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Para se cantar na igreja de forma avulsa, diferentemente da Harpa Cristã, os cantores assembleianos, não querendo cantar todas as estrofes dos hinos dos hinários convencionais, passaram a cantar canções curtas e de fácil memorização que tiravam de parte de algum hino já existente, reduzindo-o para ser cantado nos encontros e reuniões de jovens. Essa ideia nasceu, de forma autônoma, da necessidade dos cantores gospel de cantarem hinos menores para serem executados na mídia e nas igrejas, sendo uma novidade que, diferentemente da Harpa Cristã, não fazia parte de um repertório institucional das Assembleias de Deus e acabou dando certo, tornando-se alvo de investimento das gravadoras gospel, que passaram a focar nesse concorrido mercado da música evangélica.

Devido às várias atividades que eram desenvolvidas dentro da instituição, todos os departamentos passaram a fazer encontros mais informais fora da igreja com os jovens, entre eles, os retiros espirituais e os acampamentos, típicos dos assembleianos, nos quais imperava o novo estilo musical, que trazia o resultado positivo de evangelização.

Segundo João Wilson Faustini (1973), “os corinhos são cânticos de cunho evangelístico, que se caracterizam por uma estrutura melódica simples e intuitiva, de pequena extensão com conteúdo emocionalista” (apud DOLGHIE, 2007, p, 204). Na junção desses dados, vale ressaltar que muitos cantores se valeram da livre interpretação do novo estilo de hino, extremamente mais curto, com letras e melodias de fácil memorização, que passaram a compor o repertório dos jovens por possuírem ritmos mais animados em comparação aos tradicionais hinos da Harpa, que eram longos e de difícil memorização. Por esse motivo, rapidamente, os corinhos passaram a dominar no momento de louvor não só das igrejas, mas também das reuniões de jovens, dos congressos e retiros espirituais.

Maxwell Fajardo faz um balanço bibliográfico importante sobre o processo de transição musical que marcaria a hinologia tradicional:

Diferente dos hinos da HC, os hinos avulsos não fazem parte de um aparato institucional das ADs. Ao falar sobre o desenvolvimento da produção musical evangélica no Brasil, Vicentini (2007) e Lima (1991) observam que até a década de 1950 predominavam nas igrejas (e incluem-se aqui as ADs) o uso generalizado dos hinários. Porém a partir desta época começaram a se disseminar os chamados “corinhos”, ou seja, canções curtas e de fácil memorização e que tinham um maior apelo emocional. Cunha (2007) nos indica que no caso das igrejas protestantes, os corinhos baseavam-se em versões de canções norte-americanas, trazidas ao Brasil principalmente por

organizações paraeclesiásticas, enquanto os pentecostais desenvolviam

composições populares mais ligadas às raízes nacionais. (FAJARDO, 2015,

p. 226, grifo do autor).

A popularidade do corinho deu vez a um novo estilo americanizado, com um pouco mais de letras e novas estrofes cantadas de forma livre. Em um entendimento mais popular, pode-se considerar o cântico como a evolução do corinho. Com a novidade da nova proposta musical em plena expansão, a Assembleia de Deus passa a aceitar, em sua instituição, as novas composições cantadas por cantores externos ou outras igrejas. Porém com a ressalva de que se mantenha sua linha teológica. É na década de 1950, conforme Fajardo, que sai o “anúncio do LP do cantor Feliciano Amaral, um pastor batista que através das novas músicas passa a influenciar o cenário musical evangélico com um novo repertório nos cultos” (2015, p. 227), trazendo aproximação entre as denominações. Ainda segundo Fajardo, “tal tendência acentuar- se-ia ainda mais nas décadas seguintes. Ao lado das músicas de Feliciano Amaral, as canções do já citado Luiz de Carvalho, também batista, se popularizariam entre os assembleianos” (2015, p. 227).

Porém, com o crescimento dos novos hinos cantados por outras denominações, a parte conservadora das Assembleias de Deus não quis correr o risco de perder a doutrina assembleiana e divulgou, através do jornal Mensageiro da Paz, o lançamento da gravação de LPs interpretados por cantores, bandas e coros da instituição. A AD estaria se declarando autossuficiente para produzir, com seus próprios cantores, músicas que garantissem a hegemonia da denominação, não necessitando mais recorrer a cantores e músicas de outras instituições. O texto original evidencia isto com trechos em caixa-alta (presentes no texto original).

Viemos hoje trazer ao conhecimento dos irmãos uma notícia auspiciosa, qual seja a do LANÇAMENTO à venda, de DISCOS EVANGÉLICOS PRODUZIDOS por irmãos das ASSEMBLEIAS DE DEUS, no Brasil. Constituía uma grande lacuna em nosso meio, discos produzidos, isto é, não apenas fabricados e custeados por nós, mas CANTADOS com o mesmo espírito e doutrina das Assembleias de Deus, com a unção do Senhor, fator tão importante. Três discos lançados são cantados pela família J.P. Kolenda, constituído solos, duetos com fundo de Órgão Elétrico, plano acordeão e violão elétrico. Outros dois são executados pela banda e coro da igreja de Madureira [...] Façam logo seus pedidos à Casa Publicadora da Assembleia de Deus – Atendemos pelo SERVIÇO DE REEMBOLSO POSTAL – Preço de cada disco Cr$ 40,00, mais o porte do correio. Também a Livraria Evangélica, em São Paulo tem à venda os referidos discos – o endereço é: Largo de São Francisco, 106. S. Paulo (Capital). (MENSAGEIRO DA PAZ, 1954b apud FAJARDO, 2015, p. 227-228).

