• Nenhum resultado encontrado

2 O TRATAMENTO CONFERIDO AO LUCRO DA

2.2 A POSIÇÃO ADOTADA NO DIREITO ALIENÍGENA

2.2.3 Espanha

O Código Civil espanhol de 1889, seguindo o modelo da codificação francesa de 1804, não apresenta uma cláusula geral de vedação ao enriquecimento sem causa. O desenvolvimento do instituto no ordenamento jurídico espanhol tem sido fruto de uma construção jurisprudencial e doutrinária vagarosas e, muitas vezes, abstratas149.

241-266. Coimbra: Gestlegal, 2017; e RIBEIRO DE ALMEIDA, Alberto. Responsabilidade Civil pela violação de Direitos Subjetivos de Propriedade Intelectual – As influências anglo-saxónicas. In: Revista de Direito Intelectual. nº 2. pp. 165-187. Coimbra: Almedina, 2014. Na academia, atualmente, existem algumas dissertações de mestrado tratando do tema como, BODNAR, Adriana Bispo. A tutela da propriedade industrial pelo enriquecimento sem causa. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas). Universidade de Lisboa, Lisboa, 2009; e SARMENTO, Léa Helena Pessôa dos Santos. A tutela dos Direitos da Propriedade Industrial pela Responsabilidade Civil. In: Revista do Instituto do Direito Brasileiro. Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Ano 3, nº 8, pp. 6113-6182, 2014.

148 PORTUGAL, STJ. Recurso de Revista, Proc. 3952/08.9TJVNF.P1.S1, Relatora Silva Gonçalves, julgado em 17.12.2014. Disponível em: <https://www.stj.pt/wp-

content/uploads/2018/01/propriedadeindustrialdireitosautor_ 2016.pdf>. Acesso em: 25 set. 2018.

149 RUBIO, María Paz García. Propuestas o modelos de regulación del enriquecimento sin causa em España. In: GARCÍA, Pedro Del Olmo (Org); BASOZABAL ARRUE, Xavier (Org.); TORREJÓN, Ángel Juárez. Enriquecimiento injustificado en la encrucijada: historia, derecho comparado y propuestas de modernización. Navarra: Aranzadi, 2017, pp. 248-249. Verifica-

Há quase três décadas, Díez-Picazo chamou a atenção sobre a imprecisão da figura no direito espanhol e desenvolveu uma classificação tipológica, inspirado na doutrina germânica, que englobasse os casos mais comuns de enriquecimento, objetivando oferecer soluções para os casos concretos de enriquecimento sem causa atentando-se para sua origem: condictio de prestación, condictio por intromisión y condictio por impensas o desembolsos150.

Assim, ao analisar o problema do lucro da intervenção e a construção da condictio por intromisión, o autor discorre que algumas hipóteses de intervenções nos direitos alheios, no direito espanhol, se encontram disciplinadas nas relações entre proprietário e possuidor e outras no regime de acessão. Nesse sentido:

Na primeira linha são para lembrar, notoriamente, os artigos 451 e 455 do Código Civil: o artigo 451 do Código Civil permite que o possuidor de boa-fé faça seus os frutos percebidos enquanto a posse não tenha sido legalmente interrompida, e artigo 455 do Código Civil ordena que o possuidor de má-fé abone os frutos percebidos e aqueles outros que o legítimo possuidor poderia ter percebido, reconhecendo-lhe, unicamente, o direito de ser restituído pelas despesas necessárias feitas para a conservação da coisa151.

