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A intervenção nos direitos subjetivos alheios: com qual fundamento e em que medida é possível restituir o lucro da intervenção?

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Academic year: 2021

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A INTERVENÇÃO NOS DIREITOS SUBJETIVOS ALHEIOS: COM QUAL FUNDAMENTO E EM QUE MEDIDA É POSSÍVEL

RESTITUIR O LUCRO DA INTERVENÇÃO?

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação stricto sensu ofertado pela Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Rafael Peteffi da Silva

FLORIANÓPOLIS, 2019

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Jiukoski da Silva, Sabrina

A INTERVENÇÃO NOS DIREITOS SUBJETIVOS ALHEIOS: COM QUAL FUNDAMENTO E EM QUE MEDIDA É POSSÍVEL RESTITUIR O LUCRO DA INTERVENÇÃO? / Sabrina Jiukoski da Silva ; orientador, Rafael Peteffi da Silva, 2019.

200 p.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas, Programa de Pós Graduação em Direito, Florianópolis, 2019.

Inclui referências.

1. Direito. 2. lucro da intervenção. 3. Enriquecimento sem causa. I. Peteffi da Silva, Rafael. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título. aduação em

Direito. III. Título.de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

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ERRATA

JIUKOSKI DA SILVA, Sabrina. A intervenção nos direitos subjetivos alheios: com qual fundamento e em que medida é possível restituir o lucro da intervenção? Dissertação (Mestrado em Direito), Universidade Federal de Santa Catarina, 2019

Folha Linha Onde se lê Leia-se

30 3 “A questão que se

coloca, desta forma, é a de saber [...]”

“A questão que se coloca, evidencia Kroetz1, é a de saber [...]” 136 4 “[...] de responsabilidade civil.” “[...] de responsabilidade civil2”.

1 KROETZ, Maria Candida do Amaral, 2005, p. 160.

2 Esta conclusão é evidenciada também por HILDEBRAND, Lucas Fajardo Nunes, 2010, p. 176.

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Sabrina Jiukoski da Silva

A INTERVENÇÃO NOS DIREITOS SUBJETIVOS ALHEIOS: COM QUAL FUNDAMENTO E EM QUE MEDIDA É POSSÍVEL

RESTITUIR O LUCRO DA INTERVENÇÃO?

Esta Dissertação foi julgada adequada para obtenção do Título de Mestre e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação

em Direito ofertado pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Florianópolis, dia 11 de fevereiro de 2019.

Prof. Dr. Arno Dal Ri Júnior Coordenador de Curso

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Rafael Peteffi da Silva Orientador

Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. Dr. Orlando Celso da Silva Neto Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. Dr. Fernando Noronha Universidade Federal de Santa Catarina

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Aos meus pais, Adriana e Jose Vitor. Aos meus avós, Arlete e Alberto e, in memoriam, Cecília e Armindo. Ao meu irmão, Samuel.

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AGRADECIMENTOS

O presente trabalho de conclusão do curso de Mestrado ofertado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina não teria chego ao seu fim se não fosse o auxílio de pessoas essenciais nessa etapa da minha vida, sendo que, neste momento, não poderia deixar de prestar os meus sinceros agradecimentos.

***

Agradeço а Deus, que iluminou esta etapa da minha vida, dando-me força е coragem durante esta árdua e gratificante caminhada.

***

Agradeço aos meus queridos pais, Adriana e Jose Vitor, e aos meus avós maternos, Arlete e Alberto, que, com amor e dedicação, não mediram esforços para que eu chegasse neste momento da minha vida, bem como ao meu irmão, Samuel, pela paciência e amizade em meus momentos de angústia e aflição. Amo vocês!

***

Agradeço ao Prof. Rafael Peteffi da Silva, que me aceitou como sua aluna e, mais que isso, me orientou com extrema dedicação ao longo destes dois anos do curso, não medindo esforços ao compartilhar seus conhecimentos e transmitir valiosas lições sobre o Direito Obrigacional, bem como ao indicar o melhor caminho para o aprofundamento dos estudos pertinentes ao tema desta dissertação. Muito obrigada!

***

Agradeço à amiga Vanessa Azevedo Barcelos, que há muito é minha fonte de inspiração, sendo quem me apresentou ao Direito Obrigacional, despertando minha paixão por esta área do Direito Civil. Igualmente, agradeço aos meus professores da graduação, Prof. Paulo Potiara de Alcantara Veloso e Prof. Adriana Santos Rammê, que, a partir da condução de suas aulas e da dedicação aos seus alunos, despertaram, em mim, o desejo de lecionar.

***

Agradeço aos queridos amigos Daniele Vasques Dutra, André Just Meller e Felipe Ferrari Luna, que me acompanharam, com muita paciência e carinho, nesta árdua trajetória e me auxiliaram quando mais precisei de cada um. À Daniele, em especial, por me incentivar, me encorajar e me tranquilizar em todos os momentos. Muito obrigada!

***

Agradeço aos companheiros e amigos de mestrado, Suellen Sagáz, Ana Catarina de Alencar, Leandro Monteiro Liberal e Willian Rossato, por dividirem as angústias e as alegrias vividas no decorrer do curso. Em

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especial, agradeço à amiga e colega de mestrado, Thatiane Cristina Fontão Pires, que, além de dividir as angústias, as alegrias, os momentos de aprendizagem e os minutos ao telefone, me auxiliou na elaboração desta pesquisa, ao revisar minhas traduções relativas à língua alemã.

***

Agradeço aos professores Guilherme Henrique Lima Reinig e Dóris Ghilardi, que, ao estarem presentes na minha banca de qualificação, realizaram valiosos apontamentos e reflexões sobre o tema, além da generosidade acadêmica presente em todos os encontros durante o curso. Igualmente, agradeço ao professor Fernando Noronha que, ao estar presente na minha banca de defesa, em muito contribuiu com suas avaliações e seus ensinamentos para a versão final desta dissertação, bem como ao professor Orlando Celso da Silva Neto, que, da mesma forma, apresentou valiosas reflexões sobre o presente estudo.

***

Por fim, mas não menos especial, agradeço aos queridos alunos do curso de graduação em Direito, que compuseram a sétima fase do curso, durante o primeiro semestre do ano de 2018, enquanto eu realizava meu estágio docência. Vocês foram especiais!

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“Le gain de notre étude, c'est en être devenu meilleur et plus sage”. Michel Eyquem de Montaigne

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-RESUMO

Ao traçar qual o enquadramento dogmático do lucro da intervenção e em que medida esses lucros devem ser restituídos ao titular do direito no ordenamento jurídico brasileiro, no presente trabalho, analisa-se, em primeiro, o tratamento conferido no direito estrangeiro, especialmente em Alemanha, Portugal e Espanha, ao problema das intervenções nos direitos subjetivos alheios, o que serve de importante norte para a solução no direito brasileiro. Ao longo do segundo capítulo, verifica-se o desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial da problemática no direito brasileiro e, a partir de então, considerando também a perspectiva do direito estrangeiro, traça-se o enquadramento dogmático do lucro da intervenção no ordenamento jurídico pátrio: se compreendido pela teoria geral da responsabilidade civil ou pelo instituto do enriquecimento sem causa. Não sendo descartada, ainda, a impossibilidade de uma abordagem unitária dos lucros da intervenção. Após percorridos os caminhos para seu enquadramento, ao longo do terceiro capítulo, investiga-se as possibilidades de devolução dos valores auferidos pelo agente interventor, bem como aponta-se critérios gerais para a quantificação destas vantagens e critérios específicos ao lucro da intervenção. Para isso, trabalha-se de forma dedutiva, por meio de buscas em fontes doutrinárias clássicas e especializadas, primárias ou secundárias, além da consulta à jurisprudência nacional e estrangeira.

Palavras-chave: Lucro da intervenção. Enriquecimento sem causa. Responsabilidade Civil. Quantificação.

