• Nenhum resultado encontrado

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.6 Percurso da pesquisa

Iniciamos este subitem do trabalho apresentando alguns fatos ocorridos antes do início da pesquisa. Trata-se de alguns acontecimentos que parecem relevantes de serem trazidos, pois, conforme já declaramos anteriormente, dizem respeito à imagem que se tem do professor de E/LE e sua quase invisibilidade na escola. Os acontecimentos ocorreram durante nossa atuação como supervisora de estágio de E/LE, no curso de Letras, da Universidade Estadual de Ponta Grossa, no ano de 2010. Precisávamos encontrar campo de atuação para os alunos realizarem seus estágios obrigatórios. Fomos, então, a uma das escolas públicas mais tradicionais (por ser bastante antiga, existir há muitos anos e manter o curso de formação de professoras das séries iniciais – Magistério) da cidade, uma vez que esta oferecia E/LE na grade curricular do magistério por intermédio do CELEM.

Ao chegarmos a esta escola, nos apresentamos como professora de estágio primeiramente à secretaria da escola e fomos encaminhadas à sala de professores em busca do/a professor/a de língua espanhola daquela escola que, até aquele momento, não sabíamos quem era. Chegamos durante o intervalo de aulas e havia uma grande quantidade de professores na sala de professores. Apresentamo-nos e indagamos quem era o/a professor/a de espanhol, pergunta essa que ninguém soube responder. Alguns, inclusive, disseram nem saber que havia espanhol naquela escola. Em seguida, um professor que conhecíamos nos levou ao diretor da escola. Novamente toda a formalidade e qual não foi nossa surpresa: o diretor também não sabia quem trabalhava com a língua espanhola.

Novamente fomos conduzidos à secretaria da escola e uma das secretárias, de posse de uma tabela, encontrou o nome de nossa participante (que, como descrevemos, já conhecíamos - era Maria), e toda a disposição de suas aulas.

Esse pequeno relato evidencia uma experiência vivenciada e descrita por muitos professores E/LE: a do apagamento tanto das disciplinas de línguas estrangeiras na grade curricular quanto da presença dos professores que ministram essas disciplinas na escola.

Nesse sentido, como são poucas as pesquisas que discutem a situação da disciplina de língua espanhola na escola, trazemos como referência a realidade, não muita distinta da vivenciada por nós, dos professores e da disciplina de língua inglesa. Trata-se do desabafo de uma professora de língua inglesa, em que narra como se sentia na escola em que trabalhava: “Eu me sentia muito sozinha na minha escola. Eu era a única professora de inglês em meio a muitos professores que, apesar de não falarem, demonstravam, através de atitudes, que desprezavam o ensino de inglês nas escolas” (VIÇOSO, 2010, p. 308).

Esse pequeno excerto exemplifica o preconceito em relação à presença das disciplinas de línguas estrangeiras no currículo regular. Por essa razão, é fácil culpar os professores e o diretor pela invisibilidade da disciplina de espanhol e mesmo da professora Maria na escola em questão. Por outro lado, como não se trata de um caso isolado, é necessário percebermos que muito provavelmente o fato é consequência das crenças arraigadas sobre a (ir)relevância de estudar língua estrangeira na escola.

Como já apontamos anteriormente nesta dissertação, esse processo pode ter se iniciado com a tentativa de nacionalização, na busca por um progresso em nome da desprovincialização38 do Brasil. Ou seja, a disciplina de língua estrangeira é tão relevante quanto qualquer outra disciplina da grade curricular. Entretanto, certa coisificação e deslocamento da disciplina na grade curricular, ora na parte diversificada, ora na parte obrigatória, além dos objetivos focados em interesses mercadológicos contribuíram para essa visão da língua estrangeira quase como um souvenir à disposição da educação para preencher determinados espaços, quando necessário.

Foi neste contexto de (des)encontros que nos deparamos com a nossa

38

De acordo com o ideal de vida que se internacionaliza em um mundo que se apequena ao impacto da tecnologia e dos meios de comunicação, o Brasil, na década de 70, passou a responder mais intensamente às determinações de organismos financeiros internacionais para os países em desenvolvimento, cujo papel tem sido historicamente o de importador de mercadorias – na forma de produtos, tecnologia e produção científica – produzidas nos países desenvolvidos (PICANÇO, 2003, p. 47, grifos da autora).

participante que não se mostrou admirada com a situação descrita por nós, pois, de acordo com Maria, esta já havia passado por situações semelhantes a essa em outras escolas.

Conforme trouxemos anteriormente, posteriormente à época em que Maria foi nossa aluna, nosso primeiro contato com esta aconteceu ano de 2010, quando nos reencontramos (nós, como supervisora de estágio do curso de Letras e ela, já formada, como professora de língua espanhola em uma escola tradicional da cidade). Desde essa época, começamos a conversar com Maria sobre a possibilidade de ela participar desta pesquisa e a professora se mostrou à vontade no sentido de colaborar como fosse necessário.

