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2 O TRATAMENTO CONFERIDO AO LUCRO DA

3.1 A CONFIGURAÇÃO DO INSTITUTO DO

3.1.2 Os limites da pretensão de enriquecimento sem causa

A doutrina do enriquecimento sem causa tradicionalmente entendeu que a aplicação do instituto está sujeita à teoria do duplo limite. Trata-se da restituição dos valores limitada ao menor montante apurado entre o enriquecimento e o empobrecimento.

Agostinho Alvim entende que

No que toca à estimativa, para o efeito da restituição, em regra há correspondência de valor entre o enriquecimento e o empobrecimento. Quando não há, ensinam alguns mestres que a devolução não pode ser superior ao enriquecimento, ao contrário do que se passa no caso de dano, onde a medida é o desfalque. Por essa razão, se o empobrecimento for superior ao enriquecimento, perde o empobrecido. [...] Com

306 Trecho extraído dos fundamentos do voto do Ministro Luís Felipe Salomão, proferido na decisão do REsp 1497769/RN, julgado em 05.05.2016.

efeito, se o enriquecimento for superior ao empobrecimento, que acontece? [...] A medida será então o empobrecimento, porque, de outra maneira, o empobrecido passaria a enriquecido, recebendo além do necessário para o reequilíbrio do seu patrimônio. O ponto de vista que nos parece acertado é o dos autores que mandam que se considere o menor valor308.

Para Pontes de Miranda309, o que se pede, como a pretensão de

restituição, é a entrega de tudo o que foi obtido sem causa e a expensas do prejudicado (a extinção de direitos reais, dos créditos constituídos, etc.), e mais os proveitos percebidos, ainda estantes (frutos naturais e civis e demais vantagens adquiridas em virtude de direito obtido, inclusive o valor de uso). Ademais, deve-se atender à boa-fé e a má-fé em se tratando de frutos, benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias, bem como aos danos à coisa.

Fernando Noronha, por sua vez, considera que nos casos da transferência patrimoniais, em que o prejudicado sofre verdadeiro empobrecimento, na medida em que o seu patrimônio fica diminuído com a saída do bem que foi descolado para o patrimônio do enriquecido, o valor da restituição será igual ao menor destes dois valores. Em outras palavras, o valor da restituição estaria limitado à teoria do duplo limite310.

Por outro lado, nos casos de intervenção ou exploração de bens, trabalho ou direitos de outrem o prejudicado só se empobrece na medida em que o seu patrimônio deveria ter aumentado.

Desta forma, em regra, existem duas possibilidades de restituição, segundo a ordem de destinação. A primeira, envolvendo os casos de consumo ou de uso por terceiro, sem autorização, o valor do empobrecimento está relacionado ao montante que o beneficiário normalmente teria de pagar para conseguir a disponibilidade dos bens de que se aproveitou. A segunda, remetendo aos casos em que o enriquecido alienou ou deu em locação a terceiros bens ou direitos do prejudicado, o valor do empobrecimento será correspondente ao produto líquido obtido com a venda ou o aluguel. Outrossim, nos casos envolvendo exploração de trabalho ou direitos imateriais, o valor do empobrecimento será igual

308 ALVIM, Agostinho, 1957, p. 19.

309 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, 1959, Tomo XXVI, p. 182. Destaca-se que o autor não traz em sua obra uma análise do lucro da intervenção. 310 NORONHA, Fernando, 1991, p. 66.

ao quantitativo que o beneficiado teria de pagar para conseguir tal aproveitamento311.

A doutrina pós-codificação dispõe que o caput do artigo 884 do CC/2002 impõe a restituição do indevidamente auferido à custa de outrem, não limitando a extensão da diferença entre o empobrecimento e o enriquecimento. A prima face, a pretensão de enriquecimento sem causa poderá incorporar todas as quantias inerentes ao locupletamento, ficando limitado há duas concepções de enriquecimento: a real e a patrimonial312.

Neste primeiro momento, considerando que o último capítulo dessa pesquisa é destinado à quantificação das vantagens patrimoniais decorrentes da intervenção, em especial aos lucros da intervenção, importa entender que na visão dos autores modernos a teoria do duplo limite não pode ser a base do objeto de restituição nos casos de intervenção nos bens ou direitos subjetivos alheios. O valor da restituição estaria, em regra, limitado ao valor do aproveitamento ou, como normalmente chamado, valor de mercado.

