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PARTE II I DEOLOGIA , S IGNIFICADO E I NFORMALIDADEIDEOLOGIA,SIGNIFICADO E INFORMALIDADE

M UDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO E A INFORMALIDADE

7.2. Crise de 1970 e reestruturação produtiva

A compreensão profunda acerca da informalidade está radicalmente atrelada aos movimentos mais amplos do mundo do trabalho que, por sua vez, tem suas raízes nos processos de disputas sociais e conformações das relações de produção do sociometabolismo capitalista. Particularmente, como pode ser observado na subseção anterior, a informalidade passou a ser um tema tratado com maior intensidade a partir da década de 1970. O crescimento desses estudos a partir desse período não é algo casual: ele é a resposta da academia e do Estado frente ao crescimento exponencial dessas formas de trabalho nos diversos países do mundo. Por sua vez, tal crescimento é consequência da grave crise capitalista de 1970.

Nesse período encerrou-se um ciclo de forte crescimento desse modo de produção que se iniciou a partir do segundo pós-guerra. Esse interstício que durou aproximadamente duas décadas e meia ficou marcado pelas elevadas taxas de crescimento nos países de capitalismo avançado recebendo a alcunha de “anos dourados” (Hobsbawm, 1995). Essa acelerada reprodução do capital foi motivada, ao menos, por dois determinantes: a reconstrução dos países eurocidentais e a consolidação do pacto social fordista.

Encerrada a guerra no ano de 1945, a Europa estava arrasada: os países perderam entre 13% (Alemanha) e 7% (França) de seus bens capitais pré-guerra, entre 4% e 6% de sua população total (no caso soviético, de 10% a 20%) e mobilizaram em média 20% da humanidade nas forças armadas da época. Dos envolvidos nesse conflito, a exceção foi os Estados Unidos que, semelhante ao que ocorrera no pós-primeira guerra, alcançou taxas de crescimento superiores a 10% e conservou intacto seu parque industrial – detendo dois terços da produção industrial do mundo (Hobsbawm, 1995).

Imediatamente após a guerra foram lançados novos planos de reconstrução social e econômica direcionada aos países europeus na tentativa de reestabelecer a produção mundial de capital – ao mesmo tempo em que combatia as tentativas soviéticas de espalhar a experiência comunista para outras nações. Portanto, sob a batuta estadunidense foi implantado o Plano de Recuperação Europeia, ou Plano Marshall, que permitiu a reestruturação econômico-social desses países, atrelando-os, necessariame nte, às políticas dos EUA. Com isso, a partir de 1950 e, com maior intensidade, em 1960 os países europeus passaram a experimentar altas taxas de crescimento econômico, ladeada com avanços sociais, como o estabelecimento de uma política de pleno emprego, o qual alcançara a incrível marca de 1,5% de desemprego médio no lado ocidental do continente (Hobsbawm, 1995).

Os avanços sociais nesse período, referente à reconstrução dos países do norte envolvidos na II Guerra, por seu turno, apenas foram possíveis com o estabelecimento do pacto social fordista. Os três pilares desse pacto foram a implantação de um Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), a consolidação do paradigma fordista de produção e o apassivamento da classe trabalhadora (Antunes, 1999; Harvey, 2010).

Nas primeiras décadas pós-guerra a indústria capitalista – principalmente a estadunidense – havia consolidado as técnicas de produção e gestão fordista, as quais se enraizavam na extensa utilização de maquinário associado à integração de grandes contingentes de força de trabalho. Consequentemente – e seguindo tendências antecipadas por Marx (1848/1998) – o próprio crescimento industrial americano e, posteriormente, europeu, redundou no incremento do número de trabalhadores e do fortalecimento de seus sindicatos. Esses últimos, estando apoiados por sua base social, conseguiam promover diversos enfrentamentos efetivos no sentido de paralisar a produção e impedir o avanço da reprodução de capital.

Estava em pauta para os trabalhadores da época, a necessidade de melhores condições de trabalho e de vida. É importante ressaltar que a vitória da revolução soviética, o fortalecimento dos partidos comunistas em todo o mundo e vigoroso desenvolvimento da URSS (apresentando taxas de crescimento superiores a americana e europeia na década de 1950), tanto fortaleciam o próprio movimento trabalhista nos países capitalistas, como ameaçavam os seus governos com a chance de tais sindicatos (e seus trabalhadores) serem cooptados pelo ideário comunista.