se o reconhecimento do instituto em legislações esparsas, como, por exemplo, na Ley de Enjuiciaminte Civil (art. 595.2) e, ainda, após a reforma dos anos 1973- 1974, no próprio Código Civil espanhol, Título Preliminar, artigo 10.9, na parte correspondente ao Direito Internacional Privado, sob a seguinte redação: “En el enriquecimiento sin causa se aplicará la ley en virtud de la cual se produjo la transferencia del valor patrimonial en favor del enriquecido”. Tradução livre: “No enriquecimento sem causa se aplicará a lei em virtude da qual se produziu a transferência do valor patrimonial em favor do enriquecido”. Ademais, a primeira tentativa doutrinária de elaboração de uma teoria do direito de enriquecimento no ordenamento espanhol ocorreu somente em 1934, com a obra de Rafael Núñez Lagos. A tese do autor era inspirada pelo modelo da pandectística alemã, considerando que, para a pretensão restituitória, deveria estar comprovado o deslocamento patrimonial (CERVANTES, Carles Vendrell., 2012, p. 1118). 150 DÍEZ-PICAZO, Luis, 1988, p. 100 e ss; e GIL, Laura Zumaquero, 2017, p. 23.

151 DÍEZ-PICAZO, Luis, 1988, p. 121. No original: “En la primera línea son de recordar, notoriamente, los artículos 451 y 455 del Código Civil: el artículo 451 del Código Civil permite que el possedor de buena fe haga suyos los frutos

O segundo grupo de preceitos que devem ser contados em nosso Direito para tentar construir os perfis de uma condicio por intromissão, encontra- se em alguns pontos do regime jurídico da acessão. [...] Os artigos 353 e seguintes mostram a importante característica que, nesses casos, a boa- fé não isenta a restituição de valores, como no artigo 451, talvez em razão de que aqui a utilização é do valor total da coisa principal e não simplesmente de seus frutos. A boa-fé exime da obrigação de indenizar eventuais danos sofridos ou prejuízos, mas não isenta a regra geral de direito, e a obrigação correlativa, de pagar os valores. Assim, por exemplo, o artigo 360, na hipótese de utilização de material alheios em uma obra, obriga sempre o pagamento do valor e, também, impõe um dever de indenização pelos eventuais danos e perjúrios sofridos, quando se havia agido de má-fé152. A lacuna legislativa, para Díez-Picazo153, reside, como corolário

lógico, em duas hipóteses, nas quais poderiam ser aplicadas a regra geral do enriquecimento sem causa, mais especificamente da condictio por intromisión, segundo à teoria do conteúdo da destinação: quando determinado sujeito usa de uma coisa alheia sem empregá-la ou incorporá-la a outra própria, sem transformá-la ou sem extrair seus

percebidos mientra no haya sido legalmente interrumpida la posesión, y el artículo 455 del Código Civil ordena que el poseedor de mala fe abone los frutos percebidos y aquellos otros que el poseedor legítimo hubiera podido percibir, renconociéndole unicamente el derecho a ser reintegrado de los gastos necessários hechos para la conservación de la cosa”.

152 DÍEZ-PICAZO, Luis, 1988, pp. 122-123. No original: “El segundo grupo de preceptos con que hay que contar em nuestro Derecho para tratar de construir los perfiles de una condictio por intromisión, se encontra em algunos puntos del régimen jurídico de la accesión. [...] En los artículos 353 y seguientes luce con la importante característica de que en ellos la buena fe no exime de la restitución del valor como en el artículo 451, tal vez em razón de que aqui la utilización es del valor entero de la cosa principal y no simplemente de sus frutos. La buena fe exime de la obligación de pagar los daños y perjuicios, pero no exceptúa la regla general del derecho, y de la correlativa obligación, del abono del valor. Así, por ejemplo, el artículo 360, en la hipótesis de utilización de materiales ajenos em uma obra, obliga siempre al abono del valor y, además, impone el deber de resarcimiento de los daños y perjucios cuando se hubiera obrado de mala fe.”. 153 DÍEZ-PICAZO, Luis, 1988, pp. 123-125.

frutos154; ou nas hipóteses de usurpação dos direitos de propriedade

intelectual ou industrial155.

Todavia, diante da ausência de uma regulação geral do enriquecimento sem causa pelo legislador espanhol, a jurisprudência do Tribunal Supremo assumiu especial papel no desenvolvendo o instituto e o reconhecimento da tipologia trazida por Díez-Picazo tardou em acontecer. As primeiras decisões eram pautadas segundo a máxima: “ninguém deve enriquecer-se injustamente com o dano de outro” 156. O

enriquecimento sem causa era, assim, concebido à luz de um princípio geral do direito, fulcrado na equidade.