A jurisprudência segue no mesmo sentido. Segundo Sérgio Savi, “mesmo em casos de violação ao direito de imagem, há decisões brasileiras que determinam a quantificação do valor a ser restituído ao titular do direito com base naquilo que o interventor deveria ter despendido inicialmente para obter a autorização do titular do direito”313.

A leitura correta do alcance da obrigação de enriquecimento sem causa no direito brasileiro, contudo, acaba revelando que alguns casos têm suscitado certa polêmica, justamente porque o instituto, na jurisprudência, não goza de merecida atenção, como ocorre nas situações de utilização da imagem alheia, que são abrangidas pela Súmula 403 do STJ. Como será demonstrado a seguir, o julgador escolheu uma alternativa para restituição dos valores de mercado e não há como aceitar que tal entendimento continue a ser aplicado.

311 NORONHA, Fernando, 1991, p. 68.

312 KROETZ, Maria Candida do Amaral, 2005, p. 113 e ss. MICHELON JR., Claudio, 2007, p. 190 e ss. Registra-se que os autores trouxeram, além das noções de quantificação do enriquecimento, significativas considerações para a quantificação do lucro da intervenção em suas obras. Trabalhando com os elementos boa-fé e má-fé, como também os elementos enriquecimento real e patrimonial. Desta forma, as construções doutrinárias serão devidamente analisadas no terceiro capítulo dessa pesquisa. Nanni, por sua vez, traz outras significativas ponderações sobre o objeto da restituição, as quais também serão objeto de análise (NANNI, Giovanni Ettore, 2004, pp. 282 e ss).

3.1.3 Os casos de publicação não autorizada da imagem alheia A jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, dos idos do CC/1916, consolidou a Súmula nº 403/STJ que preconiza: “independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”314. O

entendimento segue, até hoje, no sentido de que o uso não autorizado de imagem de uma pessoa com fins econômicos ou comerciais dá ensejo ao dever de reparação dos danos materiais e imateriais, independentemente da prova do prejuízo.

Um dos primeiros casos envolvendo o uso indevido da imagem alheia315 ocorreu, ainda na vigência do CC/1916, nas páginas do álbum

314 BRASIL, STJ. Súmula 403. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas- 2014_38_capSumula403.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2018. A súmula foi editada em 28 de outubro de 2009, mas o entendimento restou consagrado a partir das decisões que ocorreram na vigência do Código Civil de 1916 (os precedentes citados como fundamento foram: BRASIL, STJ. Terceira Turma. REsp 138.883- PE, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. Brasília, 04 de agosto de 1998; BRASIL, STJ. Terceira Turma. REsp 85.905-RJ, Rel. Min. Ari Pargendler. Brasília, 19 de novembro de 1999; BRASIL, STJ. Quarta Turma. REsp 267.529/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Brasília, 3 de outubro de 2000; BRASIL, STJ. Terceira Turma. REsp 270.730/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi. Brasília, 19 de dezembro de 2000; e BRASIL, STJ. Quarta Tuma. REsp 331.517-GO, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha. Brasília, 27 de novembro de 2001; mas é possível verificar outros no mesmo período). Após a vigência do Código Civil de 2002 o entendimento não foi alterado (os precedentes citados foram: BRASIL, STJ. Terceira Turma. EREsp 230.268-SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Brasília, 11 de dezembro de 2002; BRASIL, STJ. Terceira Turma. REsp 207.165-SP, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro. Brasília, 26 de outubro de 2004; BRASIL, STJ. Quarta Turma. REsp 1.053.534-RN, Rel. Min. Fernando Gonçalves. Brasília, 23 de setembro de 2008); BRASIL, STJ. Terceira Turma. REsp 1.082.878-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi. Brasília, 14 de outubro de 2008; mas é igualmente possível verificar outros no mesmo período).

