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2 O TRATAMENTO CONFERIDO AO LUCRO DA

2.3 A TENDÊNCIA À INCORPORAÇÃO DO LUCRO DA

2.3.2 A violação aos direitos de personalidade

Além das disposições legislativas quanto aos direitos de propriedade intelectual, foi possível identificar tanto em Alemanha quanto em Espanha uma tendência doutrinária e jurisprudencial à consideração dos valores de mercado, mais especificamente, aquela concepção clássica de enriquecimento pelos valores que normalmente seriam estipulados pelas partes para o uso de um determinado direito, não como desdobramento do instituto do esquecimento sem causa, mas sim como parâmetro para a quantificação da obrigação de responsabilidade civil, no que tange aos danos patrimoniais, diante das intervenções,

diseño si no hubiera tenido lugar la violación de su derecho y los beneficios obtenidos por el infractor como consecuencia de la violación del derecho del titular del diseño registrado. [...] b) La cantidad que como precio el infractor hubiera debido de pagar al titular del diseño por la concesión de una licencia que le hubiera permitido llevar a cabo la explotación del diseño conforme a derecho.”. Tradução livre: Para fixar a indenização por danos e prejuízos se levará em conta, a critério do lesado: a) As conseqüências econômicas negativas, entre elas os benefícios que o titular teria obtido com a exploração do desenho se a violação de seu direito não tivesse ocorrido e os benefícios obtidos pelo infrator como conseqüência da violação do direito do titular do desenho registrado.. [...] b) A quantia que, como preço, o infrator deveria ter pago ao titular do desenho pela concessão de uma licença que lhe permitiria levar a cabo sua exploração de acordo com a lei.

dolosas ou culposas, nos direitos de personalidade, com destaque aos direitos à imagem e ao nome235.

Após o reconhecimento da importância econômica do direito à imagem236 e sem fazer referências explícitas, inicialmente, à Dreifache

Schadensberechung, a jurisprudência alemã recorreu ao critério da lizenzanalogie – espécie de figura de licença fictícia – nos casos de intervenção nos direitos de personalidade, ou seja, a indenização, por lucros cessantes, corresponde à contraprestação que teria sido estipulada se tivesse ocorrido a celebração de um contrato entre o agente interventor e o titular do direito237.

235 Em Portugal, por outro lado, não se identificou divergências ou considerações doutrinárias e jurisprudenciais nesse sentido. Ainda, como visto anteriormente, o direito alemão exige a presença de um mercado usual e razoável para o reconhecimento do conteúdo de destinação e, consequentemente, para a tutela dos direitos de personalidade. Em Espanha, embora as parcas discussões doutrinárias nesse sentido, o entendimento segue a doutrina alemã, acrescentando que, uma vez comprovado a finalidade comercial do direito, o entendimento pode ser estendido à alguns casos de privacidade. Por isso limita-se, neste estudo, à análise do entendimento adotado nos casos de violações à imagem e ao nome, estendendo, em Espanha, à privacidade.

236 O direito de imagem na Alemanha restou consolidado no § 22 da lei sobre os direitos de autor em obras de artes plásticas e fotografia (Kunsturhebergesetz – KUG), de 9 de janeiro de 1907, que consagrou a proibição ao retrato sem consentimento. A legislação exige que para uma fotografia possa ser amplamente difundida - em uma revista ou em um jornal -, ou exibida publicamente - na internet ou na televisão -, que a pessoa fotografada tenha previamente consentido ou que exista uma prévia contraprestação pecuniária pelos serviços. Ainda, essa mesma legislação, acabou por prever uma relação de casos excepcionais em que pode ser admitida a divulgação e a exibição da imagem sem o consentimento da pessoa retratada (§§ 23 e 24). A primeira hipótese enumerada está relacionada com a divulgação ou exibição da imagem de pessoas que fazem parte da história contemporânea (§ 22, 1, 1, da KUG) (Person der Zeitgeschichte), compreendendo-se como tal todas as pessoas cuja atividade seja considerada, ainda que transitoriamente, de interesse público. Normalmente, nesta hipótese, são incluídos os políticos, governantes, monarcas e religiosos de grande importância, bem como os esportistas, atores, artistas, cientistas e inventores de excepcional destaque. A segunda hipótese está relacionada às fotos em que a pessoa integra uma paisagem ou participa de acontecimentos históricos, bem como nos casos em que a pessoa se coloca em público (§ 22, 1, 2, 3, da KUG) (ZANINI, Leonardo Estevam de Assis. A proteção da imagem na Alemanha. In: Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 6, n. 2, 2017, p. 12-13).

