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APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

3.1 Apresentação e análise dos dados: as crenças e as atitudes de Maria

3.1.3 Crenças sobre a falta de interesse em aprender LE pela LE

CRENÇA ATITUDE EXCERTO

 Os alunos não conseguem fazer a tarefa porque não prestam atenção na aula.

 Segundo a professora, os alunos não fazem as atividades porque não ficam atentos ao que a professora fala. Ela nunca se surpreende pelo fato de os alunos não fazerem a tarefa e sempre a corrige totalmente no quadro e explica o conteúdo novamente, tentando convencer os alunos de que eles aprenderiam se prestassem atenção à aula.

Profesora: ¡Muy bien! Podemos ahora corregir la actividad que pasé en la clase pasada como tarea. Cada cual con sus textos y vamos a la corrección.

Alumnos: Não fizemos, profesora.

Profesora: Así es, estoy cierta de que no hicieron la actividad porque no pusieron atención en la profesora al final de la clase pasada. ¿Verdad? Alumnos: Sí. (Maria y alumnos, 25-05-2011)

Quadro 3: Crenças sobre a falta de interesse em aprender E/LE

Segundo as DCE (2008), o professor precisa agir como mediador do conhecimento. A crença de que se os alunos não prestarem atenção na aula eles não conseguem fazer a tarefa está relacionada à crença de que o professor é o transmissor de conhecimentos e o centro da aula. Para a professora, talvez uma boa aula de língua espanhola seja aquela em que o aluno fique apenas sentado prestando atenção ao que ela (ou qualquer outro professor) diz.

A participante parece acreditar que se seus alunos estivessem mais envolvidos e mais atentos às aulas de espanhol (segundo o entendimento dela do que seja estar envolvido e atento) possivelmente não deixariam de anotar o que foi trabalhado nas aulas. Para Barcelos (2010), como há uma relação de causa e efeito entre crenças e atitudes linguísticas, ainda que Maria corrobore com o texto das DCE (2008) em relação ao papel do professor na atualidade (que é o de atuar como um mediador, em vez de transmissor), nesta situação suas atitudes vão ao encontro de outras possibilidades que estão latentes em si como a que a leva a se colocar na posição de receptor atencioso que garante o acontecimento da aprendizagem. Para Maria, essa estratégia é condição sine qua non para que se consiga êxito na aprendizagem de LE pela LE.

De acordo com a crença da professora Maria, se todos se esforçassem mais para falar em espanhol, se tivessem mais vontade de aprender, aprenderiam mais. Nesse sentido, Félix (2009) questiona a origem das crenças de professores de valorizar uma e

não outra atitude de seu aluno, no processo de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras. Para o autor, o aprendizado é um todo que não precisa ser engavetado em partes, ou seja, o diálogo aberto entre professores e alunos pode ser uma boa saída para ensinar e aprender línguas. E nós, enquanto professores complementamos: por que cremos que nossa forma de trabalho será bem-sucedida (somente) se os alunos colaborarem, aceitando como imposição tudo o que achamos relevante para o ensino e aprendizagem do aluno? Para Félix (2009), as crenças que absorvemos durante toda a nossa vida acadêmica, desde que entramos na escola até a formação de professores acabam orientando nosso trabalho:

Baseados em como nossos professores nos ensinaram ou em como aprendemos coisas parecidas, podemos já imprimir uma maneira de ensinar orientada por uma abordagem implícita, latente e frequentemente não conhecida por nós (FÉLIX, 2009, p. 94).

Não é muito fácil reconhecer que há possibilidades de uma estratégia não funcionar se já a aplicamos a grupos diversos, se essa é uma forma de trabalhar que internalizamos e que acreditamos ser a melhor. Dificilmente buscamos as respostas para os nossos insucessos no trabalho com as línguas estrangeiras em nossas atitudes. Em geral, até por ser mais fácil, apontamos o outro como incapaz, sem vontade, desmotivado. Enfim, não somos preparados para perceber que nossa prática se forma pelas experiências diárias, as quais estão repletas de crenças (SILVA, 2010) que podem e devem ser revistas.

Não percebemos que cada “receita” malograda que tentamos usar com nossos alunos não impede que repitamos o erro elaborando outra “receita” que, cremos, agora funcionará. É difícil realizar o exercício de considerar que uma crença arraigada, nossa e/ou de nossos alunos, se for explicitada e renegociada junto ao grupo pode gerar conflitos positivos para a experiência do processo de ensinar e aprender línguas estrangeiras.

Para Vieira-Abrahão (2004), essa poderia ser uma grande (e importante) possibilidade de o professor refletir sobre essas atitudes, derivadas das crenças que traz consigo, como uma oportunidade de olhar para sua prática, procurando repensar sobre ela, a maneira como age, levantando hipóteses sobre suas crenças e atitudes. Essa prática é necessária tanto para o professor quanto para seus alunos, uma vez que se ambos percebem que uma estratégia não funciona igualmente para diferentes grupos, ela

deverá ser analisada antes de ser proposta novamente.

Nesse sentido, a crença de Maria de que o esforço do aluno em aprender língua espanhola seria a solução para um melhor aproveitamento de suas aulas poderia ser discutida no contexto da sala de aula. Essa proposta talvez esclarecesse algumas crenças de alunos e professores a respeito da questão e mostrasse que os grupos têm pensamentos diferentes. Assim, Almeida Filho (2010) observa que a cultura de aprender do aluno pode destoar (e geralmente destoa) da maneira de ensinar do professor:

Pode ocorrer que uma cultura de aprender a que se prende um aluno para abordar uma língua estrangeira não seja compatível ou convergente com uma abordagem específica de ensinar de um professor, de uma escola ou de um livro didático. O desencontro seria assim fonte básica de problemas, resistências e dificuldades, fracasso e desânimo no ensino e na aprendizagem da língua alvo (ALMEIDA FILHO, 2010, p. 13).

Conforme a citação anterior, as crenças de professores e alunos podem destoar entre si. Um professor que seja capaz de rever estratégias ou abordagens de ensinar línguas estrangeiras terá mais condições de refletir sobre os conflitos inerentes ao processo de aprendizagem de língua estrangeira. Para Vieira-Abrahão (2004), talvez esse exercício seja mais fácil de ser realizado com professores ainda em formação ou em pré-serviço, os quais parecem ter menos dificuldade de rever suas crenças, após “explicitar suas crenças, pressupostos e conhecimentos sobre linguagem, ensinar e aprender línguas” (VIEIRA-ABRAHÃO, 2004, p. 133).

A possibilidade de voltar um olhar criterioso para a própria prática, desde o início da formação no magistério, pode ser uma forma de entendimento sobre as nossas atitudes e as reações dos alunos, nas salas de aulas. E se os alunos reagem de forma diferente nas aulas é porque cada um traz consigo culturas de aprender (crenças) diferentes das outras pessoas.