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O corpo X o olhar do outro

No documento Lúpus – “só quem tem é que sabe”. (páginas 158-171)

CAPÍTULO 2. A CONVIVÊNCIA ENTRE IGUAIS COMO ESTRATÉGIA

2.4 O corpo X o olhar do outro

Algumas mulheres na LOBA apresentavam marcas visíveis como deformação de membros, cicatrizes na pele, falta de cabelo, dentre outros problemas. Geralmente as discussões sobre tais problemas não eram muito detalhadas, muito poucas vezes elas se manifestaram em relação a isso. O que se mais enfatizava na interação entre si era a importância da criação de autoconfiança em situações desconfortáveis, da troca de informações para o fortalecimento mútuo, e estes problemas foram relacionados a isso. Seus relatos contribuiriam para um entendimento e enfrentamento das questões difíceis, bem como a luta para viverem melhor, aumentando sua autoconfiança:

Aqui são relatos, porque aqui todo mundo é portador, e quem não é, é parente, e a gente procura dar informação da doença, a gente fala sobre os tratamentos, a forma que os médicos tratam os pacientes e também o conhecimento né, contar sua experiência. Eu espero que todos nós possamos viver bem, e agradecer a deus por mais um dia, porque o importante é a gente saber lutar e querer viver e não casar com o lúpus, porque esse negócio de casar com o lúpus não dá certo não.

Neste mesmo dia houve uma discussão mais extensa entre elas relacionada às situações desconfortáveis, também ligadas a questões do universo feminino. Duas mulheres descreveram suas experiências e a expressão de seus sentimentos em situações de desconforto como a de embaraço causada pelos sinais deixados pela doença.

Um dos casos foi contado por Magali, aparentando mais de quarenta anos, negra, com marcas visíveis em seu rosto, como se fosse uma queimadura. Neste dia ela relatou

estar reunindo-se na LOBA há pouco tempo, mas achava necessário manifestar sua opinião a respeito da importância da divulgação de informações para um melhor entendimento da doença e aumento da autoconfiança enfatizada por Jacira, como também a escuta de experiências de outras como parâmetro para a compreensão de suas próprias, já vividas:

Graças a deus estou descobrindo como adquirir informações, porque eu tenho lúpus há mais de 20 anos, e agora que eu tô aqui no grupo que eu tô começando a ter mais informações e mais conhecimento, aliás, nem contato com pessoas que tinham a mesma doença eu não tinha e eu achava que eu era a única a ter problema, que era uma doença rara, eu não achava ninguém que tinha. Eu, no hospital que eu trabalhava, uma certa época faleceu uma prima de uma amiga minha, teve a crise e internou lá e de repente foi pra UTI e daqui a pouco morreu, foi um processo rápido, aí depois que eu fiquei sabendo o que era, que foi lúpus, mas ninguém tinha ainda nenhuma informação da doença, entendeu? Ninguém tinha informação no setor, até as enfermeiras que trabalhavam comigo, ah é o lúpus, é mesmo cê tem a borboletinha, mas ninguém tinha nenhuma informação. Ninguém chegava pra informar nada, ninguém dizia: ó você faz isso ou faz aquilo, não!

Para ela, se antes soubesse mais sobre sua doença, poderia ter tido outros posicionamentos em relação às diversas situações difíceis que teve de enfrentar, convivendo melhor com os problemas. A partir de um maior compartilhamento de experiências com outras pessoas ela poderia discutir sobre a discriminação, por exemplo, vivida diariamente:

Hoje graças a deus, porque antes tarde do que nunca, eu tô conseguindo vim saber de fato o que é o lúpus aqui, porque eu tô conseguindo ter e conviver também porque às vezes a gente é tão observada que você fica até inibida de falar no meio de nosso convívio, entendeu? Não é inibida, não, é discriminada. Porque a verdade é essa, porque as pessoas olham, me olham porque eu tenho as manchas, hoje mesmo eu tava sentada no ônibus na frente e o menino passou e me olhou, aí ele olhou pra mim e eu fiquei calada, quando ele soltou ele chamou a mãe e me apontou, apontou pra mãe me olhar, que ele tinha achado alguma coisa estranha, né? E as pessoas também oprimem a gente, na forma que olha, na forma que indaga, às vezes fica o tempo inteiro lhe olhando e nem indaga, as pessoas não indagam, mas ficam o tempo inteiro olhando, eu prefiro até que me pergunte: o que foi isso? Que eu digo, aí fica o tempo todo, fica fazendo julgamento, entendeu? E isso é o que acaba com a gente, e informação ninguém tem nada a lhe dizer, ninguém consegue ter nenhuma informação, muito menos falar em dar apoio, apoio psicológico, ai você tem isso? Ai e porque foi isso? Ah, jogaram água quente em sua cara? Ah, você foi queimada? Aí é assim, são essas indagações que fazem. Ficam olhando você o tempo inteiro, você se sente constrangida!

Jacira incentivou o afastamento de pessoas que causavam constrangimento. Para ela, a convivência com atitudes discriminatórias poderia criar um abalo do estado mental, caso não estivessem devidamente preparadas para lidar com a situação:

São dessas pessoas que a gente tem que fugir, são dessas pessoas que a gente tem que se livrar, ou informar. Mas se a gente observa que a pessoa quer a informação, porque tem pessoas que não quer a informação, que não faz questão, porque isso prejudica o estado mental do paciente, porque tem pessoas que não estão preparadas, porque são pessoas fracas, porque nem todo mundo tem preparação pra chegar num local e violar isso aí, então isso aí já matou.

Magali interrompeu Jacira e continuou:

Isso acontece comigo todo dia, eu não me abalo com isso, não, eu finjo que nem tô vendo. Outro dia mesmo, na passarela do Iguatemi, a mulher tava me encarando tanto com aquele ar de curiosidade, de uma coisa, como se fosse assim uma coisa alarmante, aí eu parei e cruzei os braços aí ela continuou andando e caiu, aí eu disse: pois é, se não ficasse olhando muito pra vida dos outros, e olhasse para onde você tá pisando, você não ia cair [todas riram muito neste momento]. Já tem outras que ficam naquela coisa, ficam julgando, fica fazendo julgamento, teve uma pessoa que disse: isso aí ela brigou com o marido e ele jogou água quente na cara, eu aí parei e olhei pra ele, mas nesse dia, porque você sabe que tem dia que você tá mais estressada e você até dá resposta, mas nesse dia eu tava tão bem, que nem me dei ao trabalho de dar resposta a ele, eu saí andando e larguei ele lá.

Estar participando das reuniões, segundo ela, era algo bastante relevante, pois a colocava diante de outras pessoas frente as quais ela podia enfim dizer o que estava pensando e contar os problemas vividos, falar da doença, de si e como se sentia. Como não havia tal possibilidade no passado, preferia encarar-se como uma pessoa normal, no intuito de manter-se integrada e menos desestabilizada:

Eu estou vendo hoje, essa é a quarta vez que eu venho e eu estou fazendo a avaliação de tudo isso aqui que eu tô vivendo hoje, que é novo, porque eu vivi num mundo que eu sempre me aceitei como uma pessoa normal, então esse lado assim da doença, eu tive outros problemas, eu tive problemas emocionais, porque o meu problema é sistêmico, é do sistema nervoso,

porque eu tento viver o mais tranquila possível porque qualquer coisa eu já me desestabilizo, entendeu?

Ela também procurava maneiras de diminuir a tensão causada pelas modificações de quesitos bastante importantes no universo feminino, como a queda de cabelo e marcas na pele:

Mas aí o que é que acontece? Mas aí eu não fico me olhando no espelho e dizendo: ai como eu tô acabada, ai porque eu tô assim, ai porque eu não quero mais viver. Eu não! Quando meu cabelo caiu, eu comecei a inventar, inventar e inventar, e aí não tinha mais o que inventar no cabelo, num dia minha mãe, antes de morrer, minha mãe foi no Iguatemi, no Gente Bonita, chamou minha irmã, pra minha irmã conseguir fazer a minha cabeça e me convencer de que tinha uma peruca bonita, eu aí fui. Aí minha irmã e eu fomos, quando eu cheguei lá eu olhei lá com ela a peruca.

Jacira: Isso é peruca aí?