237 MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de. Direito de Autor. 2 ed. Coimbra: Almedina, 2018, p. 300; e CERVANTES, Carles Vendrell, 2012, p. 1209. A

Zanini explica, assim, que

Tal instituto, desenvolvido no âmbito dos direitos sobre bens imateriais, garante ao ofendido o recebimento de uma quantia correspondente àquela que receberia se tivesse firmado normalmente um contrato de licença. A aplicação da figura da licença parte da ideia de que aquele que comete um ataque a direitos da personalidade não pode ficar em melhor situação do que aquele que obteve autorização para a utilização de referidos direitos238.

A confirmação deste critério de licença fictícia, com base nos valores normalmente estipulados na área, ocorreu em 01 de dezembro de 1999, quando o BGH estendeu, de forma explícita, a aplicação do terceiro método de cálculo das indenizações aos casos de intervenção no direito de imagem239. Na demanda, foi utilizada, sem autorização, a imagem de

uma atriz, já falecida, por uma empresa, dedicada a comercialização de máquinas fotocopiadoras, em um anúncio publicitário vinculado à um determinado produto.

O BGH, aplicando o terceiro método de indenização, facultou à filha da vítima, autora da demanda, escolher entre os três critérios: (i) a prova do dano concreto; (ii) a lizenzanalogie; ou (iii) os lucros que a empresa obteve a partir da exploração não autorizada da imagem da atriz (lucros da intervenção). Ao final, a autora escolheu a figura de licença fictícia e, a partir daí, juntamente com novas discussões jurisprudenciais a respeito, os tribunais alemães começaram a utilizar o parâmetro para fixação dos lucros cessantes240.

primeira vez que se recorreu ao critério no direito alemão, mas sem fazer qualquer referência ao entendimento jurisprudencial consolidado (o terceiro método de cálculo), ocorreu no caso Paul Dahlke, já parcialmente analisado nesta pesquisa. Passando, a partir daí, a ser largamente aplicada pelos tribunais germânicos. 238 ZANINI, Leonardo Estevam de Assis, 2017, p. 26, a partir de SCHWEERS, Stefan Christian, Die vermögenswerten und ideellen Bestandteile des Persönlichkeitsrechts nach dem Tod des Trägers, Tese de doutorado. Universidade de Köln, Köln, 2006, p. 17.

239 Caso der blaue Engel, GRUR, 2000, n. 8. pp. 715-720 apud CERVANTES, Carles Vendrell, 2012, p. 1209.

240 OLG München 17/01/2003 (caso der blaue Engel, NJW-RR, 2003, n. 11, pp. 767-768), em que se considerou uma licença hipotética de € 70.000,00 (setenta mil euros); e LG Hamburg 27/10/2006 (caso Joschka Fischer, NJW, 2007, n. 10.

Tobias Helms, ao analisar as hipóteses de intervenção nos direitos subjetivos alheios em Alemanha, ao tratar dos direitos de personalidade, expõe que, atualmente, a jurisprudência germânica ainda tem considerado no cálculo das indenizações as vantagens econômicas auferidas pelo interventor, consideradas tão somente como o valor de mercado241.

Em Espanha, por sua vez, a ação indenizatória tem sido utilizada como instrumento central de defesa dos direitos à honra, ao nome, à privacidade e à imagem. Uma vez identificado o uso sem autorização de um dos direitos de personalidade, a compensação dos danos patrimoniais compreende tanto os danos emergentes como os lucros cessantes242.

Todavia, os tribunais espanhóis relaxaram seu entendimento em relação à prova dos lucros cessantes, construindo uma concepção de danos patrimoniais in re ipsa - isto é, os danos resultam automaticamente da conduta antijurídica, diante das dificuldades que o titular do direito enfrenta em relação à prova do dano nos moldes tradicionais -243. Exigem

pp. 691-694), em que se concedeu o montante de € 200.000,00 (duzentos mil euros), pelo preço de licença, a um político cuja imagem foi utilizada, sem autorização, em uma campanha publicitária. Interessante que, neste último julgado, o tribunal destaca que a dita quantia poderia ser derivada tanto de uma pretensão indenizatória (§823 BGB), como mediante a Eingriffskondiltion (§ 812 BGB) (CERVANTES, Carles Vendrell, 2012, p. 1209).

241 HELMS, Tobias, 2015, p. 225-226. O autor inclusive alerta para um caráter dissuasor nos casos de intervenção nos direitos de personalidade, que vem sendo aceito pela jurisprudência alemã.