A partir dos anos cinquenta que a jurisprudência do Tribunal Supremo começa a citar, propriamente, uma ação de enriquecimento, sustentando a necessidade de comprovar a ausência de causa para poder exercitá-la e reconhecendo a subsidiariedade do instituto157.

O Tribunal Supremo especificou, também, quais os pressupostos necessários para a caracterizar o dever de restituir segundo o enriquecimento sem causa. O primeiro é existência de um enriquecimento, entendido como toda a vantagem, utilidade ou proveito de carácter patrimonial (tanto positivo como negativo). O segundo traduz- se na necessidade de que o enriquecimento tenha ocorrido à custa do patrimônio de outrem ou como consequência de outra pessoa. O requisito está vinculado à ideia de empobrecimento, consistindo na perda pecuniária propriamente dita, nas vantagens auferidas a partir dos direitos subjetivos alheios, na falta de remuneração de um trabalho, etc. O último requisito é a carência de causa capaz de justificar o enriquecimento, entendida, como em Portugal, em um sentido amplo158.

154 O autor, para ilustrar, utiliza o exemplo clássico da utilização, sem autorização, da casa alheia.

155 No direito espanhol a denominação direito intelectual está relacionada tão somente aos direitos autorais e os direitos de propriedade industrial estão divididos em direitos de marcas, patentes e desenhos industriais.

156 GIL, Laura Zumaquero, 2017, pp. 21-22. No original: “ninguno non debe enriquecerse torticeramente con daño de otro”.

157 A consolidação da subsidiariedade está baseada na influência deixada pelo direito francês. Nesse sentido: SSTS de 1ª, 25.11.1985 (Ar. 5898; MP: Cecilio serena Velloso); 1ª, 19.04.1990 (Ar. 2731; MP: Francisco Morales); 1ª, 19.02.1999 (Ar. 1055; MP: Antonio Gullón Ballesteros); 1ª, 30.11.2005 (Ar. 82); 1ª, 15.09.2006 (Ar. 6366; MP: Xavier O’Callagham Muñoz); 1ª, 30.04.2007 (Ar. 2396; MP: Encarnación Roca i Trías) apud GIL, Laura Zumaquero, 2017, p. 22. 158 GIL, Laura Zumaquero, 2017, pp. 25-27. Nesse sentido: SSTS, 1ª, 21.10.1977 (Ar. 3904; MP: Federico Rodríguez Solano y Espín); 1ª, 21.12.1984 (Ar. 6291;

A jurisprudência espanhola, somente nos últimos dez anos, avançou seu entendimento, atendendo aos clamores da doutrina civilista, e sedimentou a classificação tipológica realizada inicialmente por Díez- Picazo, e seguida por outros doutrinadores, a exemplo de Basozabal Arrue, admitindo a existência de três tipos de condictiones159.

A consolidação na jurisprudência das hipóteses de restituição das vantagens econômicas auferidas pelo interventor ocorreu, a partir da violação da propriedade, com a decisão RJ 2012/3786:

Quando o enriquecimento tem como base o exercício da faculdade de disposição de um bem, por quem não é seu titular, nós estamos diante do chamada condicio por intromissão e se supõe que a disposição seja eficiente, porque devem ser aplicadas as regras de proteção do adquirente de boa-fé, e, neste caso, o disponente non dominus debe al verus dominus o valor obtido com a disposição. Este é o caso do enriquecimento sem causa que ocorre no presente litígio160.

