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Controlo Motor e Aprendizagem Sr Explícito: Esta ideia do controlo consciente agrada-me!

I PARTE: FERRAMENTAS CONCEPTUAIS

CAPÍTULO 4: Controlo Motor e Aprendizagem Sr Explícito: Esta ideia do controlo consciente agrada-me!

Sr. Tácito: A mim nem por isso.

To give your sheep and cow a large, spacious meadow is the way to control him1 (Suzuki, 1999: 31).

A tradução do conhecimento tácito através da investigação científica ou reflexiva levanta questões e cria dúvidas que importa esclarecer. A minha propensão para a análise objectiva ou reflexiva levantou-me perplexidades. Afinal a que devo recorrer para encontrar respostas? À ciência ou à confrontação de descrições subjectivas de diferentes especialistas? Se nem eu próprio sei como faço as coisas e, por vezes quando descubro isso cria-me problemas, por onde prosseguir?

Para encontrar repostas decidi investigar questões do controlo motor e aprendizagem. Ao tentar perceber como faço as coisas e como posso maximizar o meu controlo, procurei formas de aplicar o conhecimento respigado na bibliografia sobre controlo motor na prática instrumental. Mas verifiquei que esse conhecimento explícito não era suficiente para o retroverter em tácito.

A tentação do controlo consciente

O conceito de consciência psicológica, conhecimento dos próprios actos ou estados internos no momento em que são vividos, faz referência a um centro unificador e controlador de toda a actividade. Controlar é ter o poder sobre alguma coisa, tomando todas as decisões importantes sobre o seu funcionamento ou actividade.2 No entanto, nem sempre é possível ou desejável conceber o controlo motor neste sentido.

A aquisição duma técnica consciente pode levar à convicção de que é possível atingir um estádio de controlo absoluto e voluntário das acções envolvidas na execução instrumental. Esta convicção pode levar a praticar, “tentando” deliberadamente atingir esse estádio. Essa atitude gera com frequência frustração e tensão, pois ao “tentar” atingir um                                                                                                                

1 Texto original: “Dar à tua ovelha ou vaca um prado grande e vasto é a forma de a controlar.” 2 Dicionário da Língua Portuguesa (2001). Academia das Ciências de Lisboa e Editorial Verbo.

objectivo assumimos a possibilidade de falhar e distraímo-nos da atenção ao processo. Um dos adágios de técnica de T. Gallwey (Gallwey 1986; Green & Gallwey, 1986; Barry, 1991) na qual se procura que o aprendiz se foque na atenção à experiência independentemente do resultado, é precisamente “Trying fails, awareness wins”. Ou como reitera Alexander, “tentar é apenas enfatizar aquilo que já sabemos”3 (Alexander, 1995: 207).

Em “Zen e a arte do tiro com arco”, Herrigel (1997) conta como procurava afanosamente amortizar elasticamente a sacudidela provocada pela súbita libertação da corda do arco, para não desviar a trajectória da seta. O mestre dá-lhe um conselho aparentemente paradoxal:

Não pense no que tem de fazer, e no modo de realizá-lo! – exclamou – só quando o tiro apanhar de surpresa o próprio arqueiro, o resultado será suave. Deve ser como se a corda do arco atravessasse inesperadamente o polegar que a prende. Não deve, portanto abrir a mão direita de forma intencional (Herrigel, 1997: 34).

Num dissertação com intuitos científicos, poderá parecer desadequado citar um livro onde o misticismo e a subjectividade imperam. No entanto o Zen e a ciência não são de forma alguma inconciliáveis.4

Richard Schmidt o criador da teoria do esquema (descrita mais adiante), insuspeito de procurar explicações para fenómenos do controlo motor no misticismo oriental, descreve um efeito contra-intuitivo duma atenção focada, o chamado efeito irónico (Schmidt & Lee, 2005: 116), que desconcerta os cientistas. Um exemplo típico do efeito é o jogador de golfe que tendo um lago à sua direita se concentra mentalmente em não atirar a bola para esse lado, acabando por lançá-la precisamente na direcção que tão esforçadamente procurou evitar. Este fenómeno foi investigado por Wegner et al (1998) instruindo dois grupos de indivíduos no sentido de oscilarem um pêndulo sobre um prato com uma grelha de linhas perpendiculares colocado no solo. Aos sujeitos dum grupo de controlo foi pedido que segurassem o pêndulo procurando minimizar as variações do plano de oscilação sobre o alvo durante 30 segundos. Aos do grupo experimental foi pedido que fizessem o mesmo, mas com a recomendação adicional de não permitir que o pêndulo oscilasse numa direcção paralela às linhas horizontais. Os resultados mostraram que no segundo grupo houve mais movimentos ao longo do eixo horizontal (que procuravam                                                                                                                

