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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.3 Crenças: considerações introdutórias

1.3.1 Crenças e educação: perspectivas teóricas

Iniciamos esta seção procurando relacionar conhecimento e crença. É possível que nossas leituras e estudos sobre determinados assuntos nos garantam verdades a ponto de considerarmos que a ciência18 é inquestionável. E isso está relacionado ao movimento de valorização do homem que surgiu com a modernidade19.

Em razão do fenômeno das quedas dos paradigmas, podemos dizer que saem de

18Para Rajagopalan (2004, p. 34), “As opiniões leigas são desclassificadas em bloco como ‘teorias populares’, cujo interesse é no máximo antropológico”. Ou seja, o autor nos alerta sobre o status determinado ao conhecimento chamado de ciência para aquilo que comumente é alegado às teorias populares como sendo de senso comum e que, portanto, não teria tanta fiabilidade quanto à ciência. 19As transformações associadas à modernidade libertaram o indivíduo de seus apoios estáveis nas tradições e nas estruturas. Antes se acreditava que essas eram divinamente estabelecidas: não estavam sujeitas, portanto, a mudanças fundamentais. O status, a classificação e a posição de uma pessoa na ‘grande cadeia do ser’ – a ordem secular e dividadas coisas – predominavam sobre qualquer sentimento de que a pessoa fosse um indivíduo soberano. O nascimento do ‘indivíduo soberano’, entre o Humanismo Renascentista do século XVI e o Iluminismo do século XVIII, representou uma ruptura importante com o passado. Alguns argumentam que ele foi o motor que colocou todo o sistema social da ‘modernidade’ em movimento (HALL, 2006, p. 25).

cena algumas verdades enquanto procuramos entender algumas crenças arraigadas (BARCELOS, 2010) que carregamos conosco sobre questões sociais, históricas e culturais. Assim, deparamo-nos com o movimento de desacomodação e diante da proposta da pós-modernidade20 percebemos que não existem respostas que esclareçam totalmente nossos questionamentos (TADEU DA SILVA, 2004), sejam estes quais forem. O que temos são muitas possibilidades. Seria como se estivéssemos vislumbrando um momento de propostas diferentes dos padrões vivenciados na modernidade:

O pós-modernismo não representa, entretanto, uma teoria coerente e unificada, mas um conjunto variado de perspectivas, abrangendo uma diversidade de campos intelectuais, políticos, estéticos, epistemológicos. [...] Na sua vertente social, política, filosófica, epistemológica, o pós-modernismo questiona os princípios e pressupostos do pensamento social e político estabelecidos e desenvolvidos a partir do iluminismo (TADEU DA SILVA, 2004, p. 111).

O movimento da modernidade possibilitou aos seres humanos uma visão de domínio e poder. O homem passou do teocentrismo para o antropocentrismo, como senhor da razão, e durante muito tempo acreditamos que tivéssemos as respostas necessárias para compreendermos o mundo e tudo o que nele existe21. Por isso, podemos dizer que entre o renascentismo e o iluminismo,

Na sua vertente epistemológica, a pós-modernidade costuma apresentar-se não como um período, mas como um paradigma. O cerne deste paradigma seria o reconhecimento de que o mundo somente pode conhecer-se através de formas de discurso que o interpretam. Isto traz em si uma importante consequência: o conhecimento do mundo social amparado neste paradigma, é mais resultado da interação de um certo jogo de linguagem que um instrumento de controle facilitador da direção pela qual deve seguir uma mudança social. Como diz Lyotard, a pós-modernidade é uma específica condição do pensamento pela qual se define uma nova situação cultural. Uma situação na qual a ciência, a principal forma de conhecimento legítimo na modernidade, perdeu o amparo dos metadiscursos (GEORGEN, 2001, p. 67).

Nesse sentido, observamos que o movimento da pós-modernidade tornou as verdades antes instituídas um conjunto de possibilidades diversificadas. O que percebemos é que estas, outrora aceitas como indiscutíveis, passaram a não caber mais

20 Em particular Lyotard (1985), com base nas teses foucaultianas, radicaliza a leitura dos traços centrais da contemporaneidade, por ele diagnosticada como pós-modernidade, ao reconhecer nela elementos que, a seu ver, configuram uma nova fase da história que substitui a modernidade (GEORGEN, 2001, p. 5). 21Max Weber definiu a modernidade como o “desencantamento” do mundo. Nietzsche, Heidegger, Adorno, Horkheimer e Foucault tratam cada um à sua maneira, do “desencantamento” da modernidade. (GOERGEN, 2001, p. 5).

como estereótipos de fatos absolutos. Assim, entendemos que “há diferenças a serem atenuadas ou desculpadas ou, pelo contrário, ressaltadas e tornadas mais claras” (BAUMAN, 2005, p. 19).

O movimento da pós-modernidade nos possibilita olharmos para as nossas crenças sobre semelhanças e diferenças e as vislumbrarmos como algo que pode ser repensado e revisto. E talvez isso se dê porque, nesse emaranhado de probabilidades de revisão de conceitos, nos deparamos com a possibilidade de não considerá-los verdades únicas. Percebemos que as “verdades” podem ser revistas, de modo que, para Hall (2006), tornam-se quase impossíveis de serem classificadas em um movimento tido como puro, uma vez que nos achamos imersos em um plano em que os conceitos são transitórios.

