• Nenhum resultado encontrado

CORRENTE DOUTRINÁRIA CONTRÁRIA

De acordo com o que dispõe expressamente o art. 273 do CPC211 a antecipação da tutela depende de “requerimento da parte”. Diante disso, realizando- se uma interpretação gramatical, ou seja, através do método que toma por base o significado das palavras da lei e sua função gramatical, e considerando que essa não contém palavras inúteis212, tal dispositivo está sujeito ao princípio do dispositivo, não podendo ser concedida de ofício pelo juiz213.

No entendimento de Rinaldo Mouzalas, o requerimento para antecipação dos efeitos da tutela é de iniciativa da parte, sendo o pedido em si pressuposto para

209 ZAVASCKI. Teori Albino. Antecipação da tutela. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 117. 210 FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 79 . 211 BRASIL. Lei n° 8.952, de 13 de dezembro de 1994. Altera dispositivos do Código de Processo

Civil sobre o processo de conhecimento e o processo cautelar.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8952.htm#art273>. Acesso em: 22 abr. 2014.

212 CANFÃO, Olívio Albino. Métodos de interpretação jurídica à luz do horizonte hermenêutico.

Disponível em: <www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/download/2715/1967>. Acesso em: 15 mai. 2014.

o deferimento da medida de urgência214. Compartilhando de tal posição, Humberto Theodoro Júnior215 e Luiz Rodrigues Wambier216 elencam o requerimento da parte como um dos pressupostos para a concessão da tutela antecipada. Da mesma forma, Elpídio Donizete217 depreende que da leitura do dispositivo se extrai que a tutela antecipada não pode ser concedida de ofício pelo juiz.

Isso posto, para a corrente doutrinária contrária a concessão de ofício, à luz da dicção literal referido dispositivo, o magistrado não poderia antecipar os efeitos da tutela sem requerimento da parte, não havendo espaço para discutir a possibilidade da antecipação da tutela de ofício218.

Tratando a respeito da função da tutela antecipada, João Batista Lopes219

justifica seu posicionamento destacando que:

A ratio da proibição da tutela antecipada de ofício está em que o instituto não foi criado propriamente para resolver o problema da morosidade da justiça, mas para atender a situações de probabilidade de existência do direito e risco de danos decorrentes da demora. Não se cuida, portanto, de simples expediente destinado a acelerar o julgamento das causas, mesmo porque sua natureza provisória não implica solução final do litígio. Do que foi exposto, resulta inafastável a conclusão de que o juiz não pode conceder a tutela antecipada de ofício.

Por conseguinte, quando se pensa em oferecer a uma das partes, antecipadamente, a posse ou fruição de bens ou situações jurídicas no mundo exterior, retomam força e vigor as disposições dos arts. 2º e 262 do CPC, para que o juiz dependa sempre da provocação do interessado220.

Destarte, a antecipação de tutela será apreciada a requerimento da parte, e tal iniciativa é inerente ao sistema de tutela jurisdicional e corresponde à ideia de

214 MOUZALAS, Rinaldo. Processo civil: volume único. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 370. 215 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e

cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. 47. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 377.

216 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. 12. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011. p. 405.

217 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

p. 407.

218 LIMA. George Marmelstein. Antecipação de tutela de ofício? Disponível em:

<http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/issue/view/33>. Acesso em: 15 mai. 2014.

219 LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva,

2009, p. 55.

220 DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

que o titular da pretensão insatisfeita é o melhor juiz da conveniência e oportunidade de postular meios para a satisfação221.

Esse entendimento é reforçado por outros argumentos, calcados nos princípios tradicionais do processo como o da demanda, ou da iniciativa da parte, o da adstrição do juiz ao pedido e o princípio do dispositivo. Sustenta-se ainda que, se o juiz tomar a iniciativa de antecipar a tutela, sua imparciabilidade será comprometida222. Além de que, estar-se-ia alargando os poderes ativos do juiz, suprimindo a atuação do patrono do autor223.

