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2 O TRATAMENTO CONFERIDO AO LUCRO DA

3.3 A CORRETA ABORDAGEM DO LUCRO DA

Após todas as considerações traçadas até aqui, tanto na visão da doutrina nacional e estrangeira, o presente estudo volta-se para uma tentativa de delimitar o enquadramento dogmática do lucro da intervenção na perspectiva do ordenamento jurídico brasileiro.

3.3.1 O lucro da intervenção como produto do enriquecimento sem causa

Ao considerar as raízes da construção germânica, o lucro da intervenção, tal qual revelado, inicialmente, na doutrina de Fritz Schulz, é o produto do enriquecimento auferido a partir do uso, do consumo ou da fruição, sem autorização, de um bem ou de um direito de outrem367.

366 MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles, 2005, p. 708. Gisela Guedes, nesse sentido, entende que as vantagens patrimoniais auferidas pelo interventor só podem ser parâmetro para aferição dos lucros cessantes com muitas ressalvas e, portanto, somente quando o legislador estabelecer, como é o caso do artigo 210 da LPI. Caso contrário, a utilização arbitrária desse critério, estendendo aos demais direitos imateriais, por exemplo, desvirtua a própria função do instituto da responsabilidade civil, deixando que cumprir com sua função reparatória (GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz, 2011, p. 175).

367 Thiago Lins chega, também, a esta conclusão, como se infere: “[...] o lucro de intervenção se identifica com o próprio enriquecimento por intervenção, já que traduz a integralidade dos ganhos líquidos obtidos pelo interventor” (LINS, Thiago, 2016, p. 249). Por outro lado, tece-se uma pequena crítica às disposições de Konder, para quem “o enriquecimento sem causa traz a grande vantagem de se coadunar à mesma lógica por trás do lucro da intervenção, qual seja, a teoria da destinação dos bens. Trata-se da noção de que cabe ao titular de um direito

Este produto está inserido no âmbito do enriquecimento sem causa, mais especificamente na classificação da Eingriffskondiktion368, ou seja, do

enriquecimento por intervenção (para os portugueses) ou condictio por intromisión (para os espanhóis).

A moderna doutrina alemã considera que o § 812 do BGB, cláusula geral responsável por disciplinar a obrigação de enriquecimento sem causa, distingue, claramente, as condictiones romanas fundadas em uma prestação (Leistungskondiktionen) e as que não possuem por base uma prestação (Nichtleistungskondiktionen), sendo a principal, entre as últimas, a condictio por intervenção (Eingriffskondiktion). Parte da doutrina, ademais, assenta-se na ideia, neste último caso, de que a ingerência nos direitos de outrem daria lugar a restituição do lucro da intervenção (Eingriffserwerb), pois considerado um anexo ou um prolongamento da eficácia do direito de propriedade369.

O sistema dualista, desenvolvido por Wilburg e Von Caemmerer, é largamente aceito nos países que construíram o instituto do enriquecimento sem causa a partir da matriz germânica, o que ocorre em Portugal e em Espanha, e, afirma-se aqui, que no sistema brasileiro, é possível aderir ao modelo alemão e às suas classificações.

Uma das verdadeiras inspirações da doutrina do anteprojeto que originou às disposições legislativas do CC/2002370, no âmbito do

as vantagens dele decorrentes e, portanto, não pode outrem reter para si essas vantagens sem autorização do titular ou outro fato idôneo a justificar essa retenção. Assim ,o foco de ambos é a atribuição de uma vantagem àquele que é o verdadeiro titular do direito que deu origem àquela vantagem”. (KONDER, Carlos Nelson, 2017, p. 239). Ora, não há semelhanças entre o lucro da intervenção e a teoria da destinação dos bens, o lucro da intervenção é o resultado do enriquecimento por intervenção e a teoria da destinação dos bens é o próprio fundamento para restituição dos lucros auferidos pelo interventor.

368 Schulz é considerado, entre os alemães, o fundador da doutrina da Eingriffskondiktion (MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles, 2005, p. 708). 369 Será analisado no próximo capítulo até que ponto deve ser restituído o lucro da intervenção, considerando, os desdobramentos das teorias alemãs e das sistematizações do direito português e do direito espanhol, a construção do direito restituitório no ordenamento jurídico brasileiro.

