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A partir desse novo sucesso no cenário assembleiano, não só a instituição, mas todas as demais igrejas passaram a aceitar o movimento e a consumir o novo estilo musical, que vinha,

também, sendo modificado, pouco a pouco, na aparência estética. Exigências de um mercado

gospel que começava a desassociar a personalidade de cantor pentecostal para a construção de

um modelo estético mais plausível e moderno, criando, com isso, sua marca. Em pesquisa, João Marcos da Silva escreve:

No caso de Cassiane, sua marca no meio gospel, não se dá diretamente ao seu perfil estético ou explorará de sua corporeidade, mas de sua construção como cantora pentecostal. Contudo, esse não foi um elemento descartado nas produções mais recentes dela. A preocupação com sua aparência estética foi reformulada e hoje suas fotos denotam essas alterações. Para Norval Baitello, o ser humano primitivo desde o seu surgimento, aprendeu a construir sua marca no seu caminho: “o homem, sendo um animal muito inquieto, percebeu, aprendeu com os outros animais, que deixando marcas em objetos, marcava sua presença, deixava a informação de sua presença em sua ausência”. (SILVA, 2010, p. 88).

No entanto os cantores continuavam enfrentando os desafios da resistência dos mais conservadores que, por outro lado, incentivavam outros cantores e promoviam a produção de LPs e CDs. Esse novo estilo de cantar ultrapassou as barreiras da instituição, trazendo o reconhecimento do novo sucesso dos cantores em todo cenário gospel. Esses cantores passaram a se apresentar em grandes eventos, realizados em igrejas, casas de shows, teatros, ginásios e estádios, passando a assumir uma nova linguagem empreendedora. Iniciou-se, assim, uma nova proposta ao público assembleiano, que começou a consumir esse estilo de música divulgado em rádios e televisão e a adquirir os álbuns.

Diante disso, a música foi um diferencial que alavancou o movimento pentecostal no Brasil. Por outro lado, a AD passou a criar suas estrelas e nomes da música evangélica, criando, consequentemente, uma indústria fonográfica. A música transpassou os quatro cantos dos templos assembleianos e deixou de ser uma música religiosa, passou a ser a força de uma cultura e um movimento emergentes, na busca pela experiência e participação. O consumo do novo estilo musical se fortaleceu ainda mais pelo sectarismo assembleiano, e foi nesse ínterim que se viu a necessidade de algo novo no cenário das ADs, tendo em vista o estilo conservador da igreja.

Quando os novos estilos e ritmos começaram a aparecer, houve resistências, devido ao padrão de hinos que eram cantados nas igrejas. Esses novos estilos trouxeram uma versão pop

rock não só para o cenário das ADs, mas para todo o cenário gospel. O uso de guitarras com drives e loops foi uma novidade revolucionária nos hinos que eram cantados nas igrejas, dando

A aceitação foi tão grande que, em todos os lugares do país, passaram a aderir esse estilo musical inovador em suas igrejas. Com isso, a música assembleiana pentecostal passou por uma transição considerável, agradando não apenas seus membros, mas todo o cenário gospel e musical brasileiro. A força das músicas com essa nova roupagem foi tão grande que houve aqueles que tentaram impedir seu crescimento. Mas, aos poucos, acabaram aderindo, pela facilidade das canções, e tocando em suas igrejas com seus próprios músicos, tendo em vista que os acordes usados eram de formação primária, facilitando sua execução por parte de músicos principiantes em seus grupos, conjuntos e igrejas.

Já introduzido o novo estilo, surgiu, então, um aditivo nos arranjos pentecostais. Pelas letras fortes dos hinos, os arranjos passaram a assumir um rock mais agressivo, porém com a utilização de guitarras somadas com violinos e com a concepção da bateria com a mixagem mais alta em suas músicas, dando maior atenção à “pegada” mais jovem. E foi assim que, aos poucos, as músicas mais tradicionais passaram a ter novas roupagens e arranjos mais “agressivos”, sendo usados naturalmente, com os músicos fazendo maiores investimentos em seus equipamentos e instrumentos.