315 Para essa pesquisa optou-se por investigar as decisões do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunais de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, dado ao número de decisões envolvendo pessoas famosas. Os parâmetros utilizados foram “direito de imagem” ou “imagem”, sendo combinados com os termos “indenização” ou “uso indevido”. Como a presente pesquisa não tem a pretensão de esgotar o tema, mas apenas demonstrar o atual posicionamento da jurisprudência nacional, limita-se a citar casos emblemáticos.

de figurinhas denominado 'Heróis do Tri”, desenvolvido pela Editora Abril S.A. e autorizado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). O voto, da lavra do então Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior, debruçou-se na proteção ao direito de imagem. A decisão restou firmada no sentido de que a utilização da imagem nos jogadores de futebol ocorreu, simplesmente, para satisfazer interesse comercial e não informativo, inexistindo qualquer relação com o direito de arena316.

O uso comercial da imagem é totalmente vedado sem o consentimento do titular, e assim, como extrai-se dos fundamentos da decisão, o prejuízo “está na própria violação, na utilização do bem que integra o patrimônio jurídico personalíssimo do titular. Só aí já está o dano moral. Além disso, também poderia ocorrer o dano patrimonial, pela perda dos lucros que tal utilização poderia acarretar, seja pela utilização feita pelas demandadas, seja por inviabilizar ou dificultar a participação em outras atividades do gênero”317.

Alguns anos depois, o célebre julgado relatado pelo então Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira trouxe o debate fervorosamente ao STJ318.

A demanda envolvia a utilização indevida da imagem de um corretor de seguros, bem-sucedido da época, por uma empresa, também corretora de seguros, através da publicação de uma matéria paga no jornal “O Globo” e em outros periódicos editados pela própria empresa. A

316 O direito de arena atribui as entidades esportivas a possibilidade de fixação, transmissão e retransmissão do espetáculo desportivo público, limitando a este. 317 BRASIL, STJ. Quarta Turma. REsp 46.420/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Brasília, 12 de setembro de 1994. Em outra decisão envolvendo vítimas da violação ao direito de imagem, no caso Heróis do Tri, o Ministro reformou a decisão do Tribunal de origem para afastar como critério para fixação dos danos auferidos o lucro que os ofensores obtiveram como a venda nos álbuns de figurinha, justificando que “o prejuízo sofrido pela vítima do ato ilícito não corresponde ao lucro do negócio, que pode ter fracassado e apresentar saldo negativo, mas nem por isso desaparece a infração e o dever de indenizar” (BRASIL, STJ. Quarta Turma. REsp 100764/RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar Junior. Brasília, 16 de março de 1998). O entendimento foi mantido pelo Ministro Aldir Passarinho Junior em 2005, em outra demanda envolvendo o mesmo álbum de figurinhas (BRASIL, STJ. Quarta Turma. REsp 113.963/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior. Brasília, 20 de setembro de 2005).

318 BRASIL, STJ. Quarta Turma. REsp 267.529/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Brasília, 3 de outubro de 2000. O Supremo Tribunal Federal, em decisão de relatoria do Ministro Luiz Rafael Mayer, indicou que a “divulgação da imagem de pessoa, sem o seu consentimento, para fins de publicidade comercial, implica em locupletamento ilícito à custa de outrem, que impõe a reparação do dano” (RTJ nº 104/801).

sentença em primeiro grau condenou a empresa ré ao pagamento de 1.250 salários mínimos a título de indenização por danos materiais considerando a utilização indevida da imagem alheia. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em sede recursal, minorou o quantum (500 salários mínimos) e determinou a exclusão das publicações.

Após insurgência da empresa ré, o STJ entendeu, por maioria, ser devida a indenização por danos materiais no montante de 100 salários mínimos, sustentando que “o direito à imagem reveste-se de duplo conteúdo: moral, porque direito de personalidade; patrimonial, porque assentado no princípio segundo o qual a ninguém é lícito locupletar-se à custa alheia”. O Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira afirmou:

O direito à imagem qualifica-se como direito de personalidade, extrapatrimonial, de caráter personalíssimo, por proteger o interesse que tem a pessoa de opor-se à divulgação dessa imagem, em circunstâncias concernentes à sua vida privada. Destarte, não há como negar, em primeiro lugar, a reparação ao autor, na medida em que a obrigação de indenizar, em se tratando de direito à imagem, decorre do próprio uso indevido desse direito, não havendo que se cogitar de prova da existência de prejuízo ou dano. Em outras palavras, o dano é a própria utilização indevida da imagem com fins lucrativos, sendo dispensável a demonstração do prejuízo material ou moral.

