindo imagens de facilidade/dificuldade, prazer/desprazer de aprendizagem, etc.

Também os mass media parecem desempenhar um papel importante: “Dans la société contemporaine, les constructions imaginaires dont l’adéquation au réel est douteuse sinon inexistante sont favorisées par les médias, la presse et la littérature de masse”

(Amossy & Herschberg Pierrot, 1997: 37). De igual forma, Monnanteuil (1994) defende que as imagens do Outro são, muitas vezes, resultado do contacto com os mass media, dando o exemplo das revoluções na Rússia e o seu tratamento pela televisão, rádio, imprensa e na forma como contribuiu para um desafecto pela língua russa.

As experiências de contacto intercultural e o confronto com o Outro podem ser, também, factores que intervêm na forma como os sujeitos se relacionam com as línguas. Monnanteuil (1994) conclui que as imagens das línguas, países e culturas são fruto da dinâmica das relações interpessoais e intergrupais. Berger (1998) mostra que alunos franceses demonstram uma atitude ambivalente para com a Grã-Bretanha e que as suas representações mudam de forma positiva quando realizam viagens onde contactam com falantes nativos da LE que estudam. No entanto, Byram & Zarate (1996) afirmam que as viagens a países estrangeiros não garantem, obrigatoriamente, uma mudança positiva nas atitudes e representações. Com base num estudo interdisciplinar com aprendentes de Alemão, Inglês e Francês do ensino secundário em vários países europeus, também Cain & De Pietro (1997) concluem que um maior conhecimento do Outro e da sua cultura não é suficiente para que estes alunos construam menos julgamentos estereotipados.

Relativamente aos factores de ordem escolar, Chambers enuncia algumas questões que nos fazem reflectir acerca do papel da escola na construção de imagens por parte dos aprendentes: “What sort of experiential baggage may inform these perceptions? Have they learned any foreign languages at primary school? If so, what sort of influence may this have on their views of the prospect of learning French/German/Spanish?” (1999: 72).

Assim, a experiência prévia de aprendizagem de determinada LE pode influenciar a forma como os sujeitos se relacionam com ela, não apenas em termos da sua aprendizagem (estratégias mobilizadas, grau de comprometimento com a aprendizagem, percepção de facilidade/dificuldades, etc.), mas também em termos da relação afectiva estabelecida. Esta experiência de aprendizagem inclui diversos aspectos, como por exemplo, as línguas aprendidas ao longo do percurso escolar (quando foi iniciado o estudo, durante quanto tempo…), cuja escolha se faz já em conformidade com algumas imagens relativas ao estatuto informal das línguas (cf. Dabène, 1994). Ora, o estudo de determinadas línguas em detrimento de outras poderá moldar as percepções dos alunos relativamente aos graus de facilidade/dificuldade e utilidade/inutilidade que lhes são conferidos, como nos mostram alguns estudos. Por exemplo, Andrade & Araújo e Sá (1998) concluem que as línguas

formalmente desconhecidas (Catalão e Romeno), por parte dos alunos, são percepcionadas como estranhas, difíceis, inúteis e sem peso internacional. Também os conteúdos leccionados e a sua adequação/desadequação às necessidades dos aprendentes podem funcionar como factores de construção de imagens (cf. Chambers, 1999).

Não surpreendentemente, a influência do professor é de extrema importância nesta construção, denotando-se aos níveis da metodologia e estilo de ensino: “Though teaching styles are as individualistic and idiosyncratic as learning styles, it seems clear that into pupil’s learning experiences can be injected certain stimuli which may reverse the negative attitudes which all too many bring too many bring to the foreign languages classroom” (Chambers, 1999: IX). A personalidade do professor, que transparece na forma como se posiciona dentro da sala de aula e se relaciona com os alunos, também parece de extrema importância: o poder de motivar os aprendentes através da execução de estratégias apelativas, os feedbacks encorajadores, ou pelo contrário, desencorajadores, os materiais didácticos utilizados, entre outros aspectos (cf. Singy, 1997).

De facto, a figura do professor toma um papel crucial na forma como os sujeitos se relacionam com as línguas/culturas, uma vez que ele próprio é possuidor de imagens que podem influenciar as suas práticas profissionais (cf. Cazals-Quenouille, 1995) e que, muitas vezes, transmite em sala de aula (cf. Müller & De Pietro, 2001). Por exemplo, as suas práticas de avaliação podem condicionar a imagem de competência nos alunos; as práticas de interacção podem condicionar a imagem daquilo que é valorizado ou não numa língua; uma valorização excessiva de uma das componentes de uma língua pode ter influência na percepção do modo de funcionamento dessa língua.

Relacionado com o papel do professor estão os currículos e manuais, construídos com base no que os responsáveis educativos consideram ser finalidades importantes na aprendizagem das LE, e onde estão já subjacentes imagens das línguas, culturas, povos, pela forma como estão organizados, pelos conteúdos que aí são enfatizados, pelas estratégias e objectivos de aprendizagem que preconizam, pelas competências que pretendem promover nos aprendentes, pelo tipo de reflexões que proporcionam…

A investigação levada a cabo por Chambers (1999) conclui, entre outros aspectos, que a motivação e representações dos alunos relativamente às LE são influenciadas pelos manuais, aos quais associam, essencialmente, imagens negativas: “Most of the pictures are from the 1960s and are boring” (op. cit.: 130).

Relativamente aos factores económico-políticos, constatamos que alguns estudos apontam para a relação entre a dinâmica das imagens e as realidades sócio-económicas de uma comunidade (cf. Hafez, 1999; Martel, 1997; Mondavio, 1997), como constatámos em 2.1.3.

Deste modo, as pressões sócio-económicas a que os indivíduos estão sujeitos, como por exemplo, a importância e valor que determinadas línguas adquirem em determinados contextos sociais e económicos e, consequentemente, para a vida pessoal e profissional de cada um, são um factor importante, assim como também as pressões de ordem política, intimamente relacionadas com as anteriores. Mondavio mostra isso mesmo, ao nível do contexto húngaro: “… le choix de se tourner vers l’Union Européenne et de la considérer comme nouveau point de repère politique va de pair avec un processus de restructuration économique soutenu par les nombreux investisseurs étrangers” (1997: 288).

Todas estas pressões, exteriores aos sujeitos e às suas vontades próprias, modelam as imagens e influenciam as suas acções enquanto aprendentes e comunicadores.

Assim, podemos concluir que as imagens se desenvolvem em interacções complexas, envolvendo diferentes factores que intervêm na construção da identidade dos sujeitos/grupos (cf. De Pietro & Müller, 1997; Müller, 1997). Desta forma, é compreensível que, para um bom entendimento da noção de representação/imagem, é necessário articulá-la com o contexto mais físico e alargado que envolve os indivíduos.