A transformação também favoreceu o ingresso de músicos “profissionais” no cenário das ADs que, até então, não tinham aderido ao músico assalariado dentro de suas igrejas. Com a soma de músicos profissionais, novos arranjos, novos compositores compondo novos estilos, nova sonoridade, a música assembleiana começou, através de seus cantores, a “invadir” o campo musical de outras igrejas e abriu espaço para sua música em teatros, shows evangélicos, apresentação em feiras agropecuárias e em grandes festas de cidades, promovidas por suas respectivas prefeituras.

Com a inserção dos novos instrumentos, dando uma nova sonorização, o novo estilo agradou também as gravadoras, pela soma de milhares de CDs que passaram a vender. Um “novo” estilo de música “pentecostal” passou a dominar o cenário gospel, deixando para trás o termo “brega” de música, em consequência dos novos arranjos, da nova roupagem e da forma como os então cantores passaram a interpretar essa nova forma de música.

O título “música pentecostal” dado pelas gravadoras gospel para a música assembleiana se deu pelo fato de a interpretação do cantor ser marcante nas acentuações e suas letras fazerem jus ao que era cantado. E, mediante a junção de novas composições, com letras fortes, ritmos marcantes e inserção de instrumentos usados no pop rock, a Assembleia de Deus passou a dominar o estilo de música pentecostal.

Para grande parte dos pentecostais, a música é valorizada como uma ação divina na vida pessoal do crente; os arranjos que a tornam vibrante, impactante, ornamentada de

dramaticidade, dão a sensação de empoderamento, enfatizando os aspectos emocionais. É um estilo inconfundível, e promoveu diversos cantores, que gozam de grande prestígio produzindo músicas dentro dessa linguagem musical, sendo conhecidos mais pelo seu estilo do que pelas mensagens contidas nas músicas.

Outro fato interessante foi que a interpretação marcante passou a ser predominante nas vozes femininas. Com tons altos, timbres agudos e interpretações fortes, as mulheres começaram, então, a dominar o cenário pentecostal. Com isso, os grupos das igrejas AD começavam a cantar suas músicas tendo em vista o tom favorável, visto que a maioria dos participantes dos principais grupos das igrejas AD são mulheres. Isso se alastrou de tal forma que até chegou a ser dito que “se você quiser fazer uma música de sucesso, ela tem que ser fácil para os grupos de mulheres cantarem em suas igrejas”, informou-nos um cantor.

Desse modo, o argumento que sustentamos é que a cantora Cassiane é uma precursora desse novo estilo pentecostal, tornando-se uma das figuras importantes nessa fase de transformações musicais nas Assembleias de Deus. A performance de Cassiane consiste em interpretar, de forma vibrante, as letras, acompanhadas dos novos arranjos, que utilizam guitarras com drives, violinos, um back vocal “pesado” (com vários timbres, normalmente de oito a 12 vozes), produzindo esse novo estilo, denominado “Pop pentecostal”. Esse estilo, criado por seu produtor musical e interpretado por Cassiane, é caracterizado pelas partes fortes da música, com instrumentos como bateria, baixo, guitarra e cordas, tocando as notas em uníssono, intercalado com pausas, evidenciados na mixagem do projeto.

Figura 20 – Coletiva de imprensa: homenagem ao artista de

relevância no cenário gospel, no Credicard Hall, em São Paulo. Dezembro de 2018. Fonte: Arquivo pessoal.

Como uma das precursoras desse estilo, a cantora Cassiane passou a ser sua principal representante, servindo de modelo para outras cantoras, tendo em vista que o maior número de interpretes era formado por mulheres. É importante acentuar que há um divisor de águas no estilo de música das ADs; o estilo cantado antes do aparecimento do gênero que chamamos de “Pop pentecostal” está relacionado aos hinos da Harpa Cristã e aos corinhos, cantados com arranjos em estilo de marcha, devido à grande influência de seus compositores, que eram militares, e/ou em estilo de valsa, cantados por grupos de pessoas mais idosas, tendo em vista o ritmo mais calmo e de fácil fonema.

