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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.3 Crenças: considerações introdutórias

1.3.2 Crenças e linguística aplicada

Mello (1995) afirma que, ao nos comunicarmos, cremos que há clareza, principalmente se “falamos a mesma língua”23

que as outras pessoas. Entretanto, existem artifícios ligados à comunicação humana que são apresentados como fatos surpreendentes. A linguagem como algo mais abrangente “[s]e presta para expressar não só as ideias racionais e lógicas, mas também os sentimentos, as angústias, o medo, as alegrias e tudo que envolve o existir humano” (MELLO, 1995, p. 451). Pela linguagem que re/des/construímos as mais diversas crenças em nossa convivência social, educacional, filosófica e ideológica.

Se também pela linguagem refutamos (ou tentamos refutar, ao menos) algumas crenças instituídas, é por meio dela que igualmente confirmamos outras tantas crenças, principalmente quando se trata de temas para os quais o ser humano não consegue “encontrar respostas” (MELLO, 1995). Afinal, a partir do momento em que mais de uma pessoa tem uma mesma impressão a respeito de um assunto qualquer, esta já passa a ter caráter de verdade.

Neste sentido, Le Bon (2002) defende que é difícil compreender a temática das crenças porque “[...] todos os elementos das crenças obedecem a regras lógicas, muito seguras, porém inteiramente alheias às que são empregadas pelo sábio nas suas investigações” (LE BON, 2002, p. 20). O pensamento elaborado difere do senso comum

e uma crença não existe pela mesma sistematização cognitiva utilizada por um sábio para elaborar uma teoria, são coisas distintas. Para melhor compreender essa afirmação, Le Bon (2002, p. 24) julga importante distinguir conhecimento e crença. “O conhecimento constitui um elemento essencial da civilização, o grande fator dos seus progressos materiais. A crença orienta os pensamentos, as opiniões e, por conseguinte, a maneira de proceder”.

Além disso, somos humanos e nossas crenças e conhecimentos estão organizados de acordo com nossa individualidade ao mesmo tempo em que são formadas na coletividade. Sem dúvida, somos parte de um coletivo, mas somos primeiramente seres únicos que nos utilizamos das crenças e conhecimentos formados em uma coletividade para nos apresentarmos com nossas individualidades. Isto é, temos identidades próprias e ainda que sejamos parte de um todo somos, individualmente, um todo, a nossa maneira.

Nessa empreitada de estudar as crenças e as atitudes linguísticas estão inseridas as complexidades de nossa forma de ver o mundo, de nossas identidades. “Na disputa pela identidade está envolvida uma disputa mais ampla por outros recursos simbólicos e materiais da sociedade” (TADEU DA SILVA, 2011, p. 81). Nessa complexa e intrincada formação social de constituição das identidades estão as nossas crenças e atitudes. Por isso, consideramos importante que os estudos sobre crenças e atitudes na área das línguas, apesar de recentes, tenham aumentado cada vez mais (BARCELOS, 2010).

Nesse sentido, ao tratarmos de estudos que envolvem crenças linguísticas que circulam pelas aulas de língua estrangeira, alguns linguistas aplicados têm se dedicado, sobretudo, a entender as crenças em contextos de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras (BARCELOS, 2010). Percebemos que a busca por melhor compreender como acontecem as manifestações das crenças e das atitudes de professores e alunos de línguas estrangeiras é bastante nova em nosso país, mas, ao mesmo tempo, já existem trabalhos que nos permitem perceber a relevância de continuar estudando-as. As pesquisas que envolvem as crenças e as línguas a que elas se referem podem desvelar reflexões na área, pertinentes tantos para questões da língua materna quanto das línguas estrangeiras.

O progressivo desenvolvimento das pesquisas sobre crenças, a partir dos anos 90, esteve relacionado quase sempre ao inglês como língua estrangeira. Em muitos casos, essas pesquisas resultaram em dissertações de mestrado e teses de doutorado de

participantes de grupos de estudos que discutem crenças e atitudes. A professora Barcelos (2004, 2006, 2010, 2011) é uma das autoras que mais tem contribuído para o desenvolvimento dos estudos referentes às crenças linguísticas.

Para Barcelos (2004), uma de suas razões de seu interesse em estudar crenças está relacionada ao fato de necessitarmos de entendimentos amplos sobre as questões que nos cercam, enquanto seres humanos. Dificilmente, conseguiremos propor um trabalho com pessoas sem procurarmos entender suas crenças e atitudes linguísticas. E diante da possibilidade de tentar entender os conceitos atribuídos ao estudo, Barcelos (2004) esclarece que crença não se trata de objeto de estudo exclusivo da Linguística Aplicada:

O conceito de crenças não é específico da LA. É um conceito antigo em outras disciplinas como antropologia, sociologia, psicologia e educação, e principalmente da filosofia, que se preocupa em compreender o significado do que é falso ou verdadeiro. [...] Não existe, em LA, uma definição única para esse conceito. Existem vários termos e definições, e essa é uma das razões que torna esse um conceito difícil de se investigar (BARCELOS, 2004, p.129).

De acordo com a autora, os estudos sobre crenças, em Linguística Aplicada, passam a ter mais visibilidade a partir dos anos 90 quando “a trajetória do conceito de crenças em LA fica ainda mais completa, quando esse conceito começa a fazer parte de modelos teóricos, de diagramas explicativos do processo ensino/aprendizagem” (BARCELOS, 2004, p. 128).