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ABSTRACT

Willing to state the instituite of disgorgement of profits at the brazilian judicial ordainment, defending that those profits should be refunded to it’s right holder, the present dissertation starts its goals seeking to draw a parallel between domestic and foreign law. Therefore, this academic work begins identifying how countries such as Germany, Spain and Portugal address the issue of subjective rights interventions, in order to identify the application of such guidelines to Brazilian law. The second chapter of the study consisted of analyzing the discussion of the topic in the Brazilian legal system, both by doctrine and by jurisprudence. Foreign law was compared to Brazilian law seeking to identify whether disgorgement of profits could be understood as an institute of tort law or the unjust enrichment. Not excluding a possible way to solidificate a general ‘disgorgement award’ available to apply in all cases of ‘wrongful’ conduct, by the third chapter, the study seeked to find legal way to the duty of mitigation for restitution of disgorgement of the wrongdoers profit from an opportunistic violation. At the same way that tried to punctuate general criteria to mensure the disgorgement of the wrongdoers profit quantifying the advantages and specific criteries to approach to disgorgement of profits. In order to achieve the aforementioned objectives, this work was carried out in a deductive way, with research in sources of classical and specialized doctrine, using primary and secondary information, and also carried out extensive research in national and foreign jurisprudence.

Keywords: Disgorgement of Profits. Unjust enrichment. Tort law. Quantification.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Art. - Artigo

BGB - Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil alemão) BGH - Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça alemão) CC – Código Civil

CC/1916 – Código Civil brasileiro de 1916 CC/2002 – Código Civil brasileiro de 2002

CDADC - Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos português CE – Comunidade Europeia

CPI - Código de Propriedade Industrial português CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil LPI - Lei de Propriedade Industrial brasileira

MarkenG - Lei alemã de proteção aos direitos de marca comercial e conexos

PatG – Patentgesetz (Lei alemã relativa aos direitos de patente) RG - Reichsgerich (Corte Imperial de Justiça alemã)

STJ - Superior Tribunal de Justiça

TRIPs - Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio)

TS – Tribunal Supremo espanhol

UrhG – Urheberrechtsgesetz (Lei alemã relativa aos direitos autorais e conexos)

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 19

2 O TRATAMENTO CONFERIDO AO LUCRO DA INTERVENÇÃO NO DIREITO ESTRANGEIRO ... 27

2.1 A INTERVENÇÃO NOS DIREITOS SUBJETIVOS ALHEIOS E AS CONSIDERAÇÕES INICIAIS PARA O ENQUADRAMENTO DOGMÁTICO DO LUCRO DA INTERVENÇÃO ... 28

2.2.1 Os desdobramentos do instituto do enriquecimento sem causa no direito alienígena... 38

2.2 A POSIÇÃO ADOTADA NO DIREITO ALIENÍGENA ... 50

2.2.1 Alemanha ... 51

2.2.2 Portugal ... 61

2.2.3 Espanha ... 70

2.3 A TENDÊNCIA À INCORPORAÇÃO DO LUCRO DA INTERVENÇÃO NO ÂMBITO DA QUANTIFICAÇÃO DAS INDENIZAÇÕES ... 78

2.3.1 A solução da Comunidade Europeia em casos de intervenção em direitos de propriedade intelectual ... 82

2.3.1.1 A transposição ao direito alemão ... 87

3.2 2.3.1.2 A transposição ao direito português ... 92

2.3.1.3 A transposição ao direito espanhol ... 97

2.3.2 A violação aos direitos de personalidade ... 101

3 O ENQUADRAMENTO DOGMÁTICO DO LUCRO DA INTERVENÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ... 109

3.1 A CONFIGURAÇÃO DO INSTITUTO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA NO DIREITO BRASILEIRO ... 113

3.1.1 Os pressupostos para configuração da pretensão de enriquecimento sem causa ... 120

3.1.2 Os limites da pretensão de enriquecimento sem causa. 127 3.1.3 Os casos de publicação não autorizada da imagem alheia... ... 130

3.2 A TESE DE APLICAÇÃO DE UMA PENA PRIVADA OU DE INDENIZAÇÕES PUNITIVAS PARA AS HIPÓTESES DE LUCRO DA INTERVENÇÃO NO BRASIL ... 138

3.2.1 O artigo 210 da Lei de Propriedade Industrial... 146

3.3 A CORRETA ABORDAGEM DO LUCRO DA INTERVENÇÃO NO BRASIL ... 152

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3.3.1 O lucro da intervenção como produto do enriquecimento sem causa... 152 3.3.1.1 A subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa e a possibilidade de cumulação das pretensões restituitória e indenizatória ... 157 3.3.2 O lucro da intervenção e a jurisprudência nacional .... 160 4 A QUANTIFICAÇÃO DO LUCRO DA INTERVENÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ... 167 4.1 A MANIFESTAÇÃO DA DOUTRINA ACERCA DO OBJETO A SER RESTITUÍDO ... 167 4.2 O CONTEÚDO DE DESTINAÇÃO ... 176 4.2.1 A impossibilidade de aplicação da teoria do duplo limite ... 186 4.3 PARÂMETROS PARA QUANTIFICAÇÃO DAS VANTAGENS ECONÔMICAS NA CLASSIFICAÇÃO DA CONDICTIO POR INTERVENÇÃO... 194 4.3.1 A vantagem econômica e a poupança de despesas como enriquecimento ... 195 4.3.2 A concepção “real” e “patrimonial” de enriquecimento 197 4.3.2.1 O lucro líquido do interventor... 205 4.3.3 A relevância da boa-fé e da má-fé do interventor... 207 4.3.4 Os fatos concorrentes para a produção do lucro da intervenção... 220 4.4 CRITÉRIOS ESPECÍFICOS DE QUANTIFICAÇÃO DO LUCRO DA INTERVENÇÃO DE ACORDO COM O DIREITO SUBJETIVO VIOLADO... 227 4.4.1 As intervenções nos direitos autorais... 227 4.4.2 As intervenções nos direitos de personalidade... 233 4.4.3 As intervenções nos direitos de propriedade industrial. 241 5 CONCLUSÃO ... 245 REFERÊNCIAS ... 253

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1 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, chamam a atenção da doutrina nacional as situações nas quais um determinado agente aufere lucros a partir da exploração ou aproveitamento, intencional ou não, de forma não autorizada, de bens ou direitos alheios1. É a empresa que usa sem

autorização a imagem ou o nome de pessoa pública, seja um ator, um compositor ou um atleta famoso, para comercialização de um determinado produto; o editor que publica uma obra literária sem o consentimento do autor; o jóquei que utiliza o cavalo de corrida de outrem para ganhar uma premiação; a empresa que utiliza de práticas de concorrência desleal para ganhar o mercado de consumo; ou a pessoa que aluga para terceiros a casa de praia de seu vizinho por todo o verão.

A doutrina civilista nacional, em uma concepção genérica, vem utilizando a expressão lucro da intervenção para denominar justamente estes lucros auferidos a partir da ingerência nos direitos subjetivos alheios2. Nas palavras de Sérgio Savi, “o lucro da intervenção significa o

lucro obtido por aquele que, sem autorização, interfere nos direitos ou bens jurídicos de outra pessoa e que decorre justamente desta intervenção”3.

1 KONDER, Carlos Nelson. Dificuldades de uma abordagem unitária do lucro da intervenção. In: Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 13. ano 4., 2017, p. 233.

2 Na definição de Miguel Reale, um direito subjetivo compreende a “possiblidade de exigir-se, de maneira garantida, aquilo que as normas de direito atribuem a alguém como próprio” (REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. 5 tir. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 260).