E, conforme aderiam ao estilo “Pop pentecostal”, os grupos, aos poucos, iam deixando de lado a companhia dos hinos da Harpa Cristã para começarem a inserir, em seus encontros, esse novo estilo de música que, mais tarde, passou a ser cantado como novidade nos ministérios de louvor que, até então, não haviam surgido. No conceito de música pentecostal, foram nascendo novas vertentes, como, por exemplo, o “estilo Cassiane”, que consistia em cantar fazendo gestos e com uma entonação mais forte e incisiva daquilo que estava sendo interpretado. Esse novo estilo musical passou a ser interpretado nas ADs pela cantora Cassiane, sem perder a “doutrina” imposta pela instituição que, até os dias atuais, mantém seus dogmas e origem de uma cultura mais conservadora. Com esta postura, a aceitação entre os pastores foi unânime, fortalecendo o novo estilo que, até então, era novidade para a igreja.

Essa transformação despertou o interesse de agências de eventos em promover, em seus eventos, a participação desses então novos “artistas” da música pentecostal que, em muito, parecia com o estilo da música sertaneja, seja pelos instrumentos utilizados, seja pela grande aceitação do povo, tanto evangélico quanto secular. Junto a esse crescimento, veio, também, a necessidade de novas ideias dentro desse estilo pentecostal. Porém o grande desafio era criar novas ideias sem perder a proposta inicial da base do “novo” estilo pentecostal. É diante dessa necessidade que nasce o estilo “Pop pentecostal” de Cassiane, em que a ideia era manter uma mixagem enfatizando a bateria, o contrabaixo e a guitarra, executados em uníssono com notas intercaladas e com pausas em determinados trechos da música. Isso foi uma revolução no estilo pentecostal, pois fortalecia as mensagens bíblicas dos pregadores pentecostais, que faziam dos cantores parceiros em suas ministrações, nas quais o pregador ministrava uma parte e chamava o cantor para continuar a pregação, cantando uma música que se encaixasse em suas mensagens e passagens bíblicas, levando o povo ao ápice do sermão.

Com essa descoberta, outros cantores passaram a fazer seus trabalhos musicais em cima dessa nova proposta, e os compositores passaram a compor suas músicas com passagens bíblicas fortes, que se encaixassem nas “paradinhas”. Cantores e pregadores passaram a valer-

se dos recursos da música para a performance do culto pentecostal. Os pregadores passaram, então, a escolher seus cantores preferidos, aqueles que se encaixassem em seus estilos de pregação. Com isso, quando determinados pastores convidavam um pregador renomado, o próprio pregador já indicava o cantor de sua preferência, fazendo alusão ao estilo de música e sugerindo que, daquela forma, seus eventos seriam reconhecidos pela grandeza de público e aceitação. Com esse apelo, as grandes convenções passaram a fazer convites à dupla, pregador/cantor, para seus maiores eventos, lotando igrejas, ginásios e estádios com congressos e conferências nacionais.

Desse modo, o novo estilo de música pentecostal havia sido aprovado e consagrado pelo povo, aceito pelos pastores e aclamado pelos pregadores. A nova fórmula da música pentecostal com as “paradinhas”, da cantora Cassiane, passou a ser cantada em grupos, conjuntos e corais de todas as igrejas AD, abrangendo do grupo infantil ao coral de anciãos e trazendo revelações de novos talentos de cantores que passaram a cantar esse estilo musical nas igrejas e a gravar seus CDs.

Por ser a maior igreja pentecostal do Brasil, a AD, com sua força, “empurrou” seu novo estilo como um trator, cantando em suas igrejas, tocando em rádios, TVs e eventos. A força foi tão grande que os cantores de outras igrejas passaram a gravar o estilo pentecostal assembleiano, que foi aceito pela maioria das outras denominações, inclusive pela comunidade católica: alguns padres gravavam as músicas já interpretadas pelos cantores evangélicos, reinterpretando para seus fiéis.

Com essa explosão, os produtores musicais e maestros, evangélicos e seculares, passaram a ouvir a música “pentecostal” pela riqueza dos arranjos, pela qualidade da voz gravada em estúdios de alta qualidade e pelo requinte dos instrumentos usados, como quarteto de cordas, trompas, oboé, trio de metais, acordeão, muitos violões e guitarras, e pelo vocal que somava com a voz do cantor, fazendo a base para que este tivesse liberdade para improvisos em suas interpretações.