MP: Cecilio Serena Velloso); 1ª, 11.12.1992 (Ar. 9733; MP: Teófilo Ortega Torres); 1ª, 13.11.1996 (Ar. 7921; MP: Román García Varela); 1ª, 17.01.2003 (Ar. 4; MP: Xavier O’Callagham Muñoz), 1ª, 15.6.2004 (Ar. 3847); 1ª, 18.11.2005 (Ar. 7733; MP: Jesús Corbal Fernández); 1ª, 21.03.2006 (Ar. 5445; MP: José Antonio Seijas Quintana); 1ª, 27.10.2006 (Ar. 7720; MP: Pedro González Poveda); 1ª, 21.09.2010 (Ar. 7134; MP: Rafael Gimeno-Bayón Cobos); 1ª, 29.06.2015 (Ar. 4486); 1ª, 30.12.2015 (Ar. 5897; MP: José Antonio Seijas Quintana) (Idem, pp. 25-27).

159 GIL, Laura Zumaquero, 2017, p. 22.

160 Pte. Roca Trias, RJ 2012/3786 apud GIL, Laura Zumaquero, 2017, p. 24; e CERVANTES, Carles Vendrell. El enriquecimiento injustificado en la jurisprudencia recinte del Tribunal Supremo. In: GARCÍA, Pedro Del Olmo (Org); ARRUE, Basozabal Xavier (Org.); TORREJÓN, Ángel Juárez. Enriquecimiento injustificado en la encrucijada: historia, derecho comparado y propuestas de modernización. Navarra: Aranzadi, 2017, p. 312. No original: “Cuando el enriquecimiento tiene como supuesto el ejercicio de la facultad de disposición de um bien por quien no es su titular, nos hallamos ante la denominada condictio por intromisión y supone que la disposición sea eficaz porque deban aplicarse las reglas de protección del adquirente de buena fe y em este caso, ‘el disponente non dominus debe al verus dominus el valor obtenido com la disposción’. Este es el supuesto de enriquecimiento injusto que se produce en el presente litigio.”. Em outras ocasiões, outrossim, o Tribunal Supremo espanhol já tinha admitido a possibilidade de restituição do lucro da intervenção segundo o instituto do enriquecimento sem causa, entre outros exemplos a serem

As raízes desse entendimento estão no direito alemão, sendo o conceito de conteúdo de destinação (contenido de atribución) o ponto de partida para a fundamentação dogmática da ação de enriquecimento por intromissão no direito espanhol. Tanto na jurisprudência quanto da doutrina restou consolidado que se uma pessoa obteve uma vantagem a partir da invasão na esfera jurídica, exclusiva, de outrem, estas vantagens devem ser extraídas do patrimônio do interventor e reintegradas ao patrimônio do titular do direito161.

A condictio por intervenção está, consequentemente, vinculada ao alcance e à natureza do direito absoluto violado (direitos que possuem, essencialmente, um conteúdo de atribuição): direitos reais, direitos de personalidade162 e direitos de propriedade intelectual163.

A jurisprudência espanhola, porém, tem oscilado ao aplicar a condictio por intromisión, principalmente, diante da ausência de parâmetros para a restituição das vantagens: limitada ao preço hipotético (os valores de mercado) ou considerando, também, as ganancias obtenida con el ilícito (lucro da intervenção). Entre as últimas decisões, por exemplo, analisando um caso envolvendo o enriquecimento a partir do uso indevido da propriedade alheia164, o Tribunal Supremo acabou

entendendo pela condenação do interventor a restituir toda a renda

citados: Pte. Montés Penadés, RJ 2007/1714 e Pte. Ferrándiz Gabriel, RJ 2011/4997 apud CERVANTES, Carles Vendrell, 2017, p. 313.