O entendimento restou seguido, também, no emblemático caso da atriz Maitê Proença319, que pleiteou indenização pelos prejuízos

319 BRASIL, STJ. Terceira Turma. REsp 270.730/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi. Brasília, 19 de dezembro de 2000. A demanda, na época, restou conhecida nacionalmente, pois o acórdão relatado pelo Des. Wilson Marques (TJRJ) utilizou como fundamento, para indeferimento da indenização por danos imateriais, a seguinte frase “só mulher feia pode ser sentir humilhada, constrangida, vezada em ver seu corpo desnudo estampado em jornais ou revistas. As bonitas, não. Fosse a autora uma mulher feia, gorda, cheia de estrias, de celulite, de culote e de pelancas, a publicação de sua fotografia desnuda – ou quase – em jornal de grande circulação, certamente lhe acarretaria um grande vexame, muita humilhação, constrangimento enorme, sofrimento sem conta, a justificar – aí sim – o seu pedido de indenização de dano moral, a lhe servir de letivo para o mal sofrido” (BRASIL, TJ/RJ. Segundo Grupo de Câmaras Cíveis. Emb. Inf. 250/99, Rel. Des. Wilson Marques. Rio de

suportados a partir da publicação, não autorizada, pelo jornal Tribuna da Imprensa, de uma de suas fotografias extraídas no ensaio realizando, este conscientemente, para a Revista Playboy.

O voto da Ministra Nancy Andrighi seguiu no sentido:

A licitude do uso da imagem alheia não se limita à simples anuência ou autorização. O direito moderno a recebe como um bem, cuja disposição assume, principalmente no mundo artístico, contrato expresso, dada a necessidade de disciplina detalhada dos direitos e obrigações às partes contratantes. Imagem é um direito que compõe a personalidade jurídica, o qual possui conotação patrimonial, especialmente neste final de século que a mídia, fenômeno global, adotou-se de grande parcela da circulação de riquezas. O ato ilícito, usurpar do domínio de imagem, à toda evidência, no mundo fático, é capaz de gerar, como já reconhecido pelo Eg. Tribunal de origem, o dano material, e, simultaneamente dano moral, pois a simples exposição pública pode, à psique (personificação da alma), causar a dor, que em nosso sistema jurídico, a partir da Carta de 1988, passou, de forma inquestionável, ser um direito subjetivo protegido juridicamente.

Os julgados em análise deixam transparecer o equívoco na concepção de danos patrimoniais na jurisprudência do STJ, seguida pelos demais tribunais brasileiros. A contradição é aparente no voto do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, citado em diversas decisões posteriores, ao discorrer que “o direito à imagem reveste-se de duplo conteúdo: moral, porque direito de personalidade; patrimonial, porque assentado no princípio segundo o qual a ninguém é lícito locupletar-se à custa alheia”.

Janeiro, 23 de fevereiro de 2000). A decisão restou, por maioria, reformada no STJ. Registra-se que em outra demanda, envolvendo o uso não autorizada da imagem desnuda do ator Maurício Mattar, sob a relatoria do Des. Sérgio Cavalieri Filho, o TJ/RJ também negou a indenização por danos imaterial, sob o fundamento de não existir agressão à sua honra dado que o autor em outras oportunidades já teve fotografias publicadas nesse sentido. A demanda restou procedente tão somente no que tange aos danos materiais em razão da publicação não autorizada (BRASIL, TJ/RJ. Ap. nº 534/94, Rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho. Rio de Janeiro, 26 de abril de 1994).

Se houve locupletamento à custa alheia, como citado, a solução deve ser a restituição desse montante segundo a obrigação de enriquecimento sem causa, e não a indenização com fulcro na obrigação de responsabilidade civil.

A imposição da obrigação de restituir o enriquecimento nasce, como analisado, justamente do aproveitamento indevido de bens ou direitos subjetivos alheios e, portanto, protege o interesse do prejudicado (daquele que deixou de perceber pelo uso da imagem) na remoção para o seu patrimônio do acréscimo auferido à sua custa pelo beneficiário (enriquecido)320. O que se está tutelando, com o “caráter patrimonial” do

direito à imagem, é o direito de uso exclusivo da imagem pelo seu titular (seu conteúdo de destinação), não havendo qualquer dano patrimonial experimentado pelo titular do direito, segundo as diretrizes da teoria geral da responsabilidade civil321.