Por causa do conservadorismo assembleiano, um conselho da instituição nominou, como critério musical, os considerados hinos “avulsos” como música não sacra, ou seja, fora dos “moldes” musicais da denominação e, ainda, para garantir sua exclusão nas igrejas, pautou seu conteúdo como teologicamente inviável, digno de desconfiança para a AD.

A Harpa Cristã é o nosso cantor oficial. O que não se pode tolerar jamais, é uma remessa de hinos que chamam de “AVULSOS”: cujos ritmos e melodias, revelam dissonantemente algo que está completamente fora da polifania da música sacra. Além disso, no conteúdo das referidas músicas, se percebe perfeitamente o espírito da música profana. (NASCIMENTO, 1964a apud FAJARDO, 2015, p. 228).

De acordo com Jacqueline Dolghie, “a grande chave para o crescimento desse novo estilo musical se deu pelo crescimento oriundo dos grupos jovens como Vencedores por Cristo,

Elo, Som Maior, Jovens da Verdade, Logos, etc. que divulgavam seus trabalhos nas outras

denominações” (2007, p. 208), fazendo seguidores por onde passavam. Não obstante, devido à invasão desse novo estilo musical, Fajardo afirma que a Assembleia de Deus colocou, no

Mensageiro da Paz, “uma matéria pedindo aos pastores da instituição para incentivarem a

campanha para o crescimento do Coral e Orquestra da AD em Madureira/RJ” (2015, p. 228), fazendo disso uma divulgação interna de seu conteúdo musical, enfatizando que tal crescimento musical implicaria, também, no crescimento da visão ministerial e que essa era a vontade de Deus. Ou seja, travara-se uma luta para as denominações se manterem fiéis às suas raízes com suas respectivas músicas e estilos musicais. Nesta mesma matéria do Mensageiro da Paz, divulgavam-se apresentações do referido grupo em várias redes, como em rádio e até mesmo pela TV, que, mesmo considerado um aparelho profano para as Assembleias de Deus, não deixou de ser usada. Isso prova o início da disputa pelo mercado musical que passava a usar novas estratégias para o crescimento de seu grupo.9

O crescimento musical foi se alastrando e trazendo benefícios para todos. O que antes era somente um “corinho”, com letras curtas e melodias fáceis, passou a pegar “corpo” e se tornou cântico, ou seja, um nível mais avançado do corinho, com uma nova linha harmônica, com melodias mais trabalhadas, estrofes e refrão intercalando com interlúdio e letras mais completas, contando histórias. Os arranjos também evoluíram, passando a usar instrumentos elétricos, como guitarra, baixo, teclados e sintetizadores. Tudo isso passando a compor uma

9 Nesta mesma época, a CCB também está definindo suas fronteiras, mas toma um caminho oposto ao das

Assembleias de Deus. Neste período, abandona a predominância étnica ao traduzir seu hinário para o português, mas o utiliza como única referência musical nos cultos (FRESTON, 1994).

nova tendência musical, expandindo o mercado da música gospel diariamente, fazendo disso um grande negócio.

Contudo a Assembleia de Deus lança grandes cantores, que se tornariam conhecidos no cenário musical, entre eles, Ozeias de Paula, a dupla Otoniel e Oziel, Victorino Silva e Josué Lira (FAJARDO, 2015, p. 228). Todos com seus próprios LPs, marcando presença nos maiores festivais de música gospel, sendo cantores oficiais dos grandes eventos convencionais e tocando, entre os grandes sucessos, nas maiores rádios do país. Com o grande sucesso da música

gospel, a produção musical evangélica passou a dar mais atenção aos músicos, tendo o critério

de formar grandes equipes do cenário evangélico geral, dando, assim, qualidade aos projetos assembleianos, expandindo os campos musicais das Assembleias de Deus para além dos tradicionais arranjos da Harpa Cristã.

O cenário gospel estava em pleno crescimento, com novo estilo musical, novos cantores e a inserção de novos instrumentos. Porém, mesmo com o crescimento de grandes músicos brasileiros despontando no mercado e compositores com excelentes músicas, o estilo musical ainda estava sendo influenciado pelos norte-americanos que, com suas melodias fáceis e acordes simples, ainda encantavam os brasileiros.