242 A afirmativa não desconsidera que, para a ação de indenização, é necessário a presença de todos os elementos constitutivos do dever de indenizar, devendo-se comprovar, inclusive, a culpa. Nesse sentido, cita-se: Caso Revlon. A demanda foi proposta por uma modelo em face da Revlon S.A. e de um cabelereiro que exploraram, sem a pertinente autorização, sua imagem para uma campanha publicitária. O STS 22-VII-2008, confirmando a decisão da SAP Barcelona, não nega que tenha sido violada o direito à imagem da recorrente, mas considerou que a empresa não foi negligente ao utilizar a imagem da modelo, pois comprovou que havia adquirido autorização com o cabelereiro, detentor das imagens reproduzida, criando, assim, uma situação aparente. A empresa confiava que o cabelereiro tinha a devida autorização para tanto. Em outras palavras, a hipótese de intervenção nos direitos de imagem não pode ser imputada à Revlon “porque aqui falta o elemento da negligência que a obrigaria a compensar” (Caso Revlon, RJ 2008/4495 apud CERVANTES, Carles Vendrell, 2012, pp. 1109 e 1205).

243 CERVANTES, Carles Vendrell, 2012, pp. 1206 e 1216. Na visão de Cervantes, “pelo menos em Alemanha, tem uma boa explicação histórica bem identificada pela doutrina: a ação de enriquecimento sem causa por intervenção

apenas que o titular do direito comprove, minimamente, os benefícios econômicos que poderia ter obtido se o interventor tivesse solicitado a devida autorização.

Em outras palavras, a jurisprudência inclina-se a quantificar os lucros cessantes, tomando como parâmetro o preço da hipotética licença ou valores de mercado244.

Uma das primeiras decisões do Tribunal Supremo espanhol, utilizando como parâmetro o preço da licença hipotética para quantificação dos lucros cessantes, em uma demanda envolvendo a exploração não autorizada da imagem de outrem, ocorreu no caso Panini245. Na ocasião, o TS confirma a condenação, fixada na instancia

em direitos alheios (Eingriffskondiktion) não foi reconhecida no âmbito de proteção dos direitos de propriedade intangível de forma generalizada até o final do século XX. Isso motivou o desenvolvimento jurisprudencial das ações de defesa desses direitos - limitada, por conseqüência, à ação de cessação (Unterlassungsanspruch) e de indenização (Schadensersatzanspruch) - incorporara remédios restituitórios ou preventivos (a restituição do valor de uso do direito e dos lucros obtido pelo infrator) à ação de danos; o que foi conseguido, como foi visto pelo Schadensberechnung dreifache.”. No original: “Al menos en Alemania, ello tiene una explicación histórica bien identificada por la doctrina: la acción de enriquecimiento injustificado por intromisión en derecho ajeno (Eingriffskondiktion) no fue reconocida en el ámbito de la protección de los derechos sobre bienes inmateriales de manera generalizada hasta finales del siglo xx. Ello motivó que el desarrollo jurisprudencial de las acciones de defensa de estos derechos –limitadas, en consecuencia, a la acción de cesación (Unterlassungsanspruch) e indemnizatoria (Schadensersatzanspruch)– incorporara remedios restitutorios o preventivos (la restitución del valor de uso del derecho y la de las ganancias obtenidas por el infractor) a la acción de daños; lo que se consiguió, como se ha visto, mediante la dreifache Schadensberechnung.” (Op. cit., p. 1214).

244 CERVANTES, Carles Vendrell, 2012, pp. 1206 e 1211. Segundo o autor, o critério de autorização hipotética como método de valorar danos também é adotado, independentemente da Dreifache Schadensberechnung, no direito italiano e no direito francês. No original: “En el caso de los derechos de la personalidad incorporal, el critério del precio de una autorización (o regalía) hipotética, como método para valorar el daño sufrido por el titular del derecho infringido, fue –con independencia de la adopción de la teoría del triple cómputo del daño– rápidamente asumido por los tribunales de los ordenamientos italiano, alemán y francés; erigiéndose, así, en un cómodo expediente para liquidar el daño patrimonial en los casos de explotación de un atributo de la personalidad –normalmente, la imagen– con valor comercial o publicitario" (Op. cit, p. 1207). 245 Caso Panini, RJ 1988/4049 apud CERVANTES, Carles Vendrell, 2012, p. 1212. Interessante que, para demonstrar a incongruência dos tribunais espanhóis,

inferior, a uma empresa que explorou, sem autorização, a imagem dos jogadores participantes do campeonato de futebol nacional 1982-1983. A condenação - por interferência em direitos fundamentais à imagem dos futebolistas – se concretiza na obrigação de pagar uma indenização para estes no importe de 10.000.000 pesetas246, quantia fixada pelos próprios

demandantes como montante que normalmente receberiam se tivessem autorizado o uso das imagens à empresa.

