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I PARTE: FERRAMENTAS CONCEPTUAIS

Capítulo 5: A TÉCNICA ALEXANDER

5.2 Os Princípios da Técnica Alexander

Os princípios da TA são simples e vistos isoladamente podem até ser considerados truísmos pouco originais. Bom senso organizado pode ser uma definição lacónica mas fidedigna. No entanto há evidências que muitos reconhecem mas poucos põem em prática. A Técnica deve ser vista no seu todo para ser compreendida e o rigor microscópico com que aplica os seus princípios é talvez o seu ponto forte. Como qualquer técnica, aprende-se com um professor numa aula. Não é uma terapia e obriga a um empenho do aluno na sua aprendizagem e aplicação, caso contrário, os efeitos geralmente benéficos duma aula são de curta duração. É o treino da capacidade de uma pessoa pensar e reagir de uma certa forma que é a essência do trabalho, não a capacidade de se mover, sentar ou levantar duma maneira particular. Das muitas insatisfatórias ou parciais definições da Técnica Alexander, proponho esta: é uma disciplina de reeducação somática que procura estudar as relações entre o pensamento e o movimento.

Vou procurar sintetizar os princípios da Técnica Alexander (TA) em seis pontos. Esses princípios foram emergindo ao longo da investigação heurística de Alexander descrita no subcapítulo anterior.

1.Visão Holística

Alexander (1985) começa o seu terceiro livro “The Use of the Self” publicado em 1932, com uma profissão de fé na unidade corpo-mente. Adopta o termo “psicofísico” para se referir a todos as actividades do organismo. Para ele a unidade do corpo e da mente é uma realidade objectiva: corpo e mente não são entidades relacionadas uma com a outra de uma forma ou de outra, mas um todo inseparável no seu funcionamento. Vê o organismo como um todo, em que o funcionamento de cada parte específica só pode ser compreendida ou modificada agindo sobre o todo. O título do livro, “uso de si mesmo” e não “uso do corpo” traduz essa indissociável unidade entre pensamento e acção.

Nesse sentido nenhum professor de Técnica Alexander aborda directamente qualquer problema específico que aflija um aluno e isso surpreendeu-me nas primeiras aulas e continuou a surpreender-me mais tarde quando numa aula com Pedro de Alcantara pedi para trabalhar a respiração e recebi como resposta que “como sempre a melhor abordagem inicial para um problema é ignorá-lo e portanto não vamos começar por

discutir ou trabalhar a respiração”. Prestar demasiada atenção a um problema específico distrai-nos da percepção global e a aula começou por abordar aspectos mais gerais.

Num sistema altamente complexo como a mente ou o corpo humano todas as partes se afectam umas às outras de uma forma intrincada e estudá-las individualmente muitas vezes perturba as suas interacções de tal forma que uma unidade isolada se pode comportar de forma muito diferente daquela em que se comportaria no seu contexto normal. Portanto é mais útil considerar a natureza de todo o sistema ao mesmo tempo... As pessoas têm tendência a aceitar a ideia da análise da acção literalmente, no sentido de decompor algo nas suas partes constituintes1 (Clarke & Crossland, 1985: 16).

Clarke escreve na perspectiva dum sistema dinâmico, cujo comportamento se caracteriza por mudar bruscamente dum estado de equilíbrio para outro, quando uma alteração gradual dum factor atinge um ponto crítico, devido às complexas interacções entre os componentes. Alexander na sua rebuscada mas precisa linguagem, chama a atenção para o mesmo:

Se um defeito é reconhecido no uso duma parte e uma tentativa é feita para corrigir esse defeito mudando o uso dessa parte sem provocar ao mesmo tempo uma mudança correspondente no uso das outras partes, o equilíbrio funcional no uso do todo será perturbado. A menos que a pessoa que tenta fazer uma mudança no uso duma parte específica tenha uma compreensão daquilo que é necessário alterar ao mesmo tempo para manter o equilíbrio2 (Alexander, 1985: 77).

A visão holística de Alexander é também consistente com a de Polanyi, para quem é extremamente difícil, ou mesmo impossível, especificar todas as relações entre os detalhes, pois podemos ter consciência deles sem compreender a sua participação na complexidade da actividade. Todos os detalhes ficam sem sentido, se perdermos de vista o padrão que eles constituem em conjunto. A vã tentativa de especificar todos os detalhes é duplamente limitada. “Em primeiro lugar, há sempre um resíduo de detalhes por explicitar;

                                                                                                               

1 Texto original: “In a highly complex system like the human mind or human body all the parts affect each other in an intricate way, and studying them individually often disrupts their usual interactions so much that an isolated unit may behave quite differently from the way it would behave in its normal context. Therefore it is argued, it is more useful to consider the nature of the whole system at the same time...People tend to take the idea of analysis of action too literally, to mean decomposition of something into its component parts.” 2 Texto original: “If a defect is recognized in the use of a part, and an attempt is made to correct this defect by changing the use of the part without bringing about at the same time a corresponding change in the use of the other parts, the habitual working balance in the use of the whole will be disturbed. Unless, therefore, the person attempting to make a change in the use of a specific part has an understanding of what is required to bring about at the same time, a corresponding change in the use of the other parts which will make for a satisfactory working balance...”

em segundo, mesmo quando os detalhes são identificados, o seu isolamento altera em certa medida a sua aparência”3 (Polanyi, 1969: 124).

Uma abordagem de dificuldades ou problemas específicos descontextualizados cria assim o risco de confundir efeitos com causas, criando dificuldades na articulação de processos conscientes e inconscientes. A inspiração ruidosa de Alexander era provocada pela posição relativa da cabeça e do pescoço, por isso ele concluiu que não adiantava procurar uma solução agindo directamente sobre a respiração.

A capacidade da atenção não permite atender simultaneamente a todas as partes ou detalhes do todo pelo que a nossa percepção selecciona aquelas que assim se vão transformar em saliências. A prática da flauta é muitas vezes organizada de forma a abordar cada problema específico e essa tendência para procurar soluções, assumindo que o problema só tem implicações localizadas foi uma das causas dos problemas e impasses descritos nos capítulos da segunda parte da tese.