É possível ver as diferenças dentro de um processo de hibridização. Ou seja, algumas crenças, ainda que consideradas por Le Bom (2202) como puras e verdadeiras, podem ser revistas. Perceber a diversidade pelo hibridismo pode ser uma forma de refletir sobre algumas verdades aclamadas no meio escolar.

Assim, pelas “culturas hibridas” (HALL, 2006, p. 89) percebemos que dentre as novas perspectivas e possibilidades estão as habilidades humanas de construir e reconstruir. E se esses paradigmas estão sendo revistos na e pela sociedade, podemos acreditar que a escola comunga das mesmas indagações sobre verdades instituídas.

Podemos dizer que na escola também se podem vislumbrar as crenças sobre os novos paradigmas questionadores dos mais diversos conceitos epistemológicos. A escola não é uma ilha afastada da sociedade como um todo. Os eventos vivenciados na escola, na sociedade, nas igrejas, nas associações, congregações, confrarias, enfim, em todos os lugares em que os indivíduos se agrupam para estudar, se divertir, rezar ou trabalhar são os mesmos.

Evidentemente que algumas das instituições apresentadas se desenvolvem mais que outras. Coletivamente, o que temos percebido é que a conjuntura atual da educação tem despertado cada vez mais o interesse de pesquisadores que, na maior parte das vezes, buscam entender a delicada situação em que esta se encontra.

De acordo com Rajagopalan (2011), a situação de precariedade da educação no Brasil e no mundo nem sempre está relacionada diretamente à ação do professor em sala de aula. Em relação às questões que envolvem o tema, é preciso considerar que “Muitas delas têm a ver com os anos a fio de descaso para com a educação” (RAJAGOPALAN, 2011, p. 58).

Esta afirmação sugere que há uma crença instituída de que atualmente os professores não são pessoas suficientemente preparadas para dar conta das mais diversas questões que dizem respeito à escola. Por outro lado, o descaso apontado por Rajagopalan (2011) também evidencia que outras estruturas têm enfrentado problemas, como as famílias, de modo que o peso que, a princípio, recai somente sobre os ombros do professor passa a ser dividido com outras instâncias da sociedade como um todo.

Nesse sentido, considerando que incorporamos modelos e aspirações sociais pelas crenças que (re)construímos, destacamos a capacidade de que dispomos para elaborar sínteses pessoais e coletivas (LE BOM, 2002). Ou seja, nesse caso, as experiências de professores que atuam em contextos escolares em que o descaso com a educação parece persistir, a manutenção de crenças que envolvem maior credibilidade na área educacional tem um papel importante.

Por essa razão, ainda que o movimento da pós-modernidade apresente um sujeito deslocado22, as crenças estão em nosso imaginário atreladas a verdades absolutas. Para Le Bon (2002, p. 19), “as raras tentativas empreendidas no sentido de elucidar o problema da crença bastam, aliás, para mostrar que ele tem sido pouco compreendido”. Insistindo na dificuldade que as pessoas têm de compreender suas crenças e considerando que, culturalmente, estas estão dispersas e são ratificadas pela sociedade e pela escola, a crença sobre a insolúvel precariedade na educação, até por ser diariamente veiculada pelo testemunho das mais diversas pessoas, parece também uma crença insuperável.

Ao mesmo tempo em que essa situação parece insanável, a reflexão sobre a educação em sentido amplo tem gerado cada vez mais pesquisas, que buscam compreender o status quo que envolve a educação sistematizada. Se o que procuramos é compreender e consequentemente contribuir para melhorar o sistema educacional, a ponto de possibilitar que ele gere sujeitos que saibam se posicionar na sociedade, é tempo de investirmos na escola, com propostas que venham a contribuir para as transições e diversificações educativas que vão ao encontro da realidade vivenciada na sociedade (GOERGEN, 2001).

Dentre esses pesquisadores, podemos citar os que atuam na área da linguística aplicada, que têm dedicado boa parte de seu tempo a compreender o descaso para com a educação, como também o processo de formação inicial e continuada de professores de

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Entendendo esse deslocamento como “[...] sistemas de significação e representação cultural [que] se multiplicam [...]” (HALL, 2006, p. 13).

línguas, partindo do princípio de que a escola é local mais apropriado para a realização dessas pesquisas, cujo objeto é investigar a crença da ineficiência da educação formal. Além disso, a pesquisa na escola permite o estudo de crenças que circulam neste ambiente, considerando “a importância do professor como agente de mudança, que favorece a compreensão mútua e a tolerância” (DELORS, 2012, p. 123).

Dessa feita, observar e analisar crenças em contextos escolares parece uma proposta viável, no sentido em que pode aproximar universidade, escola e professores de línguas estrangeiras, como de todas as áreas de ensino. E este foi um dos motivos por que fizemos esses apontamentos relativos à questão das crenças e da educação.

Nosso percurso segue trazendo alguns posicionamentos teóricos que nos auxiliaram no entendimento dos estudos sobre crenças no Brasil pelo viés da linguística aplicada.