3 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil e enriquecimento sem causa: o lucro da intervenção. São Paulo: Atlas, 2012, p. 7. Registra-se que Sérgio Savi foi o autor da primeira obra destinada em sua inteireza ao estudo do lucro da intervenção no direito brasileiro. Anteriormente, é possível verificar reflexões sobre o tema em estudos destinados ao instituto do enriquecimento sem causa, mesmo que tímidas páginas: NORONHA, Fernando. Enriquecimento sem causa. In: Revista de Direito Civil, Agrário e Empresarial, v. 15, nº 56, p. 51-78, abr./jun., 1991, p. 64; KROETZ, Maria Candida do Amaral. Enriquecimento sem causa no direito civil brasileiro contemporâneo e recomposição patrimonial. Tese de doutoramento. Curitiba: UFPR, 2005, p. 158 e ss.; MICHELON JR., Claudio. Direito restitutório: enriquecimento sem causa, pagamento indevido, gestão de negócios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 237 e ss.; HILDEBRAND, Lucas Fajardo Nunes. Pressupostos da obrigação de restituir o enriquecimento sem causa no Código Civil brasileiro. Dissertação Mestrado. São Paulo: USP, 2010, p. 51 e ss.; e GUEDES, Gisela Sampaio da

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O termo lucro da intervenção vem sendo utilizado, assim, para denominar os lucros, os ganhos, que o agente interventor adquiriu a partir da intervenção, mas que, no entender desta pesquisa, estão além daquela concepção clássica de enriquecimento que compreende os valores que normalmente seriam contratados pelas partes para utilização ou consumo daquele direito, que há décadas é tutelada no ordenamento jurídico brasileiro. Por exemplo, se um determinado sujeito invade um terreno alheio para a colocação de um outdoor, independentemente de qualquer lucro auferido pelo agente interventor, a doutrina e a jurisprudência nacionais reconhecem a possibilidade de restituição dos valores que normalmente seriam desembolsados com os alugueres do terreno4.

A tese da doutrina nacional é de que o titular do direito subjetivo violado tem a pretensão de exigir os lucros que o interventor obteve a partir do uso, consumo, fruição ou alienação5 do direito que lhe pertence,

recaindo sobre a temática no direito brasileiro, desta forma, a seguinte pergunta: com qual fundamento e em que medida o lucro da intervenção deve ser transferido para o patrimônio do titular do direito violado6.

Cruz. Lucros Cessantes, do bom senso ou postulado normativo da razoabilidade. São Paulo, RT, 2011, p. 193 e ss.

4 Em se tratando do uso sem autorização da imagem de uma atriz famosa para a divulgação de um determinado produto, independentemente dos lucros auferidos com a venda do produto durante o período da intervenção, é importante destacar, desde logo, que a jurisprudência pátria há muito consolidou que a tutela recai para o instituto da responsabilidade civil nestes casos. Assim sendo, os valores do cachê normalmente contratado seriam indenizados como danos patrimoniais. No entanto, em que pese este posicionamento, como veremos ao longo deste trabalho, estar consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, adianta-se que serão realizadas críticas ao posicionamento adotado pela jurisprudência nacional. 5 As hipóteses elencadas não são as únicas formas possíveis de intervenções em bens ou direitos alheios, porém, como lembra Pereira Coelho, “é sobretudo ai que a intervenção traz ao interventor uma vantagem patrimonial” (PEREIRA COELHO, Francisco Manuel. O enriquecimento e o dano. Coimbra: Almedina, 1970, p. 5).

6 KROETZ, Maria Candida do Amaral, 2005, p. 158 e ss.; ANDRADE, André Gustavo Correia de. Dano moral e indenização punitiva: os punitive damages na experiência do common law e na perspectiva do direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 261 e ss.; HILDEBRAND, Lucas Fajardo Nunes, 2010, p. 155 e ss.; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz, 2011, p. 198 e ss.; SAVI, Sérgio, 2012, p. 9 e ss.; ROSENVALD, Nelson. As funções da responsabilidade civil: a reparação e a pena civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 100 e ss.;TERRA, Aline de Miranda Valverde; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. Considerações acerca da exclusão do lucro ilícito do patrimônio do agente ofensor. In: Revista da

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O relativo ineditismo da pretensão traz consigo, contudo, a dificuldade de enquadrá-la em algum dos institutos de Direito Civil reconhecidos na leitura do ordenamento pátrio. Na literatura nacional, é possível identificar parcas, mas valiosas reflexões sobre a temática e, ao mesmo tempo, verificar que os doutrinadores, em sua maioria, defendem o enquadramento do lucro da intervenção no instituto do enriquecimento sem causa, outros que advogam que a solução do problema se dá pela aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, com o reconhecimento de uma pena privada específica, e outros, ainda, que entendem pela impossibilidade de uma abordagem unitária da pretensão. A tarefa torna-se ainda mais complexa ao analisar a quantificação do lucro da intervenção, ou seja, do numerário a ser devolvido ao titular do direito em cada caso de intervenção.

Os tribunais brasileiros, por sua vez, não haviam se manifestado sobre o que a doutrina nacional vem denominando de lucro da intervenção até o recente caso da atriz Giovanna Antonelli, que ingressou com uma demanda judicial diante do uso, não autorizado, de sua imagem e deu seu nome para a comercialização de um dos produtos da empresa interventora, Dermo Formulações Farmácia de Manipulação Ltda. Além da pretensão indenizatória7, a atriz requereu a restituição do lucro da

Faculdade de Direito. UERJ, Rio de Janeiro, n. 28, dez, 2015, p. 2 e ss.; LINS, Thiago. O lucro da intervenção e o direito à imagem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 10 e ss; COHEN, Fernanda; SAAB, Rachel. Parâmetros de quantificação do lucro da intervenção. In: MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo (Org.). Problemas de responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Revan, 2016, pp. 119-148; KONDER, Carlos Nelson, 2017, p. 233 e ss.; SCHREIBER, Anderson; GUIA SILVA, Rodrigo da. Lucro da Intervenção: perspectivas de qualificação e quantificação. In: Direito Civil: Estudos - Coletânea do XV Encontro dos Grupos de Pesquisa - IBDCIVIL. São Paulo: Blucher, pp. 175-206, 2018, p. 181 e ss.; GUIA SILVA, Rodrigo da. Enriquecimento sem causa: as obrigações restituitórias no Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 300 e ss..

7 Seguindo o entendimento da jurisprudência pátria, a pretensão indenizatória da demanda abarcava os danos imateriais, bem como os danos patrimoniais calculados com base nos valores que normalmente seriam estipulados, ou contratados, pelas partes para a realização do trabalho. Além disso, observa-se que nos demais casos envolvendo o uso não autorizado da imagem de uma atriz, ou de qualquer outra pessoa famosa ou de grande popularidade, não houve qualquer condenação para restituição dos lucros da intervenção, nem mesmo restou possível localizar uma pretensão por parte do titular do direito nesse sentido. Todas as decisões analisadas durante esta pesquisa se limitam ao pedido

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intervenção, sendo, seu pedido, traduzido nos lucros, ou ganhos, que a empresa interventora obteve a partir da venda do produto, no período em que foi comercializado e associado ao nome e à imagem da atriz.

A manifestação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) restou, em apertada síntese, no sentido de reconhecer a pretensão da atriz e determinar a restituição dos lucros da intervenção, ou seja, “daquilo que é auferido mediante indevida interferência nos direitos ou bens jurídicos de outra pessoa”8, por meio do instituto do enriquecimento sem causa,

aderindo à tese de parte da doutrina nacional que se dedicou ao estudo do tema. Todavia, o próprio tribunal faz certas ressalvas, principalmente no que tange à quantificação9.

Evidentemente, nas concepções clássicas da doutrina brasileira, o lucro da intervenção, tal qual defendido atualmente na literatura e na recente jurisprudência nacionais, não seria restituído, pois, até então, a pretensão de enriquecimento sem causa estaria limitada aos valores que seriam estabelecidos pelas partes para a realização da campanha publicitária, isto é, os valores do cachê da atriz, considerando o porte da campanha publicitária, a escala de divulgação e os valores do cachê cobrados pela atriz em trabalhos semelhantes.