370 Agostinho Alvim entende que o “sistema clássico”, vigente no Código Civil de 1916, condena o enriquecimento sem causa, porém o faz casuisticamente. Já os “sistemas modernos”, como são o Código de Obrigações suíço e o BGB, procuram coibir o enriquecimento sem causa, onde quer que se apresente, como ocorria tradicionalmente no Direito Romano. Desta forma, escreve o autor “ao sistema moderno pertencem, também, o nosso Anteprojeto de Código de Obrigações” (ALVIM, Agostinho, 1957, p. 06).

enriquecimento sem causa, é o modelo alemão. A semelhança entre as cláusulas gerais (§ 812 do BGB, art. 473 do CC português e do art. 884 do CC/2002)371, principalmente das expressões auf dessen Kosten e

enriquecer à custa de outrem, que dão origem à condictio por intervenção, é manifesta. Tanto que os doutrinadores nacionais, durante a construção do anteprojeto ou pós-codificação de 2002, já se manifestaram no sentido de reconhecer a influência dos sistemas português e alemão e da construção doutrinária moderna, desvinculando-se da ideia, inicialmente recepcionada, de que o fundamento primeiro do instituto é a deslocação patrimonial ou, ainda, da necessidade de comprovação de um dano, entendido como empobrecimento de uma das partes372.

Desta forma, um primeiro passado para a aceitação da restituição do lucro da intervenção no direito brasileiro está na necessidade de detectar e localizar os “tipos” de enriquecimento sem causa constantes na legislação vigente. Ou seja, adotar, definitivamente, a classificação dualista alemã do instituto do enriquecimento sem causa, e não, necessariamente, dar uma nova interpretação à cláusula geral do artigo 884 do CC/2002373 ou, como parte minoritária da doutrina sugere, ampliar

as vias da responsabilidade civil.

371 Lembrando que o direito espanhol, embora aplique as disposições alemãs, não possui uma cláusula geral de enriquecimento sem causa em seu Código Civil. 372 Não está se desconsiderando, nessa afirmativa, que um descolamento patrimonial possa ser a pretensão de uma ação de enriquecimento sem causa. Considera-se somente que houve uma desvinculação da teoria unitário do instituto desenvolvida por Savigny ou ainda da construção do Agostinho Alvim tratou por sistema clássico, passando-se a dar uma interpretação mais ampla ao instituto.

373 Sérgio Savi, em sua obra, fala que, para enquadrar o lucro da intervenção no enriquecimento sem causa, “o primeiro equívoco a corrigir é o da indevida leitura da expressão ‘à custa de outrem’”, trabalhando com a necessidade de aderir a ideia, tratada por Menezes Leitão, de “imputação que justifica que alguém tenha que restituir o enriquecimento que se gerou no patrimônio” (SAVI, Sérgio, 2012, pp. 95 e 100). Todavia, discorda-se dessa afirmativa, pois, como visto e bem frisado por Pedro Paes já nos idos de 1970, a doutrina nacional superou o entendimento “clássico” do requisito do empobrecimento desde os primeiros estudos realizados no período da elaboração do Código Civil de 2002. O próprio prof. Agostinho Alvim, embora utilizar-se da expressão “empobrecimento”, tinha um entendimento amplo, desvinculado a ideia de descolamento patrimonial. Da mesma forma, foram as interpretações de Pontes de Miranda, que defendia apenas a presença do nexo de causalidade, e de Fernando Noronha, que sempre sustentou o enriquecimento sem causa a partir da teoria da destinação jurídica dos bens. Sem falar, assim, das primeiras doutrinas

Menezes Leitão374 ao trazer uma resenha acerca das teorias sobre

o instituto do enriquecimento sem causa ao Brasil, na II Jornada de Direito Civil, realizada, em 25 de novembro de 2003, pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, por sua vez, muito bem interpretou as disposições legislativas nesse sentido. Entendendo, em essência, que a cláusula geral do artigo 884 do Código Civil de 2002 é uma cláusula demasiada genérica, não permitindo o tratamento dogmático unitário do enriquecimento sem causa e, assim, considerou o reconhecimento da tipologia alemão de categorias.

Quanto à condictio por intervenção, nas palavras de Menezes Leitão:

Além do enriquecimento por prestação, a cláusula geral da proibição do enriquecimento sem causa contempla ainda a situação de alguém obter um enriquecimento por uma ingerência não autorizada no patrimônio alheio, como sucederá nos casos de uso, consumo, fruição ou disposição de bens alheios. A doutrina alemã há muito tem qualificado o caso como enriquecimento por intervenção (Eingriffskondiktion). Assim, com base na cláusula geral do art. 884, deve ser atribuída, nessas hipóteses, ao titular uma pretensão à restituição do enriquecimento sem causa, sempre que essa pretensão não seja excluída pela aplicação de outro regime jurídico. O fim da pretensão será a recuperação da vantagem patrimonial obtida pelo interventor, o que ocorrerá sempre que, de acordo com a repartição dos bens efetuada pela ordem jurídica, essa vantagem se considere como pertencente ao titular do direito375.