3 Texto original: “Trying is only emphasizing the thing we know already.”

evitar) e um pouco menos ao longo do eixo vertical, do que no grupo de controlo ao qual não tinha sido feita qualquer recomendação quanto à direcção a evitar. Estes dados dão alguma base empírica para a vulgar sensação de que tentar evitar um determinado comportamento conduz paradoxalmente a esse mesmo comportamento. Daí que os psicólogos desportivos passem tanto tempo com os atletas a praticar técnicas de imagística5 e pensamento positivo, para evitar este tipo de comportamentos irónicos. Essas técnicas não diferem muito da pedagogia do mestre Zen de Herrigel:

A arte autêntica – exclamou ele – é sem finalidade! Quanto mais teimar em querer aprender a soltar a seta para acertar com segurança no alvo, mais se afastará, tanto do primeiro como do segundo intento. O que se interpõe no seu caminho, é a sua vontade demasiado activa. Você está convencido de que aquilo que você não faz, não acontece6 (Herrigel, 1997: 37).

Para o mestre Zen a corda do arco solta-se mesmo que nós não a soltemos. Do ponto de vista físico é possível explicar que há um momento em que a tensão da corda supera o atrito com os dedos levando a que ela se solte num momento totalmente independente da vontade do arqueiro. Mas o mestre Zen não está preocupado com as leis da física, mas com o controlo da vontade, a capacidade de inibir o impulso para agir em vez de esperar que as coisas aconteçam.

Curiosamente o papel duma intenção consciente na execução dum movimento foi posto em causa pelas experiências de B. Libet (1981)7 que aparentemente provam que uma acção motora se inicia com acontecimentos neurológicos que ocorrem antes da nossa consciência da decisão de fazer um movimento. Apesar de sentirmos que a nossa decisão consciente é que iniciou o movimento, é possível detectar actividade cerebral de preparação para o processo motor (o chamado potencial de prontidão) 350 milissegundos antes da tomada de consciência dessa decisão. A consciência chega atrasada em relação à entidade que a inicia.

Na altura em que a consciência nos “é entregue” para um determinado objecto, os respectivos mecanismos do nosso cérebro têm estado a trabalhar há uma eternidade, medida na perspectiva temporal duma molécula... Estamos sempre atrasados para a consciência, mas como todos nós sofremos do mesmo atraso, ninguém repara (Damásio, 1999: 154).

                                                                                                                5 Morris et al, 2005 e Nideffer, 1985.

6 A última frase foi traduzida a partir da edição inglesa (Herrigel, 1953: 47): “You think that what you do not do yourself does not happen”. A tradução da edição portuguesa (Herrigel, 1997: 37) - ”O senhor está convencido de que nada do que não fizer, acontecerá” - não me parece suficientemente clara.

Libet (1985) considera que nos resta a hipótese de vetar o movimento nos cerca de 200 milissegundos que medeiam entre a consciência subjectiva da vontade para agir e a acção propriamente dita.

Uma decisão prematura terá levado o velocista Linford Christie a fazer duas falsas partidas na final dos 100 metros dos Jogos Olímpicos de 1996 que motivaram a sua desqualificação. No entanto a desqualificação gerou alguma controvérsia pois a segunda partida foi aparentemente legal, tendo o corredor largado menos de 100 milissegundos depois do tiro. No entanto, os padrões Olímpicos exigem que a partida seja pelos menos 100 milissegundos depois do tiro, pois de acordo com a investigação sobre tempos de reacção não será humanamente possível reagir deliberadamente a um estímulo exterior num intervalo de tempo tão curto (Schmidt, 2005: 76). Será que Christie foi desqualificado por ter decidido partir antes do tempo ou por não ter inibido o desenrolar da preparação inconsciente para o movimento? Este fenómeno é também aflorado pelos mestres Zen no manejo da espada:

No momento em que evita o golpe, o combatente levanta já o braço para atacar, e antes que de isso se aperceba, já o golpe mortal e certeiro foi desferido. É como se a espada se manejasse a si própria, e da mesma maneira para o tiro com arco se diz que algo aponta e algo acerta, também aqui esse algo ocupou o lugar do Eu, servindo capacidades e realizações de que o Eu se apropriou num esforço consciente (Herrigel, 1997: 77).