Esse também é o entendimento de Misael Montenegro Filho224, consoante

podemos depreender da seguinte afirmação:

o magistrado apenas pode deferir à parte o que foi objeto de pedido, sendo marcado de nulidade, de ineficácia ou de invalidação o deferimento que defere ao autor objeto diferente ou além do que consta na petição inicial, em respeito ao princípio da congruência.

Acerca de tais princípios elucida Rui Portanova225 que o princípio da demanda é visto pelo lado ativo, a parte movimenta jurisdição que por princípio é inerte e o cidadão tem plena e inarredável liberdade de dispor de seus direitos materiais no momento de exercitar seu direito de tutela jurídica e dos fatos que comporão o litígio (princípio do dispositivo).

O princípio do dispositivo engloba também a liberdade das partes quanto à formulação dos pedidos, todavia, visto do ponto de vista do juiz, o princípio que vai informar a decisão é o princípio da adstrição do juiz ao pedido da parte226. Por consequência, consiste o princípio do dispositivo na regra conforme a qual o juiz depende, na instrução da causa, da iniciativa das partes quanto à afirmação e prova dos fatos em que se fundam os pedidos227.

221 CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela. Rio de Janeiro: 2005. p. 61. 222 LIMA. George Marmelstein. Antecipação de tutela de ofício? Disponível em:

<http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/issue/view/33>. Acesso em: 15 mai. 2014.

223 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 27. ed. São Paulo,

Saraiva, 2011. p. 167.

224 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: medidas de urgência, tutela

antecipada e ação cautelar, procedimentos especiais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 32.

225 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do advogado

editora, 2008. p. 117.

226 JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios do processo civil na constituição federal. 10. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2010. p. 80 p. 185.

227 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 27. ed. São Paulo,

Ainda abordando o princípio da demanda, Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco aduzem que a ação é o direito ou o poder de movimentar os órgãos jurisdicionais, com o fim de satisfazer uma pretensão, sendo a jurisdição inerte. Ou seja, tal postulado indica que a parte deve iniciar o exercício da função jurisdicional, mediante a provocação do interessado228.

No mesmo sentido sustenta Luiz Henrique Barbante Franzé229:

não obstante existam doutrinadores que defendam a tese da tutela antecipatória ex officio com fundamento no caráter publicista do processo, havendo norma expressa no ordenamento processual civil (art. 273 do CPC) condicionando expressamente o deferimento dessa tutela ao pedido do autor, razão não há para que o magistrado a defira sem o prévio pedido dela nesse sentido, caso contrário, estar-se-ia infringindo a regra do princípio do dispositivo, o qual exige a provocação do interessado para que haja a manifestação do órgão jurisdicional.

Ademais, a antecipação da tutela, pelo juiz, diz respeito ao pedido, tal como foi feito, por outras palavras, o que se antecipa é, exclusivamente, a tutela, sem possível alteração do pedido. Há, desta forma, adstrição do juiz ao pedido e a atividade jurisdicional é condicionada pelo princípio do dispositivo230.

Além disso, a principal problemática que abarca a referida questão se trata, mais precisamente, de quem será a responsabilidade objetiva de arcar com os danos causados ao demandado, caso a decisão seja reformada. No entendimento de Medeiros Filho não parece correto que a parte beneficiaria da antecipação da tutela, que não requereu tal medida, portanto não assumiu o risco de uma possível indenização à parte contrária, seja penalizada de tal forma231. Logo, a parte deve ser o árbitro da conveniência de suportar o risco232.

Corroborando com tal afirmação, explana Fredie Didier Jr233:

228 CINTRA, Antônio Carlos Araújo. DINAMARCO, Cândido Rangel. GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. 26. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. p. 37.

229 FRANZÉ, Luís Henrique Barbante. Tutela antecipada recursal. Curitiba: Juruá, 2006, p. 54. 230 ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2012. p. 870.