A presente pesquisa, apresentada como trabalho de conclusão do Curso de Mestrado ofertado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, objetiva exatamente aprofundar o estudo sobre o que a doutrina nacional denominou de lucro da intervenção, analisando as possibilidades para o seu enquadramento e a sua quantificação no direito nacional, bem como investigar qual o tratamento jurídico conferido às situações de intervenção nos direitos subjetivos alheios pelos ordenamentos de tradição jurídica romano-germânica10, especialmente, Alemanha, Portugal e Espanha, onde a

e a condenação de indenização por danos imateriais e patrimoniais, estes últimos trazidos nos valores de cachê normalmente acordados entre as partes.

8 Frase extraída do voto da lavra do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (BRASIL, STJ. Terceira Turma. REsp 1698701/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Brasília, 02 de outubro de 2018).

9 BRASIL, TJ/RJ. Décima Terceira Câmara Cível. Ap. 0008927-17.2014.8.19.0209. Rel. Des. Fernando Fernandy Fernandes. Rio de Janeiro, 16 de outubro de 2016; e BRASIL, STJ. Terceira Turma. REsp 1698701/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Brasília, 02 de outubro de 2018. Anota-se que os acórdãos citados serão analisados ao longo desta pesquisa.

10 René David identifica que a “família romano-germânica” agrupa os países nos quais a ciência do direito se formou sobre a base do Direito Romano. Tem seu berço no continente europeu, que influenciou a formação de outros ordenamentos

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doutrina e a jurisprudência há muito identificaram a complexidade do tema analisado.

O estudo do direito estrangeiro poderá servir, ademais, de importante lente de inspiração para, resguardadas as particularidades do ordenamento jurídico brasileiro, a formação do enquadramento dogmático das vantagens econômicas auferidas por aquele que intervém, sem autorização, nos direitos subjetivos alheios, e proporcionar uma sugestão consistente para a incipiente jurisprudência nacional quanto à quantificação destes valores.

Como corolário lógico, serão apresentados, para o desenvolvimento desta pesquisa, três capítulos, que definirão, a partir do método de abordagem dedutivo, a perspectiva do direito estrangeiro, o enquadramento dogmático e a quantificação dos lucros da intervenção.

O primeiro capítulo cuidará, desta forma, de analisar a problemática que envolve as intervenções nos direitos subjetivos alheios e o tratamento conferido no direito estrangeiro quanto ao lucro da intervenção, considerando também a natureza do direito subjetivo violado: os direitos reais, os direitos de personalidade e os direitos de propriedade intelectual.

No segundo capítulo, por sua vez, analisar-se-á o desenvolvimento doutrinário da problemática no direito brasileiro e, a partir de então, traça-se o enquadramento dogmático do lucro da intervenção no ordenamento jurídico pátrio: se compreendido pela teoria geral da responsabilidade civil ou pelo instituto do enriquecimento sem causa. Não sendo descartada, ainda, a impossibilidade de uma abordagem unitária dos lucros da intervenção.

Após percorridos os caminhos para o enquadramento dogmático do lucro da intervenção, no terceiro capítulo serão traçadas as possibilidades de devolução dos valores auferidos pelo agente interventor. Passa-se, em seguida, a analisar os critérios gerais para a quantificação das vantagens econômicas auferidas pelo interventor e delimitar outros, agora específicos ao lucro da intervenção, considerando, entre outras observações, o direito subjetivo violado e as disposições legislativas nacionais pertinentes ao tema.

No entanto, antes de ingressar na análise proposta, é importante destacar que o termo lucro da intervenção, como concebido pela doutrina nacional e, aparentemente, aceito pela jurisprudência pátria, será nesta pesquisa empregado nos termos consolidados no direito nacional, ou seja,

jurídicos, como é o caso do Brasil. (DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 23).

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como os lucros apurados pelo incremento no valor presente do patrimônio do agente a partir do ato da intervenção. O conceito de lucro é, neste sentido, entendido, à luz das Ciências Contábeis e das Ciências Econômicas, como a “[...] recompensa e a motivação para a instalação e continuidade de um empreendimento na sociedade capitalista”11,

diferentemente na concepção clássica de enriquecimento tratada nas Ciências Jurídicas, que compreende, como visto, os valores que seriam acordado entre as partes para a realização daquele trabalho ou para o uso, consumo e fruição de um determinado bem ou direito. A concepção clássica de enriquecimento, assim, será tratada, ao longo desta pesquisa, como valores de mercado1213. E, finalmente, as vantagens econômicas

provenientes da intervenção em uma concepção ampla e genérica, que compreende os valores de mercado e o lucro da intervenção, serão denominadas, simplesmente, de vantagens econômicas ou vantagens patrimoniais.

Na tentativa de ilustrar essa diferenciação, retoma-se o exemplo clássico da colocação de um outdoor, sem autorização, no terreno de outrem. As despesas poupadas com o aluguel do terreno, como analisado anteriormente, caracterizam um enriquecimento do interventor, diante da simples poupança de despesas, que, nesta pesquisa, serão denominadas de valores de mercado. Por outro lado, se o agente interventor, além de poupar os alugueres, locou o outdoor durante todos os meses da intervenção e, a partir de seu empreendimento, auferiu lucros, estes são denominados lucros da intervenção.

Percebe-se que um termo é totalmente independente do outro, pois a simples poupança dos alugueres caracteriza uma vantagem econômica ao interventor, mas não quer dizer que obteve lucros, que só serão auferidos a partir do sucesso das locações do outdoor, descontados os eventuais gastos e despesas da atividade empreendedora.

11 FUJI, Alessandra Hirano. O conceito de lucro econômico no âmbito da contabilidade aplicada. In: Revista Contabilidade & Finanças, v. 15, n. 36, pp. 74-86, 2004, p. 76.

12 Voltando ao exemplo da colocação de um outdoor no terreno alheio, os valores de mercado corresponderiam aquele montante pecuniário que normalmente seria estipulado pelas partes (locador e locatário), considerando a localidade do terreno, sua extensão, o mercado de aluguéis, entre outros fatores, para a locação do terreno, por meio de um instrumento contratual, para colocação do outdoor durante um determinado período.

13 O termo “valores de mercado” é uma opção desta pesquisa, considerando a dinâmica do ordenamento jurídico brasileiro, mas também poderia ter sido empregado o termo “valores de destinação” sem qualquer alteração.

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Essa diferenciação torna-se importante para a facilitação do leitor, pois, em regra, nos direitos alemão e português as vantagens econômicas que determinado agente recebe a partir do uso, consumo, fruição ou alienação, de direitos ou bens jurídicos alheios, sem autorização, em um sentido amplo e genérico, são reconhecidas por lucro da intervenção ou, na língua mãe dos países apontados, eingriffserwerb para os alemães e lucro por intervenção para os portugueses. Somente entre os espanhóis que esta separação terminológica ocorre como no direito pátrio, o termo lucro da intervenção, em espanhol ganancias obtenidas por el infractor, denominam apenas os lucros auferidos pelo agente interventor.

Considerando a proposta do presente estudo, finalmente, a pesquisa, essencialmente bibliográfica, restou realizada a partir de consultas a fontes primárias e secundárias, abarcando a doutrina nacional e a estrangeira – incluindo, mas não limitado, artigos científicos, livros, dissertações e teses –, e da análise de casos concretos, disponíveis em repertórios dos tribunais brasileiros e estrangeiros. Diante da clareza e da riqueza da abordagem realizada pelos autores portugueses Francisco Manuel Pereira Coelho e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, optou-se por utilizar as obras dos autores como marcos teóricos, respectivamente: O enriquecimento e o dano e O enriquecimento sem causa no direito civil: estudo dogmático sobre a viabilidade da configuração unitária do instituto face à contraposição entre as diferentes categorias de enriquecimento sem causa14. Por fim, aderiu-se

ao sistema de citação através de notas de rodapé, padronizado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), conforme o projeto NBR 10520-2002, mas visando facilitar a contextualização do leitor e a limpeza textual, optou-se por utilizar notas de referências (que indicam as fontes consultadas para a construção da presente pesquisa) e notas explicativas (utilizadas para comentários ou esclarecimentos).