Esta nebulosa relação entre processos conscientes ou inconscientes e entre procurar controlar ou não intervir é um problema com que qualquer músico se confronta. O flautista Aurèle Nicolet descreve-o eloquentemente:

Há concertos onde analiso demais, onde me deixo guiar pela cabeça – quero fazer isto, quero fazer aquilo... Não gosto nada disso. Na minha opinião a melhor interpretação é aquela em que damos a impressão de não fazer nada, de estar por detrás da música e simplesmente tocar as notas. Mas para chegar a esse estádio é preciso investigar muito. Isso acontece talvez duas vezes num ano e são momentos em que “somos tocados”. É como no Zen. Podemos exprimi-lo claramente através do artigo “es” em alemão: “Es spielt aus mir”: “aquilo toca-se através de mim”, mas sem a vontade. E é uma aprendizagem muito, muito longa e estamos sempre sujeitos ao acaso8 (Nicolet, 1996: 40).

                                                                                                               

8 Texto original: “Il y a des concerts où j'analyse trop, où je suis guidé par la tête - je veux faire ci, je veux faire ça… Et je n'aime pas ça du tout. A mon sens, la meilleure interprétation est celle où on donne l’impression de ne rien faire, d'être derrière la musique, de simplement jouer les notes. Mais pour arriver à ce stade, il faut avoir beaucoup de recherches… Cela arrive peut-être deux fois dans l'année, et ce sont des moments où on ‘est joué’. C'est comme dans le zen. On le sent bien au travers de l'article ‘es’ en allemand: ‘Es spielt aus mir’: ‘cela joue de moi’, mais sans la volonté. Et c'est une apprentissage très, très long, on est toujours livré au hasard.”

Paradoxalmente, Nicolet afirma a necessidade de investigar - uma actividade racional e consciente - para atingir um estádio em que essa racionalidade e consciência se dissolvam.

De facto, esse estado de renúncia voluntária ao controlo consciente não é fácil de atingir. Green & Gallwey (1986: 96) relatam um episódio numa masterclass em que uma pianista procurava um maior controlo dinâmico na execução duma obra de Debussy. Depois do professor chamar a atenção para as indicações dinâmicas que ela não estava a seguir cuidadosamente, a execução melhorou substancialmente, mas não parecia totalmente satisfatória. Como uma experiência, o professor pediu-lhe que deixasse de conscientemente seguir as dinâmicas indicadas e em vez disso permitisse que os seus dedos, mãos e corpo decidissem por ela. O resultado foi excelente na apreciação do professor e da audiência, mas surpreendentemente a pianista preferiu a primeira versão: deixar os dedos “decidir” espontaneamente proporcionava-lhe uma sensação de desconforto. Não sentia confiança no que estava a fazer e sentia-se incapaz de concentrar na música, porque lhe parecia estar fora do seu controlo consciente. Ultrapassar a falta de confiança em processos intuitivos e o receio de perder o controlo por ter prescindido do controlo consciente e habitual é uma dificuldade por que qualquer músico passa.

Estes exemplos reflectem a ambiguidade do papel da consciência no controlo motor e do papel do “eu” como actor responsável pelas acções, que oscila entre a vontade e intenção de controlar e a possibilidade de entregar esse controlo a processos automáticos que não dependem do sujeito. Entre o fazer e o deixar acontecer.

O mestre Zen aconselha esperar que a seta se solte, tal como Nicolet aspira a “deixar-se tocar”, mas o arqueiro e a pianista têm relutância em prescindir do controlo. No entanto, a tentativa de controlar com mais precisão o movimento do pêndulo revela-se contraproducente e os intervalos temporais envolvidos na preparação do movimento põem em causa a sua origem na intencionalidade consciente desqualificando um atleta que partiu depois do tiro mas não em consequência dele.