Com todo esse crescimento do novo estilo musical no mercado gospel, a Igreja Renascer, através da mídia, estava “empurrando” a nova tendência da música gospel para todas as denominações, entrando, através de novos cantores e do marketing, em rádios, programas de TV e eventos. Porém, nesse cenário de novas tendências musicais, a Assembleia de Deus se mantinha firme em suas músicas pentecostais, ainda com os antigos sucessos de Ozeias de Paula. Foi na década de 1990 que os assembleianos passaram a cantar os grandes sucessos da cantora Shirley Carvalhaes, como a música “Faraó ou Deus”, uma proposta musical mais ousada para o conservadorismo da denominação. Porém, como o gospel ainda não tinha penetração na AD, por motivos conservadores de seus líderes e pastores, os jovens assembleianos começaram a ouvir o novo estilo musical e a sentir um novo amor pelo novo conceito proporcionado pelas novas letras, instrumentos e arranjos.

Nesse período, a AD começou a sentir necessidade de algo a mais para segurar os jovens assembleianos, que já não se contentavam com o mesmo estilo arcaico em suas igrejas. É nesse contexto de novas tendências musicais que Estevam Hernandes investe em uma gravadora, em uma estratégia de marketing, para atender o mercado gospel que estava em ascensão, e grava, em junho de 1990, o primeiro trabalho musical, o LP Princípio, do grupo carioca Rebanhão (SIEPIERSKI, 2001, p. 87). Era mais uma estratégia, mais uma investida que reverteu para que

a Igreja Renascer levasse uma centena de jovens em busca desse novo conceito difundido pela mídia.

A Assembleia de Deus não consegue uma projeção tão eficiente como a da Igreja Renascer para divulgar seus cantores e manter a tradição de suas raízes conservadoras. Com isso, a instituição vai perdendo fôlego ao longo dos anos, diante da máquina da mídia, que divulgava, com força total, as novas tendências musicais. Um novo estilo de música precisava ser cantado entre os assembleianos, um estilo que fosse moderno e conservador, que pudesse juntar o tradicionalismo e o modernismo. Dessa forma, nasce, no cenário gospel pentecostal, a necessidade de um novo estilo, que pudesse ser aclamado pelos jovens, que provocasse a percepção de uma nova tendência musical.

Essa nova tendência foi iniciada pela cantora assembleiana Cassiane, que colocou o estilo musical pentecostal em novos aspectos rítmicos. Esse novo ritmo trazia novos modos de composição de letra e melodias que lhe dariam um aspecto “moderno”, pois eram conduzidos por instrumentos que, até então, não eram utilizados. O que se percebia era que o mundo ao redor da igreja estava mudando, o cenário tomava novas formas e estava se modernizando, um novo estilo musical estava se formando. Os jovens passaram a conhecer novas tendências, passaram a interagir, a ir aos shoppings, a assistir à TV e a frequentar espetáculos, mas, até aquele momento, a Assembleia de Deus se mantinha blindada contra toda essa modernidade.

Como a sociedade estava passando por uma metamorfose, vários cantores do cenário

gospel começaram a apostar em novos estilos, mas não emplacavam, devido à sua timidez

musical. Da necessidade de manter a legitimação musical partindo do pressuposto de que há, dentro da instituição, uma constante luta no campo religioso que oscila entre o moderno e o conservador, nasce o novo conceito da música gospel nas Assembleias de Deus. Essa afirmação dá fundamentação para a tarefa de pesquisar a construção da música gospel no processo musical-religioso brasileiro dentro da Assembleia de Deus.

É partindo dessa premissa que entendemos que a Assembleia de Deus estava em um conflito interno para manter o que a instituição preservava como “doutrina santa”, nesse caso, as tradicionais letras da Harpa Cristã, que continham o ideal de pureza da verdade teológica. Qualquer tentativa de alteração ou algo parecido, que ao menos trouxesse dúvida, era deixado de lado, considerado pelos mais conservadores como profano e impedido de ser cantado nas igrejas. No plano institucional, essas práticas tinham como objetivo preservar sua doutrina, que, de certa forma, preserva o habitus e o capital religioso acumulado, como afirma Dolghie (2007, p. 229). Porém isso não é um critério comum, pode variar de uma instituição para outra, dependendo de sua doutrina ou linha teológica.

Como uma igreja pentecostal, a Assembleia de Deus, mesmo tendo sua flexibilidade institucional, sempre manteve, em suas raízes, suas doutrinas, comumente conhecidas como “usos e costumes”, que se referem, na maioria das vezes, à forma típica de vestimenta e de conduta exigida do crente assembleiano, e esse procedimento se estende à liturgia dos cultos, como relata Fajardo (2015, p. 105). Tal conservadorismo doutrinário se estendeu ao estilo musical que, por critério teológico, manteve suas músicas dentro de um padrão musical mais ortodoxo, utilizando a Harpa Cristã como um capital simbólico dentro da instituição, afirmando aos demais que o ministério ainda continua “santo”. Atualmente, centenas de novos projetos, de cantores dos mais variados estilos, de variadas denominações, são despejados no mercado musical evangélico diariamente através das mídias sociais, com variado repertório e com uma vasta produção musical de qualidade, e passam a ditar a escolha dos hinos avulsos que serão cantados nas igrejas (FAJARDO, 2015, p. 228).