14 PEREIRA COELHO, Francisco Manuel. O enriquecimento e o dano. Coimbra: Almedina, 1970; e MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de. O enriquecimento sem causa no direito civil: estudo dogmático sobre a viabilidade da configuração unitária do instituto face à contraposição entre as diferentes categorias de enriquecimento sem causa. Coimbra: Almedina, 2005.

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2 O TRATAMENTO CONFERIDO AO LUCRO DA INTERVENÇÃO NO DIREITO ESTRANGEIRO

O trabalho pioneiro sobre a temática do lucro da intervenção no direito português, desenvolvido pelo jurista Francisco Manuel Pereira Coelho15, recebeu especial atenção da doutrina nacional para análise do

enquadramento dogmático e da quantificação destas vantagens econômicas no ordenamento jurídico pátrio.

A obra representa, em essência, uma tentativa de sistematização geral da problemática que envolve o lucro da intervenção, buscando situar o seu lugar a partir de uma reflexão sobre o enriquecimento e o dano, relevantes tanto para o instituto do enriquecimento sem causa16

quanto para a teoria da responsabilidade civil. Isto porque o ato de intervir nos direitos subjetivos alheios, para Pereira Coelho, “pode constituir ou não o interventor em uma obrigação de indenizar, pode causar ou não um dano ao titular do direito e, causando um dano, pode este ser igual, superior ou inferior ao enriquecimento do interventor17.

Nas palavras de Viera Gomes, a restituição do lucro da intervenção situa-se numa espécie de “terra-de-ninguém”, entre os institutos da responsabilidade civil e do enriquecimento sem causa, sendo sua

15 PEREIRA COELHO, Francisco Manuel. O enriquecimento e o dano. Coimbra: Almedina, 1970. Em Espanha é possível identificar como obra pioneira o trabalho de DÍEZ-PICAZO, Luis; DE LA CAMARA, Manuel. Dos estúdios sobre el enriquecimiento sin causa. Madrid: Civitas, 1988. Pereira Coelho, em sua obra, noticia ainda que a primeira doutrina sobre a temática foi lançada na Alemanha por Fritz Schulz, em 1909, System der Rechte auf den Eingriffserwerb, no Archiv für die civilistische Praxis, e na Itália o lucro da intervenção ganhou destaque com: SACCO, Rodolfo. L’arricchimento ottenuto mediante fatto ingiusto: contributo alla teoria della responsabilità extracontrattuale. Torino: Utet, 1959 (Op. cit, p. 12, n. 15).

16 Não há uma unanimidade na doutrina quanto à denominação do instituto jurídico. Alguns doutrinadores utilizam a expressão enriquecimento sem causa, outros enriquecimento injusto, outros, ainda, enriquecimento injustificado. A expressão consagrada no direito alemão é enriquecimento injustificado (Ungerechtfertigte Bereicherung). Nos países latinos, duas expressões são amplamente utilizadas: enriquecimento sem causa (enriquecimiento sin causa, enrichissement sans cause, arricchimento senza causa) e enriquecimento injusto (enriquecimiento injusto, enrichissement injustifié, arricchimento ingiusto). Neste trabalho, por sua vez, utilizar-se-á enriquecimento sem causa, expressão largamente aceita e conhecida no ordenamento jurídico brasileiro.

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localização condicionada, necessariamente, a compreensão inicial de cada instituto e dos seus respectivos pressupostos e funções18.

A questão que se coloca, desta forma, é a de saber qual instituto jurídico seria apto a dar fundamento à pretensão do titular do direito de exigir os lucros da intervenção, analisando-se, neste primeiro momento, o próprio ato de intervenção, para, posteriormente, verificar o enquadramento do lucro da intervenção no ordenamento jurídico pátrio19.

2.1 A INTERVENÇÃO NOS DIREITOS SUBJETIVOS ALHEIOS E AS CONSIDERAÇÕES INICIAIS PARA O ENQUADRAMENTO DOGMÁTICO DO LUCRO DA INTERVENÇÃO

A intervenção de um sujeito nos direitos subjetivos alheios, seja qual for sua natureza, pode resultar três situações diversas: o agente pode intervir em direitos alheios auferindo lucros e causando danos ao titular destes direitos, porém estes lucros são iguais ou inferiores aos danos causados; a intervenção pode gerar tanto um lucro quanto um dano, só que agora a vantagem patrimonial excede o dano causado; ou, finalmente, a intervenção pode não causar um dano ao titular do direito, apenas um enriquecimento ao agente interventor20.

A partir das hipóteses elencadas, a reflexão sobre o lucro da intervenção, proposta por Pereira Coelho e seguida por grande parte da doutrina nacional, está ligada às noções essenciais dos institutos da responsabilidade civil e do enriquecimento sem causa, bem como o lugar que o enriquecimento e o dano possuem, em cada um dos institutos21.

A responsabilidade civil e o enriquecimento sem causa estão inseridos no ramo do Direito Civil, na área dita patológica do Direito das

18 VIEIRA GOMES, Júlio Manuel. O conceito de enriquecimento, o enriquecimento forçado e os vários paradigmas do enriquecimento sem causa. Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1998, p. 792.

19 Lembrando que alguns doutrinadores dissertam sobre a impossibilidade de uma abordagem unitária do lucro da intervenção. Nesse sentido, cita-se: KONDER, Carlos Nelson., 2017, p. 243; e TERRA, Aline de Miranda Valverde; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz, 2015, p. 10.

20 PEREIRA COELHO, Francisco Manuel, 1970, pp. 8-10.

21 PEREIRA COELHO, Francisco Manuel, 1970, p. 13. Entre os brasileiros, cita-se: KROETZ, Maria Candida do Amaral, 2005, p. 158 e ss.; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz, 2011, p. 193 e ss.; SAVI, Sérgio, 2012, p. 7 e ss.;TERRA, Aline de Miranda Valverde; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz, 2015, p. 3 e ss; LINS, Thiago, 2016, p. 20 e ss.; KONDER, Carlos Nelson., 2017, p. 233 e ss.; SCHREIBER, Anderson; GUIA SILVA, Rodrigo da, 2018, p. 181 e ss.

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Obrigações. A unidade do Direito das Obrigações é fornecida não a partir de uma semelhança funcional ou material entre as relações da vida que regula, mas sim das consequências jurídicas geradas a partir de uma relação obrigacional. Por esse motivo, o Direito das Obrigações abrange matérias sujeitas a campos distintos, as quais são unificadas diante do conceito geral de obrigação22.

Segundo Fernando Noronha23, o Direito das Obrigações “é

fundamentalmente, embora não exclusivamente, o ramo do direito que se ocupa das transferências de bens entre as pessoas”, mas as obrigações se dividem conforme a natureza e os interesses envolvidos.

A constituição do vínculo obrigacional, as categorias de fatos jurídicos que podem produzir a constituição deste vínculo, são denominadas na doutrina de Fontes das Obrigações. A classificação destas fontes nos países de origem de tradição jurídica romano-germânica, no entanto, tem ocupado os doutrinadores durante décadas24.

Em busca de uma doutrina idônea a apresentar as fontes do Direito Obrigacional, na sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, remete-se aos ensinamentos de Fernando Noronha. O autor apreremete-senta a tripartição das obrigações segundo os interesses tutelados:

Se o interesse do credor, tutelado em cada obrigação, é suscetível de variações infinitas, ele poderá ser sempre classificado em uma das seguintes três categorias: a) interesse na realização das expectativas nascidas de compromissos assumidos por outra pessoa (devedor) em negócio jurídico, seja contrato (compra e venda, locação, transporte, etc.), seja negócio unilateral (promessa

22 MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de. Direito das Obrigações. Vol. 1. Introdução. Da constituição das obrigações. 15. ed. Coimbra: Almedina, 2018, p. 14. Fernando Noronha, ainda, na tentativa de definir o conceito de obrigações, no sentido técnico, dispõe que, a mais simples e ainda a melhor, está ligada a noção de relação jurídica. “Uma relação jurídica é um vínculo que, nas situações que envolvem duas ou mais pessoas, atribui a umas e outras poderes e deveres juridicamente exigíveis, com vista à realização de determinadas finalidades. Por esta via, podemos dizer que obrigação é a relação jurídica em que uma pessoa (ou mais de uma) pode exigir de outra (ou de outras) uma prestação que satisfaz um interesse da primeira (ou das primeiras).” (NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2013, pp. 28-29).

