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CONVERGÊNCIA DOS CARACTERES

No documento A Origem das Espécies (páginas 142-144)

M. H. C. Watson julga que atribuo demasiada importância à divergência dos caracteres (de que me parece, além disso, admitir a importância) e que o que po- de chamar-se a sua convergência deve igualmente desempenhar qualquer papel. Se duas espécies, pertencendo a dois gêneros distintos, ainda que próximos, têm produzido um grande número de formas novas e divergentes, é compreensível que estas formas possam aproximar-se bastante umas das outras para que de- vam colocar-se todas as classes no mesmo gênero; por isso, os descendentes de dois gêneros distintos convergiriam em um só. Mas, na maior parte dos casos, seria muito temerário atribuir à convergência uma analogia íntima e geral de con- formação entre os descendentes modificados de formas muito distintas. As forças moleculares determinam somente a forma de um cristal; e não é para surpreender que substâncias diferentes possam muitas vezes revestir a mesma forma. Mas devemos nos lembrar que, entre os seres organizados, a forma de cada um deles depende de uma infinidade de relações complexas; as variações que se manifes- tam, devidas a causas muito inexplicáveis para que se possam analisar - a nature- za das variações que têm persistido ou feito o objeto da seleção natural, as quais dependem das condições físicas ambientes, e, em alto grau ainda, dos organis- mos circunvizinhos com os quais cada indivíduo entra em concorrência - e, enfim, a hereditariedade (elemento flutuante em si) de inumeráveis antepassados cujas

formas foram determinadas por meio de relações igualmente complexas. Seria inacreditável que os descendentes de dois organismos que, na origem, diferiam de uma maneira pronunciada, tivessem jamais convergido depois suficientemente para que a sua organização total se aproxime da identidade. Se assim fosse, en- contraríamos a mesma forma, independentemente de toda a conexão genésica, nas formações geológicas muito separadas; ora, o estudo dos fatos observados opõe-se a uma semelhante conseqüência.

M. Watson objeta também que a ação contínua da seleção natural, acom- panhada da divergência dos caracteres, tenderia à produção de um número infini- to de formas específicas. Parece provável, no que diz respeito pelo menos às condições físicas, que um número suficiente de espécies se adaptaria em breve a todas as diferenças de calor, de umidade, etc., por mais consideráveis que sejam estas diferenças; mas admito completamente que as relações recíprocas de seres organizados são mais importantes. Ora, à medida que o número das espécies cresce num país qualquer, as condições orgânicas da vida devem tornar-se cada vez mais complexas. Portanto, não parece haver, à primeira vista, limite algum à quantidade de diferenças de estrutura vantajosas e, por conseqüência também, ao número de espécies que poderiam ser produzidas. Não sabemos mesmo se as regiões mais ricas possuem o máximo de formas específicas: no cabo da Boa Es- perança, na Austrália, onde vive já um número tão admirável de espécies, muitas plantas européias se aclimataram. Mas a geologia demonstra-nos que, depois de uma época muito antiga do período terciário, o número das espécies de conchas e, desde o meado deste mesmo período, o número de espécies de mamíferos não aumentou muito, admitindo mesmo que tenham aumentado um pouco. Qual é en- tão o obstáculo que se opõe a um aumento indefinido do número das espécies? A quantidade de indivíduos (não quero dizer o número de formas específicas) po- dendo viver numa região deve ter um limite, porque esta quantidade depende em grande parte das condições exteriores; logo, se muitas espécies habitam uma mesma região, cada uma destas espécies, quase todas certamente, devem ser representadas por um pequeno número de indivíduos apenas; demais, estas es- pécies são sujeitas a desaparecer em razão de alterações acidentais provenientes

da natureza das estações, ou do número dos seus inimigos. Em tais casos, o ex- termínio é rápido, quando pelo contrário a produção de novas espécies é sempre muito lenta. Suponhamos, como caso extremo, que havia em Inglaterra tantas es- pécies quantos indivíduos: o primeiro Inverno rigoroso, ou um Verão muito seco, causaria o extermínio de milhares de espécies. As espécies raras (e cada espécie tornar-se-ia rara se o número de espécies de um país crescesse indefinidamente), oferecem, explicamos já em virtude de que princípio, poucas variações vantajosas num tempo dado; por conseqüência, a produção de novas formas específicas se- ria consideravelmente demorada. Quando uma espécie se torna rara, os cruza- mentos consangüíneos contribuem para adiantar a sua extinção; alguns autores pensaram que conviria, em grande parte, atribuir a este fato o desaparecimento do

uro na Lituânia, do veado na Córsega e do urso na Noruega, etc. Enfim, e estou

disposto a acreditar que é isto o elemento mais importante, uma espécie dominan- te, tendo já vencido muitos concorrentes no seu próprio habitat, tende a estender- se e a suplantar muitos outros. Alphonse de Candolle demonstrou que as espécies que se espalham muito tendem ordinariamente a espalhar-se cada vez mais; por isso, estas espécies tendem a suplantar e a exterminar muitas espécies em muitas regiões e atrasar assim o aumento desordenado das formas específicas sobre o Globo.

O Dr. Hooker demonstrou recentemente que na extremidade sudeste da Austrália, que parecia ter sido invadida por numerosos indivíduos vindos de dife- rentes partes do Globo, as diferentes espécies australianas indígenas diminuíram consideravelmente em número. Não pretendo determinar que valor convém atribu- ir a estas diversas considerações; mas estas diferentes causas reunidas devem limitar em cada país a tendência para um aumento indefinido do número de for- mas específicas.

No documento A Origem das Espécies (páginas 142-144)

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