Afigura-se, assim, necessário consignar que é possível reconhecer a adoção de uma teoria dualista de enriquecimento sem causa, diante da redação dada à cláusula geral, bem como da interpretação que a doutrina e jurisprudência nacionais vêm traçando, nas últimas seis décadas, para a

após o Código Civil de 2002. Por outro lado, concorda-se com o autor de que se deve aderir a divisão do instituto do enriquecimento sem causa em categorias autônomas, à luz dos trabalhos de Wilburg e Von Caemmerer (SAVI, Sérgio, 2012, p. 95).

374 MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de, 2004, p. 28. 375 MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de, 2004, p. 29.

expressão enriquecer à custa de outrem. A condictio por intervenção não necessita de uma cláusula específica para sua configuração no direito brasileiro, pois, como sustenta Menezes Leitão, está consagrado na própria redação do artigo 884 do CC/2002.

Além da necessidade de adotar a teoria dualista, reconhecendo efetivamente a condictio por intervenção no direito brasileiro, o entendimento a ser firmado para a restituição, especificamente, dos lucros da intervenção deve se aproximar das concepções doutrinárias de Wilburg, considerando uma análise dinâmica das vantagens econômicas auferidas pelo interventor, o que não é aceito na visão de Von Caemmerer.

A premissa básica é de que os direitos subjetivos oferecem ao seu titular o monopólio de exploração dos respectivos objetos. A reserva conferida ao titular do direito a partir do conteúdo de destinação (Zuweisungsgehalt) é capaz, consequentemente, de abarcar todas essas intervenções não autorizadas em direitos reais ou em direitos imateriais, sendo o lucro da intervenção parte do produto do enriquecimento a ser restituído, junto com os valores de mercado, segundo as normas de enriquecimento sem causa.

Outro não foi o entendimento firmado na VIII Jornada de Direito Civil, que ocorreu nos dias 26 e 27 de abril de 2018, na qual foi aprovado o enunciado n. 620 com a seguinte redação: “A obrigação de restituir o lucro da intervenção, entendido como a vantagem patrimonial auferida a partir da exploração não autorizada de bem ou direito alheio, fundamenta- se na vedação do enriquecimento sem causa.”376.

Sérgio Savi, nesse sentido, disserta “quando o interventor lucrar com a ingerência não autorizada nos bens ou direitos alheios, o titular do direito terá uma pretensão de enriquecimento sem causa, fundada na cláusula geral do art. 884 do Código Civil, para obrigar o interventor a entregar-lhe a vantagem patrimonial assim obtida”377.

376 BRASIL. Conselho da Justiça Federal. VIII Jornada de Direito Civil, dias

26 e 27 de abril de 2018. Disponível em:

<http://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2018/maio/integra-dos-enunciados-

aprovados-na-viii-jornada-de-direito-civil-ja-pode-ser-consultada>. Acesso em 10 set. 2018.

377 SAVI, Sérgio, 2012, p. 94. A consagração da classificação alemã também é defendida por KROETZ, Maria Candida do Amaral, 2005, pp. 97 e 154 e ss.; e LINS, Thiago, 2016, p. 74 e ss. Ademais, no que tange às considerações iniciais desta pesquisa, em relação à obra de Pereira Coelho, percebe-se que o enriquecimento sem causa, na concepção moderna, não exige a presença de um dano (empobrecimento) e, assim, se a intervenção não causar danos ao titular do direito, o lucro da intervenção será restituído pela via do enriquecimento sem

No entanto, antes de partir para a quantificação do lucro da intervenção e analisar de forma mais específicas as teorias de Wilburg e Von Caemmerer, outro ponto que merece uma análise conclusiva da presente pesquisa é o fato de que o ato de intervir nos direitos subjetivos alheios pode causar um dano ao titular do direito, além das vantagens auferidas pelo interventor, e o ordenamento jurídico nacional reconheceu a subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa em relação às demais fontes do Direito Obrigacional.

Assim, no próximo subtítulo serão traçadas algumas disposições nesse sentido.