23 NORONHA, Fernando, 2013, p. 40.

24 Para maiores esclarecimentos, ver: MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de, 2018, pp. 175-177.

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pública de recompensa, subscrição de título de crédito, etc.); b) interesse na reparação de danos causados por conduta antijurídica, ainda que não necessariamente ilícita, de outrem (devedor), que represente violação de deveres gerais de não causar danos (de neminem leadere, não lesar ninguém, ou como também se diz, de alterum non leaderem não lesar outrem); c) interesse na reversão para o patrimônio de alguém (credor) de acréscimos acontecidos no patrimônio de outrem (devedor), quando de direito deveriam pertencer àquele25. O ordenamento jurídico estabelece regulamentações distintas para as obrigações que visam tutelar essas três categorias de interesses - obrigações negociais, obrigações de responsabilidade civil e obrigações de enriquecimento sem causa -, pois têm causas e finalidades diversas26.

Contudo, é possível identificar um elo comum entre os institutos traduzido na necessidade de restauração de um equilíbrio rompido.

No confronto entre a responsabilidade civil e o enriquecimento sem causa, institutos objeto de análise, Pereira Coelho27 entende que,

25 NORONHA, Fernando, 2013, p. 41 (grifos do autor).

26 NORONHA, Fernando, 2013, p. 41. A presente pesquisa limita-se ao estudo da problemática que envolve o que se denomina de lucro da intervenção, assim não serão analisados todas as peculiaridades e controvérsias que abarcam estas três categorias apresentadas. Serão analisados apenas os necessários contornos entre os institutos da responsabilidade civil e do enriquecimento sem causa, ou ainda aqueles requisitos diretamente relacionados com a temática. Quanto às obrigações negociais, como bem disserta Konder: “claramente, essa não é a fonte aplicável, pois todas as formas de lucro da intervenção são marcadas pela ausência de consentimento do titular do direito e, portanto, impossível inferir, em qualquer delas, um acordo de vontades” (KONDER, Carlos Nelson, 2017., p. 236), portanto, não são objeto de análise deste estudo. No mesmo sentido, Schreiber e Guia Silva colocam que “de pronto, afasta-se o lucro da intervenção das obrigações de fonte negocial, vez que a matéria tem como pressuposto lógico a intromissão não autorizada (i.e., sem qualquer liame causal com negócio jurídico prévio) em bens ou direitos alheios.” (SCHREIBER, Anderson; GUIA SILVA, Rodrigo da, 2018, p. 181).

27 PEREIRA COELHO, Francisco Manuel, 1970, p. 22 (grifos do autor). Vieira Gomes discorre que “a restituição do obtido e a reparação de um dano são, muitas vezes, verso e reverso da mesma medalha” (VIEIRA GOMES, Júlo Manuel. 1998, p. 255). Gisela Guedes, por sua vez, disserta que é preciso reconhecer, ainda que minimamente, certa similitude entre os institutos, pois

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embora tratam-se de técnicas distintas, existe uma ideia comum entre os institutos. Em essência, o enriquecimento ou o dano não devem permanecer no patrimônio de quem, respectivamente, o faz ou o sofre, e os institutos operam, consequentemente, no sentido de “corrigir a distribuição natural da riqueza ou, se quisermos, a redistribuição, segundo exigências de justiça”.

Pereira Coelho reconhece que os institutos da responsabilidade civil e do enriquecimento sem causa são distintos, principalmente pela proteção dos direitos e bens a que se destinam. A responsabilidade civil visa remover o dano do patrimônio da vítima transferindo para o patrimônio do ofensor e o enriquecimento sem causa trata de remover o enriquecimento do patrimônio do ofensor e devolver ao titular do direito, mas defende que, em algumas situações, a responsabilidade civil pode promover, de forma indireta e eventual, a remoção de um enriquecimento, e, em outros, a remoção de danos, mesmo que indiretamente, pode ocorrer na via do instituto do enriquecimento sem causa28.

Nas palavras do autor:

[...] pode dizer-se que a responsabilidade civil visa a remover o dano; a remoção do enriquecimento é indirecta e eventual. O que provoca aqui uma reacção da lei é a perda ou diminuição verificada no património de A (lesado) e não o possível aumento ou vantagem advindo ao património de B (lesante). É aquele dano de A que a lei pretende remover, transferindo-o do património de A para o de B. E o que justifica tal transferência não é o eventual enriquecimento de B, senão a acção ilícita deste; por via de tal acção ilícita se estabelece a ligação ou contacto entre a perda de A e a esfera jurídica de B, e se legitima que seja este a suportar aquela perda. O possível enriquecimento do lesante é em princípio indiferente à lei. [...] E se, eventualmente, a acção de B o enriqueceu, a remoção desse enriquecimento é indirecta – resulta por tabela da remoção do dano. Obrigando a lei B a dar a A o que está a menos no património deste, nessa medida obriga a sair do património de B alguma coisa do que aí está a mais.

ambos visam a repor o equilíbrio que se rompeu e assim se encontram ligados pela ideia geral de reparação (GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz, 2011, p. 207). 28 PEREIRA COELHO, Francisco Manuel, 1970, pp. 23-25.

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Pelo contrário, o enriquecimento sem causa visa a remover o enriquecimento; a remoção do dano é indirecta e eventual. O que provoca aqui uma reacção da lei é a vantagem ou aumento injustificado do património de A (enriquecido) e não a possível perda ou diminuição verificada no património de B (empobrecido). [...] O dano do empobrecido é em princípio indiferente à lei. Pode ele mesmo não ter sofrido dano nenhum (se a acção do enriquecido apenas criou, mas não destruiu riqueza), como frequentes vezes acontece. E se, eventualmente, a acção de A prejudicou B, a remoção deste prejuízo é indirecta – resulta por tabela da remoção do enriquecimento. Obrigando a lei A a dar a B o que está a mais no seu património, nessa medida faz entrar no património de B alguma coisa do que aí esteja a menos29.

A partir dessas afirmativas, acrescenta Pereira Coelho, que se a ingerência em bens jurídicos alheios “causa um dano ao titular do direito, mas as vantagens patrimoniais auferidas ficam aquém desse dano, a questão não oferece dificuldades”30.

Se a ingerência é culposa e resulta, além de uma vantagem ao interventor, em um dano ao titular do direito, e as vantagens patrimoniais auferidas são iguais ou inferiores a este dano, defende Pereira Coelho que o instituto da responsabilidade civil resolveria a problemática e seria apta para promover a transferência dos lucros da intervenção31.

A ilustrar, pensa-se na seguinte situação: um determinado grupo de amigos resolveu utilizar um galpão alheio para promover uma festa de final de ano e, assim, cobrou de cada convidado um valor x para entrar no evento, além da consumação no local. Ao final da festividade, este grupo de amigos percebeu que obteve certo lucro com a promoção do evento, porém o galpão ficou deteriorado e estes lucros não seriam suficientes para cobrir o prejuízo gerado ao proprietário deste imóvel, além do próprio aluguel do espaço32.

29 PEREIRA COELHO, Francisco Manuel, 1970, pp. 24-26.

30 PEREIRA COELHO, Francisco Manuel, 1970, p. 8 (grifos do autor). 31 PEREIRA COELHO, Francisco Manuel, 1970, p. 8.

32 Exemplo extraído, com pequenas alterações, de KONDER, Carlos Nelson, 2017, p. 234. Destaca-se que os valores a serem despendidos com o aluguel do galpão, ou seja, os valores de mercado, compreendem o método clássico de quantificação do enriquecimento sem causa e, como corolário, sempre serão

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Os lucros da intervenção auferidos pelos agentes interventores, que cientemente violaram um direito alheio, foram inferiores aos danos causados ao proprietário do imóvel e, portanto, o enriquecimento dos primeiros seria coberto pelo dano do segundo. Sustenta Pereira Coelho que, nessas hipóteses, os pressupostos da responsabilidade civil estão preenchidos33 e os interventores serão obrigados a indenizar os danos

ocasionados ao patrimônio da vítima e a remoção dos lucros da intervenção dar-se-á de forma indireta pela teoria geral da responsabilidade civil, recompondo o equilíbrio jurídico que se rompeu34.