Essa aqui é, essa daqui já é a segunda que eu uso. Aí eu fui e comprei essa peruca e me adaptei, e comecei a usar ela, aí depois, eu fui, vai fazer dois anos agora, eu fui na rua e andei feito uma condenada atrás de uma, porque eu queria uma, que eu não queria nada grande, nada diferente. Achei essa black power, desse tamanho, cheguei em casa, cortei toda e botei do jeito que eu achava que ia se adaptar ao meu rosto. Pois é, eu tô usando aqui até hoje, cortei, cheguei em casa fui cortando e experimentando até que chegasse adaptado ao tamanho do meu rosto, que eu me sentisse assim... Entendeu? Hoje eu uso, hoje como é que tá? Hoje tá mais vazia, eu tô querendo trocar já.

Apesar da adesão à peruca, o olhar de indagação dos outros permanecia em outros momentos da vida cotidiana com suas marcas no rosto, e com isso era preciso saber lidar:

Aí o povo quando chega já fica me autoavaliando assim, o cabelo, o rosto, aí fica assim, eu faço de conta que não tô percebendo, o olho da pessoa fica assim ó, elas não prestam nem atenção ao que você tá falando, presta a atenção a tudo que está em você, aí pronto! Aí eu pego, tento dar uma pausa, tento fazer um jeito da pessoa perceber, paro, pra poder eu continuar conversando.

Mesmo tendo características fora da normalidade e, por isso, ser bastante observada pelas outras pessoas, ela reafirmava a necessidade de fazer coisas comuns

como qualquer outra pessoa, ao mesmo tempo deparando-se com problemas inerentes ao lúpus:

Agora eu nunca me aceitei como uma pessoa doente, eu não me vejo como uma pessoa doente, eu saio, eu passeio, eu coloco meu protetor, eu vou numa praia, eu vou pra ilha, agora ontem mesmo eu sai, aí a pele, eu peguei um sol e eu não passei o bloqueador solar aí a pele ficou um pouquinho... Mas depois eu passei a pomada e já me senti melhor. Eu sei o meu limite até onde eu posso andar, teve um dia que tinha que ir no centro administrativo e acordei cheia de dor, saí, eu tomei umas dipirona e disse: olhe eu vou me picar viu, porque se eu ficar aqui eu não vou pra lugar nenhum.

Jacira: não interrompendo você, mas a gente tem que ser mais forte que a dor, enquanto você tiver gritando ai que dor, a dor vai aumentar.

Ao reconhecer a importância da LOBA como rede de apoio para lidar cada vez melhor com o lúpus Magali contou ter reavaliado um conjunto de questões do seu dia a dia, inclusive sua rotina com dores e estresse.

Eu brigava muito no meu trabalho, todo dia tomava suspensão, porque no dia que eu tava atacada eu já chegava estressada, paciente eu tava bem tranquila, mas sempre chega aqueles acompanhantes que me tiram do sério, eu tomava advertência direto porque na época eu tentava as vezes me controlar e eu não conseguia, tinha hora que dava vontade de voar no pescoço. Hoje que eu venho entender todo esse distúrbio, porque eu desenvolvi a doença por causa desse comprometimento do sistema nervoso e isso eu tive desde a minha infância, porque eu tive uma infância difícil, meu pai bebia, meu pai maltratava minha mãe, então eu cresci, convivi com isso até vinte e tantos anos e foi quando eu vim desenvolver a doença, quer dizer, aquilo foi se guardando dentro de mim, quando estourou, estourou dessa forma através da doença e também do humor. Moro distante da família, porque minha mãe morreu, e aí quando minha mãe morreu foi complicado pra mim, tudo isso eu digo a você porque eu não tinha consciência do lúpus, quando minha mãe morreu eu já tinha o problema do joelho, em 2010, e aí eu comecei a chorar, eu chorava tempo todo, eu fiquei deprimida, eu ia trabalhar e levantava sem ânimo, com dor, quanto mais eu dizia que tava com problema, mais aumentava mais o problema, eu não conseguia andar, eu andava, travava, meus pés começaram a inchar. Agora que eu tô conhecendo o grupo é que tô me autoavaliando as minhas dores, entendeu? Agora que eu fico analisando pelo depoimento de todas vocês, de todo mundo aqui, aí eu fico pensando uma dor articular. Eu precisava conhecer esse grupo, eu largo tudo pra vim pra cá, eu perdi muito tempo, então agora que eu tô conhecendo, eu não posso perder muito tempo.