A investigação e as teorias do controlo motor reflectem este dualismo: a programação motora baseia-se em comandos (conscientes ou inconscientes) do sistema nervoso central e a teoria dos sistemas dinâmicos prevê que certos movimentos ocorrem                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                

sem que nós os “façamos”. Esta questão, levou-me a procurar situações em que a actividade muscular é resultado de processos que não são mediados pela consciência.

Controlo de actividade muscular inconsciente

No nosso organismo há mecanismos que comprovadamente não exigem o envolvimento da atenção, como a regulação da temperatura do corpo, a respiração durante o sono ou vários reflexos monossinápticos, que geram movimentos involuntários sem interferência do córtex motor.

No entanto há também mecanismos não conscientes envolvidos no controlo de movimentos voluntários. A impossibilidade desses mecanismos passarem pelas fases de processamento consciente da informação (identificação do estímulo, selecção e programação da resposta) é comprovada pela latência entre o estímulo e a resposta. Tempos de reacção inferiores a 150-200 milissegundos são do âmbito de mecanismos cuja activação não depende do córtex motor (Schmidt, 2005: 150). Daí advêm os regulamentos olímpicos que motivaram a referida desqualificação de Linford Christie. Embora dependa da natureza da tarefa, tipo de informação ou previsibilidade, o intervalo de tempo necessário para processar informação visual ou auditiva é, no mínimo, cerca de 100 milissegundos.

A experiência de Henry

 

Uma experiência realizada por Henry (1953) mostrou que podemos reagir a alterações de que não nos apercebemos. Nessa experiência os sujeitos, de olhos vendados, tinham de regular a força com que empurravam um puxador cuja posição era alterada por um dispositivo mecânico ao qual estava ligado. O puxador podia mover-se imprevisivelmente para trás ou para a frente, mas era possível ao sujeito manter o puxador imóvel, modulando a força que lhe aplicava.

Com o objectivo de determinar o limiar das diferenças de pressão detectáveis pela percepção do sujeito, o estudo testou três condições diferentes. Na primeira era pedido ao sujeito que variasse a posição do puxador de molde a manter uma pressão constante contra o puxador. Quando o dispositivo aumentasse a força que o puxador fazia contra a mão era pedido ao sujeito para diminuir a resistência oferecida pela mão, permitindo que o

puxador se movesse. Na segunda condição o sujeito deveria compensar as mudanças da pressão exercida na mão de molde a manter o puxador numa posição constante. A atenção deveria focar-se em manter o puxador imóvel, resistindo ou aliviando a força exercida consoante as alterações da pressão que ele exercia sobre a mão. A pressão exercida pela mão deveria portanto variar constantemente de acordo com as variações do dispositivo. Na terceira condição era apenas pedido ao sujeito para assinalar o momento em que sentia uma mudança da pressão exercida pelo dispositivo. Verificou-se que nesta última condição, os indivíduos não detectavam conscientemente variações de pressão perante as quais reagiam quando o seu objectivo era manter o puxador imóvel (segunda condição). Na realidade o sistema motor reagia com sucesso a forças quase dez vezes inferiores àquelas que estavam no limiar da percepção. A experiência mostra que o nosso sistema motor responde a estímulos demasiado pequenos para serem detectados conscientemente.

Embora Polanyi (1997 e 2009) na sua obra não aborde a este nível o controlo motor humano estamos perante uma situação à qual o seu adágio se aplica: We know more than we can tell – sabemos mais do que somos capazes de dizer. Neste caso podemos falar com propriedade numa sabedoria tácita do corpo.

Uma das explicações para esta capacidade de os músculos reagirem a variações de força imperceptíveis é o reflexo miotático. No interior da maioria dos músculos esqueléticos há estruturas especializadas em detectar variações do comprimento, chamadas fusos musculares. Perante um aumento do comprimento do músculo estas estruturas enviam uma mensagem neuronal que despoleta ao nível da espinal medula uma contracção para resistir ao alongamento imposto. Este reflexo miotático é um processo inconsciente e automático, cujo regular funcionamento é testado pelos médicos com uma ligeira pancada no joelho. Por isso a reacção muscular a uma súbita alteração do peso suportado por um braço pode iniciar-se 30 milissegundos depois, muito antes de a informação chegar ao cérebro (Schmidt & Lee, 2005: 150).