3.3.1.1 A subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa e a possibilidade de cumulação das pretensões restituitória e indenizatória

Não passou despercebido pela doutrina civilista nacional que, nos casos de intervenção desautorizada em bens ou direitos alheios, o ato de intervir pode dar origem a benefícios econômicos ao agente interventor, mas também causar danos ao titular do direito378, e, nesta leitura,

igualmente, nem a responsabilidade civil nem o enriquecimento sem causa são remédios capazes de, sozinhos, resolverem a problemática.

Surge daí, todavia, o problema de se avaliar o dogma da subsidiariedade da pretensão de enriquecimento sem causa, contemplado no artigo 886 do Código Civil de 2002, como se infere: “não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido”.

Sobre a subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa, de forma geral, Michelon Jr. 379 disserta que o artigo 886 do CC/2002 vem

regular as relações entre as regras que regem o enriquecimento sem causa e as que regem as demais fontes obrigacionais. Nos casos em que o enriquecimento seria eliminado pela aplicação de outros remédios, como a obrigação de responsabilidade civil e a obrigação negocial380, não

surgirá o direito restituitório.

causa. O próprio Pereira Coelho em sua construção doutrinária chegou a esse posicionamento, desvinculando qualquer necessidade de comprovação de um empobrecimento, adotando largamente a doutrina do Zuweisungsgehalt. 378 Questionamento inicialmente levantado por PEREIRA COELHO, Francisco Manuel, 1970, p. 6.

379 MICHELON JR., Claudio, 2007, p. 256.

380 Essa hipótese não há maiores considerações doutrinárias, uma vez reconhecida a intervenção e a existência de um contrato deve-se respeitar as cláusulas

Ao tratador especificamente das intervenções nos direitos subjetivos alheios, a doutrina nacional, a exemplo de Sérgio Savi, vem defendendo a possibilidade de cumulação das pretensões restituitória e indenizatória381. Para este autor o simples fato de o titular do direito poder

exercer a pretensão indenizatória não permite concluir que a legislação eliminou o recurso do enriquecimento sem causa nestes casos, pois os pressupostos econômicos da responsabilidade civil e do enriquecimento sem causa são diversos. Assim, as diferentes funções dos dois institutos fazem com que não seja possível admitir uma integral subsidiariedade da ação restituitória em relação à reparatória.

Basozabal Arrue, no mesmo sentido, afirma que não há nenhuma razão para defender a incompatibilidade entre as ações por danos e por enriquecimentos, ou a subsidiariedade destas últimas em relação às primeiras, uma vez que são pretensões com função, fundamento, requisitos e prazos de prescrição totalmente distintos382.

Analisando algumas perspectivas da ingerência nos direitos e bens alheios no direito português, Menezes Leitão disserta que é sempre necessário realizar uma delimitação das situações em que, embora ocorram uma intervenção, o ordenamento jurídico confere ao titular do direito outro meio a ser tutelado383. Em relação à obrigação de

responsabilidade civil, o autor tem que a linearidade do raciocínio de que a pretensão de enriquecimento sem causa é subsidiária em relação a obrigação de responsabilidade civil é, claramente, posta em causa pela diferenciação de pressupostos e pela diferença de funções dos dois institutos. Mesmo segundo a teoria clássica de deslocação patrimonial essa diferença de pressuposto é visível em virtude de o enriquecimento sem causa pressupor a colocação de dois patrimônios independentes em relação um com o outro, enquanto a responsabilidade civil apenas efetua uma ponderação isolada do patrimônio do lesado. Efetivamente, a

contratuais, bem como as disposições legislativas para as situações de descumprimento do contrato. Na ausência de dispositivos específicos, daí sim, poderá ser aplicado o instituto do enriquecimento sem causa, como considerou o Tribunal Supremo espanhol no caso de sublocação de imóvel trazido no item 2.2.3 desta pesquisa.

381 SAVI, Sérgio, 2012, p. 118. O autor trabalha com o princípio da subsidiariedade apenas para sustentar a possibilidade de cumulação das pretensões em relação aos lucros serem superiores aos danos.

382 BASOZABAL ARRUE, Xabier, 1998, p. 104.

responsabilidade civil visa remover o dano e o enriquecimento sem causa visa reprimir o enriquecimento384.

Defende-se, em essência, que por intermédio da ação indenizatória, o titular do direito obterá apenas a compensação pelos danos sofridos, à luz do princípio da reparação integral dos prejuízos (art. 944 do CC/2002), e os lucros da intervenção e os valores de mercado, como visto, estão inseridos no âmbito da condictio por intervenção, cabendo a tutela do direito restituitório (art. 884 do CC/2002).