No entanto, parte da doutrina critica o posicionamento jurisprudencial.

Basozabal Arrue entende que, ao contrário do que ocorre no direito espanhol, é plenamente possível aplicar a Eingriffskondiktion. Não há dúvidas, na visão do autor, que os direitos de personalidade possuem uma natureza patrimonial e, assim, estão inseridos no rol de direitos que possuem um conteúdo de destinação. Ademais, o reconhecimento da condictio por intervenção, nestes casos, não excluiria a ação indenizatória por danos extrapatrimoniais247.

Cervantes, corroborando, tem que a construção dogmática e normativa deficiente das ações de enriquecimento sem causa e a infeliz confusão jurisprudencial entre estas ações e os remédios indenizatório deram ensejo ao errôneo entendimento no direito espanhol. Isto porque o valor de mercado não é um dano, mas sim um critério restitutório, sendo manifesta a confusão entre a obrigação de responsabilidade civil e a de enriquecimento sem causa248.

em um caso análogo o TS utilizou como parâmetro o lucro da intervenção, por meio da ação restituitória: STS 28-XI-2007: A pessoa titular dos direitos de exploração sobre o uso da imagem dos jogadores de futebol, em uma coleção de cartas ostenta, diante da editora que comercializou de forma não autorizada uma coleção idêntica àquela, uma pretensão de enriquecimento pela qual pode exigir da parte interventora os lucros obtidos através da comercialização ilícita de coleções. No original: “STS 28-XI-2007 231, la persona titular de los derechos de explotación sobre el uso de la imagen de los futbolistas en una colección de cromos ostenta frente a la editora que comercializó de forma no autorizada una colección idéntica a la de aquélla una pretensión de enriquecimiento por la cual puede exigir a dicha infractora las ganancias obtenidas con la comercialización ilícita de las coleciones.” (Caso Panini Mundial Francia, RJ 2007/8455 apud Op. cit, p. 1167).

246 Antiga moeda espanhola, corresponde a, mais ou menos, € 60.000,00 (sessenta mil euros).

247 BASOZABAL ARRUE, Xabier, 1998, pp. 173-174. 248 CERVANTES, Carles Vendrell, 2012, pp. 1201 e 1214.

O autor defende que o fundamento dogmático da condictio por intervenção reside na ideia de conteúdo de destinação segundo a posição jurídico-subjetiva reconhecida ao titular dos direitos e, portanto, este é detentor dos rendimentos econômicos daqueles derivados. Assim sendo, considerando que os direitos de personalidade possuem conteúdo de destinação, encaixando-se na regra, é possível aplicar o enriquecimento sem causa nos casos de intervenção nestes direitos, inexistindo qualquer obste no direito espanhol249.

Apesar das críticas doutrinária, o ordenamento jurídico espanhol, nos últimos anos, vem considerando como parâmetro, para quantificação dos lucros cessantes, os valores de mercado250. Parcas são as decisões dos

tribunais que vem aplicando o instituto do enriquecimento sem causa nesse sentido e, quando o fazem, muitas vezes restringem aos casos de intervenção não culposa dos direitos alheios251.

249 CERVANTES, Carles Vendrell, 2012, p. 1232.

250 Nesse sentido: Caso Brandy Soberano II, AC 2006/312; Caso Joaquín Cortés, AC 2008/52; Caso Javier Bardem c. In touch, AC 2009/1731; e caso David Bisbal, JUR 2011/230529 apud CERVANTES, Carles Vendrell, 2012, p. 1214. 251 Por exemplo: SAP Madrid (Secc. 11.ª) 25-III-2009, que, diante da pretensão ressarcitória de uma modelo pelo uso não autorizado de sua imagem em uma campanha publicitária, é levado em conta, para calcular o ‘dano’, a remuneração previamente acordada pelos tribunais em um caso semelhante entre as mesmas partes litigantes [valor de mercado], mas o montante foi ainda reduzido porque esta campanha publicitária teve menor duração. No original: “SAP Madrid (Secc. 11.ª) 25-III-2009, que, ante la pretensión resarcitoria de una modelo por el uso no autorizado de su imagen en una campaña publicitaria, se tiene en cuenta, para calcular el daño, la remuneración acordada anteriormente por los tribunales en un caso similar entre las mismas partes litigantes, si bien se reduce dicha cuantía por la menor duración de la campaña publicitaria en el segundo caso”. (Caso modelo cocinas, JUR 2009/248336 apud CERVANTES, Carles Vendrell, 2012, p. 1198).