Estes fusos musculares são exemplos de proprioceptores, os componentes do sistema somático que se especializa na “sensação corporal”, a que o neurofisioligista Charles Sherrington (1906) atribuiu o termo propriocepção, e que nos dá informação sobre o movimento e posição dos vários segmentos do nosso corpo e uma medida da intensidade do esforço muscular exercido em cada momento. A quantidade de fusos musculares varia consoante o músculo, sendo extremamente numerosos nos músculos do pescoço, dos olhos

e das mãos, mas praticamente inexistentes no diafragma. Os músculos da face e as cordas vocais não possuem nenhuns. Os primeiros usam o feedback dos receptores da pele para regular a sua actividade e as segundas usam a informação auditiva (Tubiana & Camadio, 2005: 97).

Os ajustamentos posturais antecipatórios

Outro exemplo relevante para esta exposição são certas reacções posturais preparatórias. Bouisset e Zattara (1981) observaram movimentos antecipatórios nos membros inferiores e no tronco antes do início de movimentos voluntários. Estes movimentos contribuem para a organização dinâmica do equilíbrio e servem para reduzir a perturbação do movimento subsequente, e seriam específicos do movimento intencional (Aruin, 2002). Se de facto é este o caso, então estes ajustamentos posturais devem ser pré- programados. Imaginemos que em resposta a um dado sinal temos de elevar um braço à frente do corpo. O tempo de reacção necessário para iniciar o movimento é de cerca 200 milissegundos. Mas se estivermos equilibrados com o mínimo de tensão necessária, um movimento do braço para a frente resulta num deslocamento do centro de gravidade que provocaria uma queda para a frente, caso não houvesse uma compensação durante a elevação do braço. O papel dos fusos musculares na manutenção do equilíbrio nestas situações, provocando uma contracção reflexa dos músculos alongados pelo desequilíbrio seria um dos mecanismos para a reposição do equilíbrio. No entanto, vários estudos (Belenk’ii et al 1967; Cordo & Nashner, 1982) registaram a actividade electromiográfica dos músculos das pernas assim como dos principais responsáveis pela elevação do braço e mostraram que há acções antecipatórias. Depois do sinal dado ao sujeito para levantar um braço, os primeiros sinais de actividade muscular ocorreram nos músculos da parte de trás da perna do lado oposto do corpo cerca de 60 milissegundos antes de ser detectada qualquer actividade nos músculos do ombro (Magill, 2001: 108). Isso mostra que a actividade nos músculos da perna não pode ter sido provocada pelo reflexo miotático resultante do desequilíbrio provocado pelo movimento do braço que ainda não tinha sido iniciado. Esta actividade na perna é resultado da descarga corolária,9 também chamada                                                                                                                

9 A descarga corolária é fruto da experiência e permite aos centros sensoriais do cérebro antecipar as consequências das ações produzidas pelo sujeito, por exemplo, para sabermos se é o olho que se move num mundo estável ou se é o mundo que se move perante um olho estacionário. Os seus efeitos podem ser comprovados com uma pequena experiência. Se movermos o globo ocular com um dedo, sem envolver os músculos dos olhos temos a percepção de que o nosso campo visual salta. Em contrapartida, se fizermos um

cópia de eferência. O cérebro envia antecipadamente uma cópia da ordem motora aos centros perceptivos, permitindo uma antecipação das consequências do movimento que serão posteriormente obtidas através da propriocepção (Berthoz & Petit, 2006: 70). Esta descarga corolária permite iniciar muito rapidamente uma correcção do equilíbrio. Esta reacção antecipatória às consequências esperadas do movimento pode no entanto ser inibida e algumas experiências proporcionadas pela aprendizagem da Técnica Alexander descritas no capítulo sete permitem tomar consciência desse mecanismo e encontrar soluções para manter o equilíbrio com menos dispêndio de energia muscular.

O fenómeno do copo de vinho

Outro tipo de reações excessivamente rápidas para serem mediadas pela consciência e que são relevantes para um flautista é o chamado “efeito do copo de vinho”.10 Johansson e Wrestling (1988) estudaram as reações motoras aos estímulos que indicam a perda de controlo dum objecto seguro entre os dedos. Pediram aos sujeitos para segurar um copo entre o polegar e o indicador e foram colocando pequenos pesos dentro do copo. O estímulo que indica que o copo começa a escorregar é uma série de pequenas vibrações na pele dos dedos, detetadas por mecano-receptores cutâneos; a resposta a uma