Se a intervenção não é culposa e, assim, não constitui o interventor em uma obrigação de indenizar, o instituto do enriquecimento sem causa definiria a problemática35.

Nas duas hipóteses narradas, as soluções para a problemática do lucro da intervenção acham-se, pois, abarcadas pelos institutos da responsabilidade civil e do enriquecimento sem causa, considerando assim suas finalidades e seus reflexos naturais36. Nas palavras de Sérgio

Savi, “das duas uma, ou será retirado do patrimônio do interventor como uma consequência indireta do pagamento da indenização ao titular do direito, fundada na responsabilidade civil, ou será objeto de restituição com base no enriquecimento sem causa” 37.

Por outro lado, se intervenção não causa danos ao titular do direito ou, causando danos, o proveito econômico do interventor excede aos

devidos. Isto porque não possuem qualquer relação com os eventuais danos provocados com a intervenção no patrimônio alheio.

33 Em apertada síntese, são três os pressupostos da responsabilidade civil: o ato ilícito ou antijurídico, o dano e a existência do nexo de causalidade entre o ato e o evento danoso. Nos casos de responsabilidade civil subjetiva, é necessário ainda a comprovação de um quarto pressuposto: a culpa, compreendida como culpa em sentido estrito e o dolo. Para maiores esclarecimentos, ler: NORONHA, Fernando, 2013, pp. 491-514.

34 PEREIRA COELHO, Francisco Manuel, 1970, p. 8. O autor discorre que, em Portugal, não seria possível ao titular do direito requer a título de enriquecimento sem causa os lucros da intervenção, diante do reconhecimento legislativo da subsidiariedade do instituto em relação às demais fontes de Obrigações (Idem, nota 7). Adianta-se que o aspecto da subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa é controvertido na doutrina e, assim, será analisado na sequência desta pesquisa. Nesse momento, apenas busca-se introduzir a temática utilizando, assim, as anotações e reflexões do doutrinador português.

35 PEREIRA COELHO, Francisco Manuel, 1970, p. 9. 36 PEREIRA COELHO, Francisco Manuel, 1970, p. 10. 37 SAVI, Sérgio, 2012, p. 17.

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danos causados ao titular do direito, Pereira Coelho alega que a questão se torna obscura e difícil, pois

[...] nem o princípio da responsabilidade civil nem o do enriquecimento sem causa podem dar fundamento bastante à pretensão de o titular do direito exigir do interventor o enriquecimento que excede o dano, sendo certo, quanto ao primeiro princípio, que a obrigação de indemnizar se mede, dum modo geral, pelo dano causado, e, quanto ao segundo, que a obrigação de restituir o enriquecimento sem causa é, ao que se diz, duplamente limitada, pelo enriquecimento e pelo dano (teoria do duplo limite). E, assim, estando excluída a aplicação quer do primeiro quer do segundo princípio, o lucro excedente pertenceria definitivamente ao interventor, que não teria obrigação de o restituir ao titular do direito, a qualquer título38.

A doutrina tradicional defende inexistir lugar para o enriquecimento do lesante na responsabilidade civil, já o dano da vítima está no centro do instituto39. A relação jurídica em questão decorre, como

ensina Fernando Noronha, do princípio romano neminem laedere (do dever geral de não lesar ninguém) ou, como também é utilizado, do dever de alterum non laedere (não lesar outrem). Na acepção ampla, o instituto consiste em proteger a esfera jurídica de cada indivíduo através da reparação de quaisquer danos por outrem causados - danos à pessoa ou ao patrimônio -, tutelando, essencialmente, o interesse da vítima40.

A principal função da responsabilidade civil é, assim, a recuperação da situação em que a vítima estaria se o evento danoso não ocorresse, buscando a manutenção do status quo41. O dever de indenizar

38 PEREIRA COELHO, Francisco Manuel, 1970, pp. 10-12. 39 PEREIRA COELHO, Francisco Manuel, 1970, pp. 31 e 41. 40 NORONHA, Fernando, 2013, pp. 452-453.

41 Noronha, assim, aduz que “a finalidade que é fundamental à responsabilidade civil é a de reparar um dano: apagar o prejuízo econômico causado (indenização do dano patrimonial), minorar o sofrimento infligido (satisfação compensatória do dano moral puro) ou compensar pela ofensa à vida ou à integridade física de outrem, considerando em si mesma (satisfação compensatória do dano puramente corporal)” (NORONHA, Fernando, 2013, p. 460).

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tem como fato constitutivo a presença do dano e, como consequência, a indenização corresponde à integralidade dos prejuízos sofridos.

O instituto não tem como medida outros fatores, senão a extensão dos danos causados42. Esse entendimento, traduzido no princípio da

reparação integral dos prejuízos, restou acolhido, no ordenamento jurídico brasileiro, no artigo 944 do Código Civil de 2002 (CC/2002), estabelecendo que “a indenização mede-se pela extensão do dano”43.

Agostinho Alvim44, responsável pela elaboração do anteprojeto da

codificação, no que tange ao Direito das Obrigações, lembrava que “a lei não olha para o causador do prejuízo a fim de medir-lhe o grau de culpa, e, sim, para o dano, a fim de avaliar-lhe a extensão”. A plena reparação dos danos deve corresponder à totalidade dos prejuízos efetivamente sofridos pela vítima do evento danoso, não podendo, portanto, ultrapassá-los. Em outras palavras, os prejuízos constituem não apenas piso, mas também teto indenizatório45.

42 Há quem defenda, tanto na doutrina brasileira quanto na doutrina alienígena, a necessidade de superação do tradicional paradigma reparatório, pois, para esses doutrinadores, este paradigma tem-se mostrado ineficaz em determinadas hipóteses e assim deveria ser superado. Nesse sentido, cita-se: ANDRADE, André Gustavo Correia de, 2006, p. 234; VIEIRA GOMES, Júlio Manuel, 1998, pp. 736-737; GALLO, Paolo. Punitive Damages in Italy? Disponível em: <http://www.jus.unitn.it/cardozo/review/torts/gallo-1997/gallo.htm>. Acesso em 08 ago. 2017; ROSENVALD, Nelson, 2013, p. 100. Outros doutrinadores, a exemplo de Noronha, que mesmo defendendo o princípio da reparação integral dos prejuízos, reconhecem a ideia de censurabilidade da conduta tem alguns reflexos na obrigação de reparar os danos causados, aproximando, algumas vezes, a indenização de uma pena privada. Para esses autores, há alguns danos, como os danos puramente anímicos ou puramente corporais, em que a natureza exclusivamente indenizatória da responsabilidade civil não seria suficiente para justificar a reparação, defendendo a ideia de sanção através da responsabilidade civil (NORONHA, Fernando, 2013, p. 462).

43 O desenvolvimento do princípio da reparação integral ocorreu no direito francês a partir da norma do artigo 1.149 do Código Napoleônico (SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da Reparação Integral: indenização no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 49). O ordenamento português, no artigo 562 do Código Civil também positivou o princípio, ao dispor: “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. 44 ALVIM, Agostinho de Arruda. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 199.

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Desta forma, o instituto da responsabilidade civil não se interessa por saber se o lesante auferiu vantagens patrimoniais, ou não, a partir da ocorrência do evento danoso. Não terá, pois, o lesante que restituir o seu eventual enriquecimento decorrente do evento danoso ou, segundo Pereira Coelho, só terá que o restituir até o limite do dano, e como dano46.