Jacira: palmas pra ela gente, ela colocou tudo pra fora, aqui é o lugar de colocar tudo pra fora.

Não tem coisa melhor, porque você tá num lugar que todo mundo sofre a mesma dor, então você se sente à vontade pra conversar, porque todo mundo

é a mesma coisa, então não tem porque você censurar A ou censurar B. Eu, em minha família, ninguém nunca procurou se interessar, minha mãe morreu e ninguém procurou saber o que era que eu tinha, minha família nunca participou desse problema, desde os 25 anos, mais ou menos, de idade que eu tenho o lúpus, e ninguém nunca participou, nunca tive apoio emocional e psicológico da minha família, críticas eu tive muitas, agora apoio psicológico não. Por isso que eu digo que tudo o que eu sentia falta, eu hoje digo que se eu tivesse num grupo desse antes talvez o meu estado emocional tivesse tido até melhor, entendeu? No desenvolvimento da doença eu teria sido mais apoiada.

Ao ouvir o relato de sua colega, Sueli, uma senhora também negra, magra, aparentemente calma em seu tom de voz, mas um pouco introspectiva, sentiu-se a vontade para falar sobre sua história de vida relacionada à perda de cabelo. Apesar de ser pouco falante, foi dando alguns detalhes, sem muita minúcia, como quem quisesse muito pouco aprofundar algo que lhe incomodava bastante. Contou ter surgido um problema em seu couro cabeludo, aos 18 anos de idade, resultando na grande queda de cabelo na parte central de sua cabeça. Os cabelos não caíram ao redor, apenas no meio, podendo ainda fazer penteados para esconder seu problema; apesar de ter possibilidades de disfarçar a queda localizada de cabelo e não havendo marcas mais visíveis como o de sua colega tal problema sempre lhe incomodava, deixando-a mais nervosa. Relatou como buscou formas para amenizá-lo, como a procura por tratamento e ida às reuniões do grupo para lidar melhor com sua condição:

Desde os 18 anos que eu tenho esse problema. Só que meu problema foi no couro cabeludo, nunca tive nada na pele, nunca manchou minha pele, mas aí a partir disso eu comecei a fazer o tratamento só no couro cabeludo, o cabelo foi caindo aos poucos e eu não sabia o que era lúpus, né e ele [médico] falando que era uma parasita né, que era parasita que eu tinha no cabelo, era o que falava antigamente e aí com o tempo eu fazendo tratamento, porque eu fui fazer o cabelo e uma moça me mostrou e aí eu comecei a fazer o tratamento. Mas agora que já tô com 58 anos, tem mais ou menos 05 anos que eu me trato com dois reumatologistas, que eles vieram me explicar o que é o lúpus, eu tenho problema de nervoso, mas nunca associei a isso né... Mas tô me tratando até hoje, conheci a LOBA... Tô aqui nas reuniões e não deixo também de procurar a LOBA.

Jacira: você não tem mais nada pra falar?

Com a indagação de Jacira ela apontou para a cabeça, com seu cabelo preso e retirou o prendedor para mostrar seu cabelo em pouca quantidade e a forma como fazia para conseguir cobrir uma grande parte, bem no centro, sem cabelo. Ela usava o cabelo

preso num coque e ao ser retirado pudemos ter a dimensão de seu problema. Se deixado solto, o vazio na cabeça, sem nenhum cabelo, ficaria visível. Naquele momento todas disseram conseguir compreender seu sentimento de frustração, pois para uma mulher não ter cabelo mexia com a autoestima. Jacira fez algumas considerações referentes às marcas e deformidades que impactavam na autoestima feminina, podendo ser encontradas no lúpus discoide e/ou lúpus sistêmico:

(...) vamos parar e pensar na cabeça das mulheres, principalmente das mulheres quando trata de cabelo e pele. Então eu acho que a gente tem que cuidar muito neste sentido, com o lúpus eritematoso sistêmico, o que é que acontece? Ah problema de pressão, ah, não sei o que, é grave, é mais grave, mas quem tem o discoide e o cutâneo sofre muito mais. Não é a vaidade, mas é a questão da aparência, são mais preconceituados, são mais olhados, ó meu deus! (...) Por isso são os mais atingidos, eu acho que esses são os que mais sofrem. Tá na cara, tá visível, é o cabelo que cai e não cresce, é a mão, a deformação do corpo, entendeu? É o cabelo que cai e não cresce mais e essa questão da deformidade física, é a aparência, então tem muitas pessoas que não estão preparadas pra isso. Porque eu acredito que uma pessoa dessa tinha que ter uma preparação bem mais né...psicológica, alguém que ajudasse, que apoiasse, que conversasse.

Apesar de ter pessoas incentivando-a, ela mostrava o cabelo com certa vergonha, mas ao longo da conversa as outras mulheres a animaram, percebiam em seu semblante a tristeza pela falta de cabelo, e para não deixar que ela se entristecesse ainda mais, elas diziam que ela tinha sorte em poder ter o pouco cabelo para poder esconder, devendo se sentir melhor ao saber que poucas pessoas estariam a par dessa situação desconfortante. Se não havia como notar seu problema, ela não sentiria a discriminação dos outros pela falta de cabelo, diziam.

Foi então que ela balançou a cabeça em sinal afirmativo e continuou dizendo qual a estratégia utilizada para diminuir seu desconforto. Assim como sua colega, buscou diminuir os efeitos da queda de cabelo usando peruca: “A partir daí meu cabelo começou a cair e isso aqui é só uma capa, eu já usei peruca duas vezes, aqui no meio eu não tenho cabelo, só em volta mesmo, só pra poder cobrir”. Magali, que havia relatado toda a situação relativa à perda de cabelo, vendo o descontentamento de Sueli e pensando em seu próprio caso afirmou: “Pior é que a gente ainda agradece a deus por ter sido na pele, porque poderia ter sido um problema interno e é mais perigoso! ”

Muitas delas balançaram a cabeça, concordando com tal afirmação e Sueli finalizou sua fala, ouvindo o incentivo dado pelas outras mulheres sobre sua possibilidade de conseguir esconder sua falta de cabelo: “Então eu tô levando e agradecendo a deus por ter esse cabelo aqui que dá pra tampar, a gente não pode botar produto”. Todas disseram que, apesar disso, ela estava linda, maravilhosa e concluíram: “ajeita como dá, faz um penteado!”

Observamos neste subtópico que as discussões na LOBA também giraram em torno de outras mudanças impactantes no mundo feminino, com situações de desconforto e sentimentos gerados com estas, e, ao mesmo tempo, demonstraram como certas mulheres lidaram com isso.

Dentre as situações desconfortantes Magali relatou que às vezes os sinais em seu corpo eram tão observados que não se prestava atenção real ao dito por ela: “às vezes a gente é tão observada que você fica até inibida de falar no meio de nosso convívio, entendeu? Não é inibida não, é discriminada”. O olhar dos outros tinha uma força inibidora e certas vezes tão incomodativa quanto a pergunta direta: “E as pessoas também oprimem a gente, na forma que olha, na forma que indaga, às vezes fica o tempo inteiro lhe olhando e nem indaga (...)”. Na interação com outros ela passava a ser o foco de atenção na situação, sendo arrancada da centralidade de seu corpo vivido e tornando-se objeto dentro de outro mundo, ou seja, o olhar do outro descentralizava o seu mundo (FUCHS, 2003).

Ela descreveu o seu incômodo com o julgamento de pessoas que não a conheciam, nem seu real problema e antes disso já lhe imputavam teses irreais: “ela brigou com o marido e ele jogou água quente na cara”. Seu rosto era exposto ao olhar do outro, nu, desprotegido. Segundo Berger e Luckmann (2008, p.47) na situação de face a face “o outro é apreendido num vívido presente partilhado por nós dois. Sei que no mesmo vívido presente sou apreendido por ele”, como resultado há um intercâmbio contínuo entre a expressividade de quem olha e quem é olhado. Em alguns momentos

No documento Lúpus – “só quem tem é que sabe”. (páginas 158-171)