A qualidade dos CDs melhorou consideravelmente, de modo que, a partir daí, nasceu um novo público – os consumidores do playback. Com a alta qualidade das gravações, a clareza dos sons e a música nas paradas do sucesso, a procura pelo CD contendo somente o instrumental, remixado, sem a voz do cantor, passou a ser objeto de desejo para quem almejava cantar e não tinha condições financeiras para bancar uma orquestra, banda ou uma boa qualidade na gravação. O sucesso foi tão grande que as gravadoras passaram a dar premiações pelas vendagens de cópias de CD playback aos seus respectivos cantores, fazendo disso uma segunda fonte de renda daquele mesmo trabalho gravado.

Com a proliferação da venda de playbacks, o trabalho do cantor passou a ser cantado em diferentes lugares do país e do mundo, ajudando, assim, na divulgação do projeto e fazendo as vendas se multiplicarem cada vez mais. Desse modo, os playbacks eram, em si, um show à parte, devido à qualidade da gravação e à composição dos arranjos, fazendo disso um estudo de projeto para os demais estilos musicais, tendo em vista que a criação não teve mais fim. Ora eram usados violinos somados com guitarras, no estilo rock inglês, ora eram usados órgãos com corais, em estilo gregoriano, e ora eram usadas orquestras, em estilo de trilha sonora de filmes.

Era a consagração da música pentecostal assembleianas, com excelentes cantores interpretando grandes composições e com uma voz marcante, peculiar, indispensável para esse estilo de música. Grandes composições, com melodias apoteóticas e letras com temas fortes se encaixando nas batidas e levadas ao estilo pentecostal, gravadas com a pressão dos estilos impressos pelos instrumentos básicos para a proposta, com clareza indiscutível dos sons gravados e produzindo um CD com alto padrão de qualidade, reconhecido por grandes cantores, produtores e arranjadores do meio secular e, em alguns casos, com produção de arranjadores e produtores de fora do cenário evangélico.

Mediante todo esse investimento, as gravadoras passaram a trabalhar em uma pesada estratégia de divulgação e marketing, possibilitando e patrocinando a execução dessas músicas em rádios seculares e em programas de TV de maior expressão do país. Em lugares onde o CD tinha dificuldade para chegar, como nas regiões Norte e Nordeste, algumas gravadoras passaram a adotar o sistema de catálogo de seus produtos, fazendo com que cada CD tivesse, em seu encarte, os demais produtos da empresa e, com isso, cada cantor era um representante legal e em potencial dos produtos de sua empresa, possibilitando a visibilidade do acervo completo disponível. Além disso, os cantores ganhavam descontos relevantes da gravadora na compra de seus próprios CDs, possibilitando, assim, a venda em lugares mais remotos do país; essa ideia possibilitou a divulgação dos cantores da mesma gravadora e facilitou o deslocamento do produto aos lugares mais distantes e de difícil acesso do Brasil e do mundo.

A grandeza do Brasil e a quantidade de igrejas contribuíram para esse crescimento pentecostal, tendo em vista que tínhamos poucos cantores nesse novo estilo para atender a demanda das igrejas que os convidavam para estarem em suas festas e programações. É importante frisar que, para cantar esse estilo de música, o cantor deveria estar na “doutrina” imposta no estatuto da convenção ou dentro de um critério assembleiano, como, por exemplo, nas convenções mais conservadoras, as mulheres não podiam cantar usando calça comprida, nem usar brincos, maquiagens, nem cortar o cabelo, atendendo o critério de doutrina de “usos e costumes” da instituição. Além disso, devia estar casada e desfrutar de um bom nome, sem

ter participado de nenhum escândalo. Os homens tinham que usar paletó e gravata e seguir os mesmos critérios morais impostos para as mulheres. Como os pastores falavam: “tudo tem que ser com decência e ordem”. Essa era a visão conservadora dos pastores assembleianos.

Estes critérios eram relevantes para participar de cultos nas igrejas e cantar em grandes congressos pentecostais das principais convenções do país. Com tantas exigências, o número de cantores era reduzido e compacto para atender tantas igrejas e festas, que se, somadas, um cantor demoraria, em média, 50 anos para cantar em todas as Assembleias de Deus existentes no Brasil, levando em consideração uma programação por dia.17