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Capítulo 3. Metodologia do estudo

3.4. Os instrumentos de tratamentos dos dados

3.4.3. Língua como objecto de poder

O conhecimento e domínio de algumas LE são percepcionados por muitos sujeitos como uma forma de auto-promoção, na medida em que as línguas são, também, apreciadas em função das possibilidades de ascensão social e económica que oferecem aos que as aprendem. Dabène (1997) apresenta-nos, entre outros, os critérios económico e social de

apreciação das línguas, referindo que umas das principais razões de valorização de determinada língua se relaciona com o acesso que esta oferece ao mundo do trabalho e ao

poder económico que pode conferir aos seus locutores. Como veremos no capítulo

seguinte, estes critérios estão bem presentes no nosso corpus.

Os critérios apontados por Dabène relacionam-se, a nosso ver, com os conceitos de “marché linguistique”, introduzido por Pierre Bourdieu (1982) e “valeur marchande” de Jean Calvet (1999a e 1999b). Este último, define “valeur marchande” como referindo-se ao facto que “fait que les langues sont un capital, que la possession de certaines d’entre elles nous donne une plus-value alors qu’au contraire d’autres ne jouissent d’aucun prestige sur

le marché” (1999a: 11). O autor dá um exemplo acerca da forma como as representações

determinam as práticas e influenciam as realidades: a compra de um carro, tal como se “compram” línguas. Nesta compra, o indivíduo é guiado pelas necessidades, pelos gostos, pela sua ideologia. Assim, concordamos com Calvet quando afirma que adquirimos as línguas da mesma forma que adquirimos objectos, tendo em conta a sua utilização e a forma como nos poderão beneficiar a diversos níveis. No entanto, a língua é diferente de qualquer objecto material que adquiramos, pois ela não é pessoal, mas sim colectiva.Para além disso, a língua “se valorise d’autant plus qu’elle est plus utilisée” (op. cit.: 12). Obviamente, esta característica faz com que ela seja objecto de desejo e escolha.

Bourdieu mostra de que forma a legitimidade das produções linguísticas obedece a este conceito de mercado linguístico, dominado pela sociedade que detém o “capital symbolique” (1982: 68), que é a cultura. De acordo com o autor, “toute situation linguistique fonctionne donc comme un marché sur lequel le locuteur place ses produits, et le produit qu’il produit pour ce marché dépend de l’anticipation qu’il a des prix que vont recevoir ses produits” (op. cit.). Sem dúvida que estão aqui implícitas as representações relativas ao valor e prestígio conferidos às línguas, e que esse valor no mercado económico, político e linguístico influencia as escolhas das línguas a estudar e o grau de comprometimento dos aprendentes na sua aprendizagem.

Assim, para Bourdieu (1991), os discursos apenas têm valor na relação que mantêm com um mercado. Neste mercado linguístico estabelecem-se relações de força, criando-se hierarquias de línguas e dos respectivos falantes. Uma mesma língua pode adquirir um valor diferente consoante os mercados.

Boyer define também “marché linguistique” como …un espace social hétérogène, un lieu de censures et quelquefois d’autocensure, d’évaluations plus ou moins explicites ou diffuses, qui vont, là aussi, du haut de gamme chèrement acquis et valorisé (langue soutenu) au bas de gamme à la portée de tous et donc discrédité (langue ‘relâchée’ ou ‘vulgaire’)” (1991a: 29).No entanto, a economia sociolinguística de uma língua não pode ser vista apenas pelo ângulo do seu mercado dominante. É, pois, necessário observar outros mercados linguísticos para que possamos dar-nos conta da complexidade do funcionamento desta língua. Isto é também o que sobressai nas reflexões de Bourdieu, para quem a variação linguística do grupo dominante se impõe como marca de prestígio e determina as atitudes dos locutores do grupo dominado face à sua própria variação.

Tendo em conta todas estas considerações, construímos o descritor poder sócio-

cultural, onde integrámos as unidades de registo em que a LE é percepcionada pelos

nossos sujeitos como um objecto de prestígio, sendo, por isso útil na promoção de uma ascensão social e cultural (cf. Dabène, 1997; Phipps & Gonzalez, 2004). De facto, como referem Phipps & Gonzalez, “The decision to learn another language is in the first instance a recognition of the cultural capital, the accumulated knowledge and social experience enshrined in cultural practices” (2004: 14). Assim, a LE pode representar para os indivíduos uma forma de auto-promoção e valorização pessoal: A ideia de saber falar

francês, transmite que somos chiques, estamos na moda e que somos românticos (F9).

Os sujeitos percepcionam também, e essencialmente, as línguas como objectos de

poder económico-profissional, reconhecendo que a LE tem determinado valor/utilidade

internacional nas trocas económicas, o que confere aos seus locutores um poder no mercado de trabalho, permitindo-lhes uma maior mobilidade e acesso a carreiras bem remuneradas. Aqui, a LE é percepcionada como um investimento económico, ou seja, como utensílio que pode proporcionar a ascensão profissional, demarcando-se uma visão consumista da aprendizagem de línguas (cf. Rimbert, 1995; Billiez, 1996; Dabène, 1997;

Gosse, 1997; Pétillon, 1997;). Estas percepções relacionam-se também com o peso

económico dos países onde essas línguas são faladas e estão sujeitas a variações históricas (cf. Cazals-Quenouille, 1995; Giota, 1995; Billiez, 1996; Castellotti, 1997; Mondavio, 1997; Pekarek, 1997): A língua chinesa num país ocidental é uma mais valia para uma

trabalho penso que é muito útil ter conhecimentos de Francês pois existem muitos países importantes onde esta língua predomina (F7).

3.4.4. Língua como instrumento de construção e afirmação de identidades individuais