A autora faz referência a Almeida Filho (2009a, 2009b, 2010, 2011) e Leffa (1989, 2005, 2006, 2011) como autores que contribuíram de alguma forma com as pesquisas em crenças em contextos nacionais, porque estes pesquisadores propuseram trabalhos que envolviam crenças ainda que a palavra ‘crença’ não tenha aparecido em suas pesquisas.

No Brasil, foi somente na década de 90 que o conceito de crenças ganhou força, com os seguintes marcos teóricos: Leffa (1991) com sua pesquisa que investigou as concepções de alunos prestes a iniciar a 5a série; Almeida Filho (1993) que definiu cultura de aprender como “maneiras de estudar e de se preparar para o uso da língua-alvo consideradas como ‘normais’ pelo aluno, e típicas de sua região, etnia, classe social e grupo familiar, restrito em alguns casos, transmitidas como tradição, através do tempo, de uma forma naturalizada, subconsciente, e implícita”(p. 13); Barcelos (1995) que utilizou o conceito de cultura de aprender para investigar as crenças de alunos formandos de Letras (BARCELOS, 2004, p.128).

No caso de Almeida Filho (2010), entre seus trabalhos há um livro editado em 1993 (que se encontra em sua 6ª. Edição) que apresenta uma pesquisa em que o autor considera a área das línguas estrangeiras “[...] uma das mais protegidas das mudanças de paradigmas de investigação e uma das mais tardias nas ciências humanas em realinhar epistemologicamente com pesquisa experimental empírica em contextos nacionais.” (ALMEIDA FILHO, 2010, p. 8).

Já Leffa (1989, 2005, 2006, 2011) contribuiu e contribui com discussões voltadas para o ensino e a aprendizagem de línguas estrangeiras, especificamente da língua inglesa, e tem organizados alguns artigos que abordam metodologias e ensino de línguas, além de propor reflexões sobre como se desenvolvem o ensino e a aprendizagem das línguas estrangeiras.

Além disso, autores como Vieira-Abrahão (2004, 2010, 2011) e Silva (2010, 2011) têm organizado livros e apresentado resultados de pesquisas que envolvem trabalhos sobre crenças de professores de línguas estrangeiras em formação inicial e continuada. Muitos artigos presentes nestes livros são de autoria de pesquisadores que abordam o ensino e a aprendizagem de professores formados e em formação que citaremos no transcorrer deste texto. Almeida Filho (2009a, p. 13) afirma que:

[...] os alunos recorrem às maneiras de aprender típicas de sua região, etnia, classe social e até do grupo familiar restrito em alguns casos. [...] São cruciais novas compreensões vivenciadas da abordagem de aprender, dos alunos e da abordagem de ensinar dos professores.

Ou seja, ainda que o termo “crenças” não esteja inserido na citação acima, sobre o que é ensinar e aprender, a expressão ‘abordagem de aprender e de ensinar’ remete à noção de crenças, pois inclui os costumes e maneiras que caracterizam nossa região ou grupo familiar, ou seja, as crenças de nossos ascendentes.

Por outro lado, a entrada de novas abordagens de ensinar e aprender línguas traz mudanças que passam a ser incorporadas às metodologias. Segundo Leffa (1988, p. 23):

O professor deixa de exercer seu papel de autoridade, de distribuidor de conhecimentos, para assumir o papel de orientador. O aspecto afetivo é visto como uma variável importante e o professor deve mostrar sensibilidade aos interesses dos alunos, encorajando a participação e acatando sugestões.

No excerto apresentado por Leffa (1988) também não encontramos, explicitamente, o termo crenças. O que há são sugestões de que algumas atitudes por

parte de professores e alunos envolvidos no processo de ensinar e aprender línguas devam ser reconsideradas. Por outro lado, essas sugestões propõem a mudança de algumas crenças até então consideradas parte da metodologia de ensinar e aprender língua estrangeira. Até porque as críticas que recaem sobre os profissionais da educação são diversas e necessariamente estão relacionadas a crenças que podem ser revistas.

Os professores, de um modo geral, têm sido criticados em muitos aspectos, tanto pelo que fazem (perseguem alunos, inflacionam as notas, pactuam com a mediocridade, etc.) como pelo que deixam de fazer (não leem, não escrevem, não se atualizam, etc.). Os de línguas estrangeiras, além de todos esses aspectos, ainda podem ser acusados de outras deficiências, como por exemplo, não conseguir falar a língua que lecionam, não usar uma metodologia adequada, etc. É na questão política, no entanto, que as acusações são mais fortes. A lista é longa: os professores de línguas estrangeiras são alienados, acríticos, apolíticos, reacionários, ingênuos e conformistas. (LEFFA, 2006, p. 10).

Nesta seção, compreendemos alguns marcos teóricos da pesquisa sobre crenças e atitudes linguísticas na Linguística Aplicada como, por exemplo, a década em que esses estudos iniciaram, bem como conhecemos alguns dos autores mais influentes nesse contexto. Dando sequência a este capítulo de embasamento teórico, passamos à análise de alguns registros de estudos sobre crenças e atitudes linguísticas, diretamente relacionadas às línguas estrangeiras.