Como estratégia para manter as elevadas taxas de reprodução do capital – que demandava, por um lado, a segurança econômica e o apoio financeiro para os empreendimentos capitalistas, e, por outro, a contenção do avanço da luta dos trabalhadores –, o Estado passou a incorporar de maneira efetiva a resposta, parcial, a muitas das demandas da classe trabalhadora. Com a existência de uma maior disponibilidade fiscal, diversos países europeus – e em alguma medida, o próprio Estados Unidos – passaram a implantar políticas sociais para atender demandas como acesso à saúde, à educação, ao lazer, à seguridade social, a estabilidade no emprego dentre outras. Igualmente, as empresas elevaram, ainda que minimamente, os salários pagos, respondendo, imediatamente, a uma das demandas dos trabalhadores.

Contudo, essa estratégia, poucas décadas após a sua implantação, começou a ruir, sendo observado o seu agravamento em torno da década de 1970. Como exposto, a existência de um Estado de Bem-Estar Social era fundamental para assegurar o apassivamento da classe trabalhadora, ao atender, parcialmente, as suas demandas. Porém, o mesmo apenas era garantido pela existência de um robusto aporte finance iro que custeava as diversas políticas sociais implantadas. Com o acirramento das demandas de ambas as classes e a consequente pressão das empresas pela redução da contribuição financeira com esse modelo estatal, os diversos países começaram a reduzir o seu poder

de mediação dos conflitos entre capital e trabalho, com a destruição das suas políticas sociais.

Outros três elementos decisivos dessa conjuntura que resultou em uma das grandes crises do capitalismo foram: o crescimento da concorrência mundial, a migração de capital para o sistema financeiro e a mudança da política de comercialização de petróleo pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).

Quanto ao primeiro elemento, ele é o desdobramento de uma tendência latente no processo de expansão capitalista. Se em um primeiro momento as indústr ias americanas obtiveram altos lucros no plano de recuperação europeia, o mesmo, paulatinamente, colaborou para a estruturação de um parque industrial nacional nos países do velho continente. Esses, já na década de 1960 – somado com o caso japonês – passaram a estabelecer um novo patamar de produção capaz de competir diretamente com os produtos americanos. Ainda mais, com uma vantagem: as novas indústrias nipônicas e europeias utilizam uma matriz produtiva mais enxuta e dinâmica se comparada aos suntuosos – mas, enrijecidos – complexos industriais estadunidenses. Com isso, conseguiam apresentar uma maior quantidade de tipos de produtos em um menor espaço de tempo, algo que os empreendimentos fordistas não conseguiam acompanhar, dado o modo como a sua estrutura produtiva estava organizado.

Essas novas iniciativas capitalistas também obtiveram vantagem – e impulsionaram um decréscimo na produção americana – quando do embate entre a OPEP e os países do Norte. Em retaliação ao apoio americano e europeu a Israel, os países árabes da referida organização promoveram uma elevação intencional do preço do barril do petróleo. Considerando que a grande indústria de massa fordista secundarizava o uso racional das fontes energéticas – estando baseada no uso intensivo do petróleo e seus

derivados –, a mesma sofreu forte impacto com a elevação drástica do preço do combustível fóssil.

Um quarto elemento necessário à compreensão da crise de 1970, foi o processo de fuga de capital produtivo para o setor financeiro. Diante da redução das taxas de lucro obtido com o investimento nas industrias, muitos dos grandes investidores buscaram as bolsas de valores para manter um crescimento – ainda que virtual – de seus rendimentos. Consequentemente, a saída desse aporte financeiro agravou a desaceleração da reprodução do capital no setor produtivo.

A condensação desses fatores, junto com a piora nos índices sociais, resultou na eclosão de uma grave crise do capitalismo que, mesmo tendo caráter de cíclica, colocou esse sistema produtivo em uma encruzilhada histórica: ou promovia um profundo processo de reorientação de seus mecanismos de reprodução, ou seria a sua derrocada final.

Como pode ser observado nos anos seguintes, em resposta à grave crise enfrentada nesse período, o modo de produção capitalista passou por uma reformulação em seu modo de organização. A sua meta principal era reestabelecer padrões aceitáveis de reprodução do capital e seus efeitos foram retratados, basicamente, em três âmbitos distintos do metabolismo social: na organização da produção, o toyotismo figurou como novo paradigma nos grandes empreendimentos (posteriormente, sendo espraiado para as empresas de diversos portes); no plano político, por meio da adoção da agenda neolibera l pelos Estados; e, no plano do desenvolvimento do capital, o crescimento da esfera financeira como destino do capital produtivo (Antunes, 1999; Harvey, 2010).