É equivocado procurar restituir os lucros da intervenção, na interpretação de Pereira Coelho, como também de Sérgio Savi e de Thiago Lins, em âmbito da teoria geral da responsabilidade civil47.

Nenhuma vantagem econômica auferida pelo interventor que exceda os danos suportados pelo titular do direito, essa diferença a mais no patrimônio – valores de mercado e lucro da intervenção -, não poderá ser exigida segundo a obrigação de indenizar48.

A busca por tutelar a pretensão do titular do direito de exigir os lucros da intervenção recai, assim, para o enriquecimento sem causa.

Nas bases do instituto do enriquecimento sem causa, como o próprio nome já denuncia, encontra-se a ideia de que pessoa alguma pode locupletar-se injustificadamente à custa alheia49. As obrigações de

enriquecimento sem causa surgem quando alguém, sem qualquer título - seja um negócio jurídico, uma decisão judicial ou a letra da lei -, obtém uma vantagem a partir de um direito subjetivo de outrem50, e objetivam

tutelar o interesse deste à restituição das vantagens provenientes tanto do aproveitamento quanto da transferência de seus direitos subjetivos. Ao contrário da responsabilidade civil, o enriquecimento sem causa tem por

46 PEREIRA COELHO, Francisco Manuel, 1970, pp. 31-32.

47 PEREIRA COELHO, Francisco Manuel, 1970, pp. 37-40; SAVI, Sérgio, 2012, p. 46-49; LINS, Thiago, 2016, p. 28. Como será analisado, em casos específicos, a doutrina nacional e até mesmo a legislação aponta a possibilidade de devolução dos lucros da intervenção com base na responsabilidade civil.

48 PEREIRA COELHO, Francisco Manuel, 1970, p. 82.

49 ALMEIDA COSTA, Mario Júlio de. Noções Fundamentais de Direito Civil. 5 ed. Coimbra: Almedina, 2009, p. 85. Hugo Grótius sustenta que esta obrigação tem suas origens no direito natural, pois, com a divisão da propriedade entre os homens, a equidade passou a não permitir que um sujeito se enriqueça às custas de outro (GROTIUS, Hugo. Institutiones juris hollandice (e bélgico) in latinum sermonem translatae a Joanne Van der Linde. Haarlem, 1962 apud PICAZO, Luis. La doutrina del Enriquecimiento Injustificado. In: DÍEZ-PICAZO, Luis; DE LA CAMARA, Manuel, 1988, pp. 50-51).

50 Para Noronha, a obrigação de restituir a partir do instituto do enriquecimento sem causa “consiste no dever de remover aqueles bens que estejam num determinado patrimônio, mas que, pela geral ordenação jurídica dos bens, devam integrar um outro patrimônio” (NORONHA, Fernando. 1991, p. 52).

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função específica remover o enriquecimento de um determinado patrimônio (enriquecido), transferindo-o para outro patrimônio (supostamente empobrecido)51.

No entanto, poucas instituições do direito moderno tem sido objeto de tanta controvérsia como o enriquecimento sem causa52.

Apesar de poder identificar que a noção embrionária do enriquecimento sem causa, tal como é conhecido atualmente, tem suas origens no Direito Romano, quando as influências romanas chegaram nos distintos ordenamentos europeus, tomaram formas bem diversas nos países de origem germânica e nos países de origem latina. Enquanto França, Itália, Espanha e Portugal tardaram em reconhecer o instituto, os juristas alemães, mesmo antes da instituição do Código Civil alemão de 1900 (Bürgerliches Gesetzbuch – BGB), questionavam as soluções do Direito Civil referentes ao enriquecimento sem causa e se dedicaram ao estudo do Direito Romano53.

As raízes históricas do que designamos hoje por enriquecimento sem causa, efetivamente os desdobramentos no ordenamento jurídico alemão, revelam-se indispensável na tentativa de enquadrar a restituição do lucro da intervenção neste instituto jurídico. Isto porque só seria possível restituir as vantagens econômicas auferidas a partir da intromissão nos direitos subjetivos alheios, especialmente do lucro da intervenção, com a consolidação da teoria do conteúdo da destinação (Zuweisungsgehalt), adotando, essencialmente, uma das teorias desenvolvidas a partir de então na doutrina germânica54.

Consoante Pereira Coelho55, o enriquecimento, nos casos de

intervenção nos direitos alheios, será sem causa pelo simples fato de que a intervenção não foi autorizada e deu-se à custa do titular do direito, dado que a ele estava reservado, em face da teoria do conteúdo da

51 Cláudio Michelon Jr. dispõe que o instituto do enriquecimento sem causa possui como princípio fundamental a conservação estática dos patrimônios, “o valor dos bens e direitos atribuídos a alguém e dos bens e direitos gerados a partir desses bens e direitos já atribuídos deve permanecer, em princípio, no patrimônio desse alguém” (MICHELON JR., Claudio, 2007, p. 29).

52 GIL, Laura Zumaquero. El enriquecimiento injustificado em el Derecho Privado Europeo. In: Revista para el Análises del Derecho. Barcelona, abr., 2017, p. 6.

53 GIL, Laura Zumaquero, 2017, p. 6.

54 PEREIRA COELHO, Francisco Manuel., 1970, pp. 52-53. No mesmo sentido: SAVI, Sérgio, 2012, p. 46-49; e TERRA, Aline de Miranda Valverde; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz., 2015, p. 8.

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destinação, o uso, o gozo e fruição daquele direito subjetivo, não podendo qualquer outra pessoa, sem motivo justificador, utilizar-se dele. A restituição das vantagens econômicas corresponde a uma concepção dos direitos, segundo a qual estes não se esgotam na mera possibilidade de excluir outros de um domínio reservado, mas atribuem ao seu titular, também, um conteúdo positivo, correspondente à destinação de um bem ou de uma utilidade56.

Para se chegar à solução dos problemas relacionados ao lucro da intervenção, passa-se à análise da evolução do enriquecimento sem causa no ordenamento jurídico germânico, que, posteriormente, veio a influenciar a consolidação do instituto nos ordenamentos jurídicos português e espanhol.

2.1.1 Os desdobramentos do instituto do enriquecimento sem causa no direito alienígena

A figura do enriquecimento sem causa encontrou terreno fértil, com êxito assinalável, nas experiências do ordenamento jurídico alemão57. Enquanto os jurisconsultos franceses buscavam se afastar da

tradição romanística, não admitindo a actio de in rem verso58 e reservando

um lugar marginal às condictiones59, deixando de lado a consolidação de

56 VIEIRA GOMES, Júlio Manuel, 1998, p. 780.

57 Para Viera Gomes, nenhum outro país da civil law foi tão longe no estudo do enriquecimento sem causa como a Alemanha (Op. cit, p. 16).

58 É cabível alertar que a actio de in rem verso, no período clássico romano, era um remédio aplicado exclusivamente para evitar o enriquecimento no patrimônio do pai de família (pater familias) ou do senhor de escravos (dominus), não se fundando sobre um ato de disposição realizado sem causa e não possuindo, em essência, relação com as ações de enriquecimento. Somente na época justinianeia que a actio de in rem verso passa a adquirir um caráter de ação de enriquecimento, passando a ser outorgada para sancionar o versum utile no patrimônio de qualquer pessoa. (MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de, 2005, pp. 122-123). 59 Menezes Leitão indica que a condictio no Direito Romano “teve uma evolução desde um núcleo originário em que tinha exclusivamente por fim a revogação de uma atribuição privada da sua causa de justificação, nas hipóteses em que se tivesse perdido a rei vindicatio, estendendo-se posteriormente como elemento corrector às atribuições patrimoniais injustificadas que se tivessem verificado nos negócios abstractos, evolução essa que Kupisch julga fundada numa crescente sensibilidade romana para o conceito de bonum et aequum”. Na compilação justinianeia, época pós-clássica do Direito Romano, encontram-se quatro categorias de condictiones destinadas a tutelar as deslocações patrimoniais sem causa: (i) a condictio indebiti, que tinha lugar no caso de pagamento de uma

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