No ano seguinte, quando ingressamos no Mestrado em Linguagem, Identidade e Subjetividade da UEPG, com a proposta de realizar um trabalho sobre crenças de um professor de língua estrangeira, fomos ao encontro de Maria. Conforme mencionamos anteriormente neste trabalho, a professora ouviu nossa proposta e se mostrou bastante interessada em participar, porque, em seu entendimento, a pesquisa traria benefícios para ambas as instituições, escola e universidade. Além disso, Maria ainda enfatizou que seria relevante que ela, como professora de língua espanhola, revisse seus conceitos sobre o que seja ensinar e aprender língua estrangeira.

Esta dissertação tem, portanto, uma trajetória parecida com a de outros trabalhos na área de educação, que envolve seres humanos. Entretanto, nos pareceu relevante trazermos os fatos relacionados ao processo que deu origem a esse trabalho, desde o nosso primeiro contato com a professora participante.

Como já dissemos, inicialmente foram realizadas negociações informais entre a participante Maria e as professoras responsáveis pela pesquisa, Letícia Fraga e Lucimar Araujo Braga. Na sequência, o estudo foi submetido à aprovação pela direção da escola onde trabalha a professora Maria e posteriormente foi apreciado e autorizado pela Comissão de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

Essa proposta de pesquisa caminhou, portanto, no sentido de realizar um estudo de caso que permitisse que compreendêssemos mais amplamente a atuação em sala de aula de uma professora de E/LE, suas crenças e a relação de ensino e aprendizagem que se estabelece por meio da convivência entre professores e alunos, considerando que esse processo é mediado por leis, documentos oficiais, crenças institucionalizadas e pessoais. Além disso, a partir desse estudo buscamos entender as relações que se estabelecem entre crenças e atitudes linguísticas no ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras

como estratégia que converge para a formação crítica de alunos e professores.

O desenvolvimento da pesquisa em relação à coleta de dados transcorreu tal como descreveremos a seguir: inicialmente, fizemos uma negociação informal para a realização do trabalho com a participante, uma professora de E/LE. Em seguida, negociamos com o diretor da escola onde trabalhava a professora, uma instituição estadual, situada no interior do estado do Paraná, a autorização para a realização da pesquisa no local. Após a confirmação e o aceite da parte de todos os envolvidos no projeto, a pesquisadora encaminhou o projeto à COEP/UEPG e, depois que esse foi aprovado, providenciou os Termos de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), de modo que diretor, professora, alunos e respectivos responsáveis não somente ficassem cientes da pesquisa, mas autorizassem formalmente sua participação nela. Somente depois de aprovados todos os documentos pelos órgãos competentes, estes foram encaminhados para assinatura dos participantes. Após a concordância formal destes, demos, então, início à coleta de dados e, conforme descrito anteriormente, desenvolvemos a pesquisa de acordo com as normas estabelecidas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa.

Na sequência nos empenhamos em responder aos objetivos da investigação comparando conceitos e temas entre a análise dos dados colhidos no diário de campo e as gravações de vídeo e áudio em que organizamos as questões em grupos de identificação teórica, conforme traremos nesta dissertação. Nesta etapa, pareceu-nos mais prático inserir nossas anotações em forma de quadros em que pudéssemos trazer as crenças, as atitudes e os excertos de fala da participante de maneira que facilitasse a compreensão para a análise dos dados39.

Posteriormente, passamos a analisar os dados agrupados em categorias de crenças em que apontamos as manifestações da professora sobre diversos temas relacionados à sala de aula; ao ensino e a aprendizagem da língua espanhola, ao posicionamento dos alunos sobre a língua estrangeira, além de dados sobre suas próprias crenças manifestas durante a coleta de dados.

A partir da efetivação dessa parte do trabalho, passamos a organizar e sintetizar nossos entendimentos sobre as manifestações da participante da pesquisa sobre os variados conceitos atribuídos ao ensino e à aprendizagem das línguas estrangeiras para organizarmos a nossa compreensão global sobre seu posicionamento de professora de

língua espanhola.

Passada a fase de clarificação e entendimento de posicionamentos da participante, passamos a buscar sintetizar conceitos teóricos em que pudéssemos comparar os dados obtidos na coleta de dados com o referencial teórico escolhido para a realização da pesquisa. Assim, neste trabalho recorremos à análise de conteúdo para a análise dos dados qualitativos obtidos, através dos dados coletados e documentais relativos ao corpus da pesquisa, respeitando a participante eticamente.

Assim, para buscarmos mais explicações sobre questões que envolvem crenças, atitudes e políticas linguísticas passamos para a apresentação, análise e discussão dos dados coletados, categorizados e triangulados entre si, além do posicionamento da participante no transcorrer desse capítulo.

CAPÍTULO III