Para a classe trabalhadora, a reestruturação produtiva trouxe a intensificação de sua exploração e agravamento de sua condição de vida. Assim, uma das principa is consequências derivadas dessas mudanças foi a emergência do desemprego estrutural e o

adensamento da precarização do trabalho. Quanto ao primeiro, as décadas de 1980 e 1990 foram avassaladoras na destruição dos postos de trabalho: somente no Brasil, foram mais de três milhões de empregos perdidos (Mattoso, 1999). Essa tendência foi acompanhada nos países centrais, com as taxas de desemprego elevando-se em 3%127.

Por sua vez, a precarização constituiu-se na proliferação de formas de trabalho atípicas que se caracterizavam por trabalhos arranjados de formas diversas do modelo de assalariamento construído no taylorismo- fordismo. Surgiram contratos de trabalho temporário, de tempo parcial, remuneração por produção ou por hora, trabalho em casa, prestação de serviço, terceirização, quarteirização, dentre outras (Vasapollo, 2006). A criatividade capitalista para a contratação da força de trabalho se tornou imperativo para a intensificação do processo de extração de mais valia, pois as novas formas de trabalho pressupunham, por um lado, o barateamento da força de trabalho pelo desrespeito aos direitos trabalhistas conquistados e, por outro, a intensificação do trabalho de forma relativa e absoluta (Alves, 2000). Essa tendência se manteve com o encurtamento do tempo entre a ocorrência de uma crise e outra, bem como a partir da expressão de outra grave crise do capitalismo em 2008 (Harvey, 2011)128.

Diante desse progressivo quadro de redução no volume de empregos disponíveis, os trabalhadores foram forçados a aderirem às novas formas de trabalho, caso contrário, pereceriam de inanição – já que o combate a essa situação fora enfraquecido com a desestruturação da organização da classe trabalhadora (Mandel, 1982). Para os que admitiram a sua submissão a esses trabalhos, outro impedimento emergiu: mesmo os postos de trabalhos precarizados não são acessíveis ou suficientes ao total de

127 Behring e Boschetti (2008), traduzindo Navarro (1998), apresentam que, comparando o período de 1974- 1979 com 1980-1990, verificou-se uma variação positiva de crescimento do desemprego nos países da OCDE de 3,2%, na União Europeia, de 3,7%, no EUA de 0,5% e no Japão de 0,6%.

128 Segundo a Eurostat, em fevereiro de 2014, os índices de desemprego em diversos países eurocidentais encontrava-se acima de 10%, como é o caso da Irlanda (11,9%), Espanha (25,6%), França (10,4%), Itália (13%) e Portugal (15,3%).

trabalhadores e trabalhadoras que os procuram. É nesse cenário, de avanço do binômio desemprego-precarização, que as práticas de trabalho nomeadas de “informa is ” emergiram e passaram a ocupar espaço de destaque na produção científica e debates políticos.

É fato que, nos países periféricos, a universalização do trabalho assalariado nunca foi uma realidade, e práticas que agora podem ser nomeadas como informais são verificáveis desde os primeiros relatos sobre o trabalho nesses lugares. Contudo, esse fenômeno passa a ganhar maior relevância quando se afirma não como o resultante de um padrão desviante de crescimento, mas como o subproduto do sociometabolismo atual do capitalismo, evidenciado a partir da reestruturação produtiva. Mesmo que receba outros nomes em países distintos (economia subterrânea, trabalho não fordista, economia popular etc.) o fato é que se tratam de modelos de trabalho que escapam ao padrão taylorista-fordista de assalariamento e revelam o modo como os trabalhadores e trabalhadoras, mais ou menos autônomos, se organizaram para sobreviver frente à desestrutura do mercado de trabalho (Alves & Tavares, 2006; Beloque, 2007; Tavares, 2004; 2010).

Estando postas as principais determinações histórico-sociais relativas à informalidade, é possível passar a discutir, mais detalhadamente, o conceito de informalidade adotada nessa tese, com base na tradição próxima ao marxismo e apresentar um quadro mais amplo sobre o estado dos trabalhadores brasileiros nessa situação nas últimas décadas.