231 MEDEIROS FILHO, Adonis Reis de Medeiros. Antecipação dos efeitos da tutela “ex officio” nos

casos de abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. Holos. Rio Grande do Norte, v. 6, p. 162-165, 2010. Disponível em:

<www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/article/view/566/396>. Acesso em: 16 mai. 2014.

232 PEREIRA, Hélio do Valle. Manual de direito processual civil: roteiros de aula – processo de

conhecimento. 2. ed. Florianópolis: Conceito editorial, 2008. p. 568.

233 DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de

Não parecer ser possível a concessão ex officio, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas em lei, não só em razão de uma interpretação sistemática da legislação processual que se estrutura no princípio da congruência. A efetivação da tutela antecipada dá-se sob responsabilidade objetiva do beneficiário da tutela, que deverá arcar com os prejuízos causados ao adversário, se for reformada a decisão. Assim, concedida ex officio, sem pedido da parte, quem arcaria com os prejuízos, se a decisão fosse revista? A parte que se beneficiou sem pedir a providência? É preciso que a parte requeira a concessão, exatamente porque, assim, conscientemente se coloca em uma situação em que assume o risco de ter de indenizar a outra parte, se restar vencida no processo.

Nesse diapasão, argumenta-se que, como os eventuais danos decorrentes da execução da medida deverão ser suportados pela parte, tal como ocorre no processo cautelar (art. 811 CPC), somente ela – a parte – deveria escolher se pretende ou não correr o risco de obter a antecipação de tutela234. Assim sendo, na medida em que a antecipação da tutela implica a responsabilidade objetiva de seu beneficiário, ela deve ser restrita, na falta de expressa previsão no sentido contrário, aos casos em que há requerimento da parte235.

A concessão da tutela antecipada dá-se sob a responsabilidade do beneficiário da tutela, que deverá arcar com os prejuízos causados à outra parte, caso seja reformada a decisão, motivo pelo qual é preciso que haja o requerimento dessa236.

Essa razão de ordem política e sistemática é apoiada, na prática, pela observação de que as antecipações de tutela são ordinariamente gravosas para a parte contrária, ou invasivas de sua esfera jurídica, o que traz como consequência ao menos o risco de prejuízos a serem ressarcidos pelo beneficiário. Criar-se-ia uma desconfortável situação de impasse, sendo necessário indenizar o lesado em caso de sair-se vencedor ao cabo do processo, mas sendo ao menos de duvidosa legitimidade a responsabilidade de outra parte por um ato que não pediu237.

Na mesma linha de raciocínio alerta Carreira Alvim238:

234 LIMA. George Marmelstein. Antecipação de tutela de ofício? Disponível em:

<http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/issue/view/33>. Acesso em: 15 mai. 2014.

235 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. 12. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011. p. 405.

236 SÁ, Renato Montans de. Direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 210.

237 DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

p. 89.

238 CARREIRA ALVIM, J. E. Tutela antecipada: atualizada de acordo com as recentes reformas

Em se tratando de antecipação de tutela, que nada mais é do que a outorga, de um provimento de conteúdo provavelmente idêntico ao da sentença de mérito, não poderia o juiz adiantar ao autor algo que não foi pedido. É que a efetivação de um provimento antecipado gera a responsabilidade objetiva do exequente, cumprindo-lhe, sobrevindo sentença que modifique ou anule a decisão interlocutória, restituir as partes ao estado anterior.

Em sendo assim, vislumbra-se que o escopo do legislador, ao deixar ao crivo da parte a concessão da tutela antecipada, foi o de facultar a assunção do risco pelo cumprimento da medida, ou seja, que essa assumisse expressamente a responsabilidade decorrente da antecipação dos efeitos da tutela pretendida239.

Desse modo, depreendemos que a corrente doutrinária contrária à concessão de tutela antecipada de ofício, além de considerar os princípios processuais, considera a questão da responsabilidade civil conforme elucidado acima.