A divulgação sem autorização da imagem, dos escritos ou da palavra alheia para fins comerciais restou tutelada no artigo 20 do

320 NORONHA, Fernando, 2013, pp. 444-445 (sem grifos no original).

321 Atualmente, a discussão sobre a presunção dos danos imateriais permeia as decisões do STJ, como, por exemplo, no caso do uso indevido da imagem da atriz Danielle Winits (Danielle Winitskowski de Azevedo): RESPONSABILIDADE CIVIL. IMAGENS DE ATRIZ DE DORSO FRONTAL DESNUDO, ORIGINALMENTE LEVADAS AO AR EM MÍDIA TELEVISIVA, PUBLICADAS EM REVISTA DE GRANDE CIRCULAÇÃO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO. USO INDEVIDO DE IMAGEM. DANOS MATERIAIS E MORAIS CONFIGURADOS. 1. No caso em julgamento, a revista, ao publicar as imagens da atriz, com dorso frontal desnudo, em meio absolutamente diferenciado daquele inicialmente concebido para o trabalho artístico, causou dano à autora. Isso porque a veiculação de imagens desse jaez, em ambientes diversos dos recônditos em que normalmente transitam publicações de cunho sensual, possui a virtualidade de causar, na pessoa retratada, ofensa à sua honra subjetiva, em razão da circulação de sua imagem - até então destinada a certo trabalho artístico - em local diverso daquele contratado e autorizado. 2. Ademais, as imagens publicadas em mídia televisiva são exibidas durante fração de segundos, em horário restrito e em um contexto peculiarmente criado para aquela obra, bem diverso do que ocorre com a captura de uma cena e sua publicação em meio de comunicação impresso, o qual, pela sua própria natureza, possui a potencialidade de perpetuar a exposição e, por consequência, o constrangimento experimentado. 3. Vencido o relator, em parte, pois concedia indenização mais ampla (Súmula 403), a ser arbitrada em liquidação. 4. Recurso especial conhecido e parcialmente provido (BRASIL, STJ. Quarta Turma. REsp 1200482/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Brasília, 09 de novembro de 2010).

CC/2002322, que assegura, diante do requerimento do titular do direito, a

indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Todavia, mesmo com a redação do artigo, não há o que se falar em indenização por danos materiais como disposto na jurisprudência nacional, dado à concepção de dano indenizável no direito brasileiro e a própria locução que couber, não existindo qualquer presunção legislativa.

Agostinho Alvim ensina que como regra geral deve-se ter presente que a inexistência de dano é óbice à pretensão de uma reparação. Ainda que haja violação de um dever jurídico e que tenha existido culpa e, até mesmo, dolo por parte do lesante, nenhuma indenização será devida, uma vez que não se tenha verificado dano (prejuízo). Isto porque essa regra decorre dos princípios, pois a responsabilidade, independentemente de dano, redundaria em mera punição do devedor, com invasão da esfera do direito penal323.

Hildebrand analisando as decisões do STJ, nos casos de uso de indevido da imagem alheia, também se posiciona no sentido de não existir qualquer fundamento para a configuração dos danos materiais como exposto nos julgados analisados. Para o autor, “é fácil notar que o caso em questão trata de um enriquecimento por intervenção no direito alheio, estando presentes todos os pressupostos da obrigação restituitória: houve enriquecimento às custas do titular da imagem sem título justificativo”324.

Além da crítica redigida, resta necessário identificar quais são os limites dos danos patrimoniais concedidos pelos tribunais pátrios325.

322 Art. 20. “Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”.

323 ALVIM, Agostinho de Arruda, 1980, p. 181. 324 HILDEBRAND, Lucas Fajardo Nunes, 2010, p. 176.

325 Em outros casos, envolvendo outros desdobramentos do direito da personalidade, é possível verificar a aplicação do entendimento, como na demanda envolvendo Rubens Gonçalves Barrichello (BRASIL, STJ. Terceira Turma. REsp 1432324/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Brasília, 18 de dezembro de 2014). No caso, não houve a utilização propriamente da imagem, mas de elementos característicos do piloto aplicando o Enunciado nº 278, da IV