3 O ENQUADRAMENTO DOGMÁTICO DO LUCRO DA INTERVENÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A produção doutrinária brasileira sobre o lucro da intervenção vem crescendo na última década. Sérgio Savi, autor da primeira obra destinada, em sua inteireza, à análise do lucro da intervenção, seguindo as linhas iniciais do autor português Pereira Coelho, defende que, quando os lucros do interventor são iguais ou inferiores aos danos causados ao titular do direito, o instituto da responsabilidade civil seria capaz de resolver a problemática; ou, inexistindo danos ou ato ilícito, a figura do enriquecimento sem causa seria aplicada. Mas, quando os lucros do interventor são superiores aos danos causados ao lesado, o direito brasileiro apresenta uma lacuna em relação ao lucro da intervenção252.

Três estratégias são desenvolvidas pelo autor para contornar essas dificuldades de enquadramento do lucro da intervenção no Brasil. As duas primeiras vinculadas à responsabilidade civil, como afirma Savi253:

Há, pelo menos, duas alternativas para resolver o problema do lucro da intervenção no âmbito da responsabilidade civil: admitir uma nova forma de cálculo da indenização, que leve em consideração os lucros obtidos pelo ofensor; ou aceitar a chamada ‘indenização punitiva’, que utiliza o grau de culpa do ofensor e os benefícios econômicos por ele auferidos para determinar o valor a ser ‘indenizado’.

A terceira estratégia, defendida ao final pelo autor, diz respeito a possibilidade de aderir as fontes germânicas no que tange ao enriquecimento sem causa, e ainda possibilitar a cumulação das pretensões (restituitória e indenizatória) quando a intervenção causar, além de vantagens patrimoniais ao agente interventor, danos ao titular do direito, dado que para Savi254 “o titular do direito poderá cumular a

pretensão de enriquecimento sem causa com a pretensão da responsabilidade civil. O que ele não poderá fazer é pedir duas vezes a mesma quantia, uma vez a título de dano sofrido e outra de enriquecimento obtido pelo autor da lesão”.

252 SAVI, Sérgio, 2012, pp. 16-17.

253 SAVI, Sérgio, 2012, p. 21. 254 SAVI, Sérgio, 2012, p. 121.

Nessa linha de raciocínio, Gisela Guedes afirma que os lucros da intervenção devem situar-se nos quadros no princípio da vedação ao enriquecimento sem causa e se, eventualmente, estas vantagens forem superiores aos danos causados ao titular do direito, contando que estejam presentes os demais elementos da responsabilidade civil, a cumulação das pretensões, restituitória e indenizatória, é a melhor saída255.

Carlos Nelson Konder, por sua vez, sustenta que o instituto do enriquecimento sem causa não teria o condão de esgotar o enquadramento dogmático do lucro da intervenção. Para o autor, no direito brasileiro, deve-se reconhecer a uma pluralidade de estatutos normativos capazes de lidar com o problema do lucro da intervenção256.

Corroborando como os ensinamentos de Pereira Coelho e de Sérgio Savi, Konder discorre que, se os lucros da intervenção forem iguais ou inferiores aos danos causados ao titular do direito, estando presentes os pressupostos da responsabilidade civil, a indenização é suficiente para abarcar todas as vantagens, não havendo razão para fugir do instituto da responsabilidade civil. Nas situações em que inexistem ato ilícito ou dano, a aplicação da responsabilidade civil não encontra respaldo, recaindo, assim, ao enriquecimento sem causa a tutela do direito. Todavia, nos casos em que os lucros são superiores aos danos sofridos, defende a possibilidade de cumulação das pretensões restituitória e indenizatória, sendo a grande problemática a quantificação dos lucros a serem restituídos.

Entre os últimos escritos destaca-se, também, o trabalho de Thiago Lins257, não apenas por tratar sobre o problema do lucro da intervenção,

mas também por produzir, especificamente, parâmetros para a quantificação das vantagens nas hipóteses de violação ao direito de imagem, considerada, nesse trabalho, uma das situações de verdadeira

255 GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz, 2011, p. 210. Em um trabalho mais recente, juntamente com Aline Terra, a autora, analisando o panorama do direito brasileiro, discorre que “[...] não há uma única figura genérica, capaz de excluir o lucro ilícito do patrimônio do agente em toda e qualquer situação. Identificam- se, por outro lado, várias normas cuja finalidade reside precisamente em evitar que a conduta ilegítima se revele lucrativa para o ofensor. De todo modo, o instituto que melhor desempenha referida função de forma mais abrangente é o enriquecimento sem causa por lucro da intervenção, cujo escopo reside,