161 CERVANTES, Carles Vendrell, 2012, pp. 1139 e 1168.

162 Basozabal defende que os direitos de personalidade possuem um conteúdo de atribuição e, por isso, estão tutelados pela Eingriffskondiktion. (BASOZABAL ARRUE, Xabier, 1998, p. 171). No mesmo sentido, CERVANTES, Carles Vendrell, 2012, p. 1129 e ss. Porém, é possível encontrar na doutrina e na jurisprudência a defesa, nos casos de violação aos direitos de personalidade, da hipótese de restituição do lucro da intervenção, limitado ao valor hipotético de licença, como lucros cessantes, o que será analisado no item 2.3 desta pesquisa. 163 Nesse caso, há legislação própria, a qual será vista no item 2.3 desta pesquisa. 164 A demanda envolvia um descumprimento contratual. A arrendou um imóvel, de sua propriedade, para B. Uma das cláusulas contratuais vedava qualquer sublocação do local para terceiros sem autorização do proprietário. No entanto, B acabou arrendando o imóvel para C pelo valor de 4.200 euros por mês. Importe muito superior ao valor original de locação (700 euros/mês) (STS 28-10-2015, Pte. Arroyo Fiestas, RJ 2015/4944 apud CERVANTES, Carles Vendrell, 2017, p. 292). Destaca-se que, de todo modo, a admissão da condictio por intromisión não exclui que está concorra com outras pretensões, mais especificamente com o pedido indenizatório, seja a responsabilidade civil contratual ou extracontratual. Não sendo afastada a cumulação das pretensões, diante do reconhecimento da subsidiariedade (CERVANTES, Carles Vendrell, 2017, p. 1163).

indevidamente auferida. Ou seja, todas as vantagens econômicas decorrestes do ato de intervenção nos direitos subjetivos alheios.

A doutrina mais recente vem criticando esse posicionamento dos tribunais espanhóis diante das diversas decisões contraditórias. Cervantes aponta que se a ação de enriquecimento sem causa, fundada na teoria do conteúdo da destinação, tem a mera função reintegradora, o objeto da pretensão restituitória deveria limitar-se ao preço que o titular, razoavelmente, teria recebido se autorizasse o uso legítimo da coisa. Ou ainda, como defende parte da doutrina, se restar caracterizado a má-fé do interventor, deveria a obrigação de restituir ser agravada de maneira que, nesses casos, o alcance da pretensão restituitória não se limitaria ao preço de uma hipotética licença, incluindo o lucro da intervenção165.

Segundo Basozabal Arrue, o titular do direito tem, em princípio, direito à restituição do preço da licença de exploração e não todas as vantagens auferidas pelo interventor, pois só aquela corresponde, efetivamente, ao valor de reintegração, mas se o interventor agir de má- fé deve restituir todo o lucro auferido. Para o autor, assim, é possível distinguir no módulo restituitório da condictio por intromision duas hipóteses:

Uma básica, correspondente ao preço do objeto usurpado (de caráter objetivo e fundamentada na reintegração do direito usurpado); e uma extraordinária para comportamento dolosos, que atinge a diferença entre o anterior e o total do ganho líquido obtido pelo interventor (de caráter subjetivo e fundamentada na necessidade de prevenir e punir a conduta intromissiva) 166.

165 CERVANTES, Carles Vendrell, 2017, p. 293.

166 BASOZABAL ARRUE, Xabier, 1998, pp. 93 e 99. No original:“Una básica, correspondiente al valor sustitutorio o precio del objeto usurpado (de carácter objetivo y fundamentada en la reintegración del derecho usurpado); y una extraordinaria para comportamentos dolosos, que alcanzase la diferencia entre la anterior y el total de la ganacia neta obtenida por el intromisor (de carácter subjetivo y fundamentada em la necesidad de previnir y penar la conducta intromisiva).”. Basozábal admite a restituição de todos os lucros por intervenção pelo instituto do enriquecimento sem causa como uma hipótese excepcional, devendo ficar provada má-fé (dolo) do interventor. O autor utiliza-se de uma interpretação extensiva do artigo 455 do Código Civil espanhol, que trata sobre a restituição dos frutos nos casos de possuidor de má-fé (Op. cit., pp. 265-267). Nesse sentido: Art. 455. “El poseedor de mala fe abonará los frutos percibidos y los que el poseedor legítimo hubiera podido percibir, y sólo tendrá derecho a ser

Outra crítica doutrinária expressiva diz respeito aos casos que a jurisprudência do Tribunal Supremo vem equiparando a condictio por intromisión à ação indenizatória, disciplinadas nas leis de propriedade intelectual espanholas, que tem como um dos critérios os lucros da intervenção, ou ainda vem utilizando da teoria do conteúdo da destinação para delimitar o âmbito de aplicação da ação de enriquecimento sem causa envolvendo concorrência desleal167, como se infere dos excertos,

respectivamente:

[...] as pretensões de restituição do preço de uma hipotética licença ou dos lucros obtidos pelo infrator de um direito de propriedade intelectual ou industrial configuram-se ex lege como ações de responsabilidade civil extracontratual, isto é, como ações de danos.