Tratam-se de pretensões diversas, originadas a partir do ato de intervenção e, assim, caberiam as duas tutelas obrigacionais, colocando o interprete julgador a decidir apenas em relação a uma possível “correlação entre valor da restituição e valor da indenização”385.

De outro norte, ao entender desta pesquisa, as colocações de Pereira Coelho, endossadas por Sérgio Savi, de que quando as intervenções culposas, nos direitos subjetivos alheios de outrem, gerarem um enriquecimento igual ou inferior aos danos causados, a responsabilidade civil seria capaz de restituir, indiretamente, os lucros da intervenção386, não devem ser seguidas no ordenamento jurídico pátrio.

Nesse sentido, Schreiber e Guia Silva colocam que a perspectiva de alguns doutrinadores, de que a restituição do lucro da intervenção apenas terá lugar quando a vantagem auferida pelo interventor for superior aos danos causados ao titular do direito, pode criar dificuldades práticas quando as pretensões reparatória e restitutória forem exercidas em momentos diversos, em procedimentos distintos ou, ainda,

384 MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de, 2005, pp. 676-676. O autor acaba acompanhando o entendimento de remoção indireta do enriquecimento proposta por Pereira Coelho.

385 SCHREIBER, Anderson; SILVA, Rodrigo da Guia, 2018, p. 197. Como no entendimento da jurisprudência nacional nos casos de violação ao direito de imagem, se o valor do cachê é considerado um dano patrimonial, não pode o titular do direito requerer este valor com base no direito restituitório. A melhor solução, segundo este estudo, seria integrar o cachê e os lucro da intervenção no instituto do enriquecimento sem causa. Sérgio Savi afirma que “pode-se afirmar que, nos casos de enriquecimento por intervenção, o titular do direito poderá cumular a pretensão de enriquecimento sem causa com a pretensão de responsabilidade civil. O que ele não poderá fazer é pedir duas vezes a mesma quantia, uma vez a título de dano sofrido e outra de enriquecimento obtido pelo autor da lesão.” (SAVI, Sérgio, 2012, p. 121).

386 PEREIRA COELHO, Francisco Manuel, 1970, p. 8; e SAVI, Sérgio, 2012, pp. 16-17.

envolvendo naturezas distintas entre a vantagem auferida e a lesão sofrida (patrimonial versus extrapatrimonial) 387.

Se a responsabilidade civil não tem o condão de olhar para o patrimônio do lesante, apenas ao da vítima, não há motivos para defender uma possível restituição indireta. Em uma eventual ação indenizatória sequer será valorado que os interventores obtivem uma vantagem patrimonial com o evento danosos, cabendo, assim, a cumulação das pretensões.

Superadas as dificuldades em relação ao princípio da subsidiariedade no ordenamento jurídico nacional, passa-se a analisar o recente posicionamento jurisprudencial sobre a temática.

3.3.2 O lucro da intervenção e a jurisprudência nacional

A questão do lucro da intervenção não havia chegado nos tribunais brasileiros até a demanda proposta pela atriz Giovanna Antonelli388.

A famosa atriz nacional, em razão do uso sem autorização de sua imagem e de seu nome, em uma campanha publicitária do produto “Detox”, propôs uma ação indenizatória, por danos patrimoniais e extrapatrimoniais, cumulada com um pedido de restituição dos lucros auferidos pela empresa interventora, Dermo Formulações Farmácia de Manipulação Ltda, ou seja, os lucros decorrentes diretamente da venda do produto no período em que houve a campanha publicitária vinculada à imagem e ou nome da atriz389.

387 SCHREIBER, Anderson; GUIA SILVA, Rodrigo da, 2018, p. 197.

388 BRASIL, TJ/RJ. Décima Terceira Câmara Cível. Ap. 0008927- 17.2014.8.19.0209. Rel. Des. Fernando Fernandy Fernandes. Rio de Janeiro, 16 de outubro de 2016. Registra-se que existem diversas demandas nos tribunais brasileiros, como visto, envolvendo casos de intervenção no direito de imagem, mas antes as pretensões e, consequentemente, as decisões limitavam-se a analisar os danos sofridos.

389 Além disso, houve um pedido de retração pública, o qual foi acatado desde o primeiro grau. Extrai-se do dispositivo da sentença: “[...] condenar a parte ré a proceder à ampla retratação pública, com uma publicação em jornal de grande