É reveladora, nesse sentido, a aplicação pelos tribunais da teoria do conteúdo da atribuição para delimitar o escopo objetivo da aplicação da ação de enriquecimento injustificado do art. 21.1.6 do LCD - onde, como indicado, se recorre, de forma inequívoca, a esta teoria - segundo a qual o alcance desta ação seria o lucro do infrator168.

reintegrado de los gastos necesarios hechos para la conservación de la cosa. Los gastos hechos en mejoras de lujo y recreo no se abonarán al poseedor de mala fe; pero podrá éste llevarse los objetos en que esos gastos se hayan invertido, siempre que la cosa no sufra deterioro, y el poseedor legítimo no prefiera quedarse con ellos abonando el valor que tengan en el momento de entrar en la posesión.”. Tradução livre: O possuidor de má-fé restituirá os frutos percebidos e aqueles que o legítimo possuidor poderia ter percebido, e só terá direito a ser reembolsado pelas despesas necessárias para a conservação da coisa. As despesas feitas em melhorias voluptuárias não serão pagas ao possuidor de má-fé; mas pode este levantar os objetos nos quais essas despesas foram investidas, sempre que a coisa não sofra deterioração e o possuidor legítimo não preferir permanecer com esta, pagando o valor que tenham no momento restituição da posse". Para Cervantes, falta no ordenamento jurídico espanhol um fundamento normativo claro que permita estender o alcance da pretensão restituitória a todo o lucro da intervenção (CERVANTES, Carles Vendrell, 2012, p. 1189).

167 Pte. García- Chamón, JUR 2017/186531; Pte. García- Chamón, AC 2015/1603; Pte. Martín Alonso, JUR 2016/105114; Pte. Boet Serra, AC 2010/794 apud CERVANTES, Carles Vendrell, 2017, pp. 316-317.

168 CERVANTES, Carles Vendrell, 2017, pp. 316-317. No original: “[...] las pretensiones de restitución del precio de uma hipotética licencia o de las

A jurisprudência espanhola não é capaz ainda de lidar com a possibilidade de restituição do lucro da intervenção. Além disso, a problemática torna-se mais delicada ao tratar sobre os direitos de propriedade intelectual, já que o legislador espanhol introduziu no âmbito do instituto da responsabilidade civil as hipóteses de devolução dos lucros da intervenção, e, posteriormente, seguindo, como veremos no próximo subtítulo, as diretrizes da Diretiva 2004/48/CE da União Europeia.

As propostas de alteração legislativas, no entanto, parecem clarear algumas situações que envolvem o instituto do enriquecimento sem causa, especialmente no que tange à restituição do lucro da intervenção. Em Espanha, atualmente, está em pauta uma proposta de Código Civil da Associação de Professores de Direito Civil (2015), que reconhece, expressamente, no artigo 511, III, o enriquecimento sem causa como uma fonte de obrigações e dedica um capítulo para regulamentação do instituto (Capítulo II do Título XVIII).

A condictio por intromisión está contemplada no artigo 5182, X, da proposta, diante da referência “uso de bens, desfrute de serviços ou outras vantagens não suscetíveis de restituição em espécie”. As diretivas para a consolidação do enriquecimento sem causa e a quantificação dos valores a serem restituídos, ainda, giram em torno da boa-fé ou má-fé (arts. 5182, VII, e 5182, VIII), considerando que, uma vez comprovada a má-fé, deve o interventor restituir, além do preço de uma hipotética licença, os lucros da intervenção.

2.3 A TENDÊNCIA À INCORPORAÇÃO DO LUCRO DA