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PARTE II I DEOLOGIA , S IGNIFICADO E I NFORMALIDADEIDEOLOGIA,SIGNIFICADO E INFORMALIDADE

I DEOLOGIA E SIGNIFICADO DO TRABALHO : PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

8.2. Procedimentos de coleta

A fim de atender aos objetivos elencados para esse estudo foi utilizado como instrumento entrevistas em profundidade. Ela tem por objetivo acessar valores, crenças e significados atribuídos pelos sujeitos a um determinado fenômeno (Minayo, 2006). Dessa forma, ela se diferencia de outras estratégias de entrevista por assumir uma perspectiva de quase exaustão no processo de exploração, junto com os sujeitos, dessa dimensão simbólico-subjetiva. Para tanto será concatenada a livre expressão dos sujeitos acerca das temáticas previstas com questões que permitam o aprofundamento da compreensão das articulações cognitivas empreendidas pelos trabalhadores e trabalhadoras (follow up questions). Consequentemente, é marca desse processo de investigação uma postura ativa e curiosa do entrevistador (Rubin & Rubin, 1995). De modo geral, essa pesquisa assume características de inspiração etnográfica, no instante em que procurou estar no dia a dia dos participantes, durante as entrevistas e visitas de campo, apropriando-se não apenas da fala dos sujeitos, mas também das interações e organização do seu espaço de vivência.

Ao mesmo tempo em que os sujeitos concordaram em participar da pesquisa, se opuseram a gravação das entrevistas. Dessa forma, o registro das informações ficou condicionado à construção de um relato do pesquisador sobre a interação com cada um desses sujeitos. Na seção de Anexos constam o relato dos seis participantes que serão analisados aqui.

Esse desenho de pesquisa aproxima-se de outros estudos, como o de Lacerda Jr e Guzzo (2012) que, por meio do recurso das histórias de vida – um tipo de entrevista em profundidade – levantaram a situação de alienação de uma trabalhadora quanto à sua existência; e de Neves et al (1998) que levantou a presença da ideologia dominante nos discursos de trabalhadores desempregados por meio de entrevistas com esses sujeitos.

As questões que nortearam as entrevistas foram136:

 Trajetória profissional: idade de ingresso em atividade laboral, trabalhos realizados anteriormente (características, condições de trabalho e ramo de atividade), momento da vida em que se tornou um trabalhador por conta própria informal.

 Contexto de trabalho: como realiza o seu trabalho, interações estabelecidas com outros trabalhadores por conta própria ou trabalhadores contratados, relação com possíveis fornecedores e consumidores, organização e rotina de trabalho, uso do tempo livre e aquisição de conhecimentos.

 Significados do trabalho: opiniões e avaliações acerca do que é trabalhar, qual a importância que isso tem na vida do entrevistado, o papel dos direitos trabalhistas, dos sindicatos, da greve, a relação entre trabalhador - empresa.

 Significados do trabalho na informalidade: motivações para o ingresso nessa forma de trabalho, dificuldades e prazeres relacionados ao trabalho informal, relacionamento com outros trabalhadores por conta própria, valorização pessoal do trabalho nesse contexto, modos de solucionar problemas emergentes do trabalho, intenção de permanência nessa condição de trabalho, projetos para curto, médio ou longo prazo no mundo do trabalho, estratégias utilizadas para alcançar esses projetos.  Significados do trabalho formal: avaliações sobre o que é o trabalho

assalariado formal; experiências com relação ao assalariamento.

Para a construção desse roteiro resgataram-se algumas características tanto do fenômeno do significado, como da ideologia. De modo imediato, no cotidiano, na fala dos sujeitos, sejam os significados, seja a ideologia, aparecem como um amalgama que, em sua forma aparente é indivisível. Conforme exposto em capítulos anteriores, Vigotski (2009) ao relatar o processo de elaboração verbal dos pensamentos demostra como esse ato carrega consigo a união dialética entre o sentido e significado, a necessidade da realização do pensamento em palavras. Avançando sobre essa compreensão, a unidade não seria apenas entre sentido e significado, mas, juntamente, a ideologia, no instante em que os significados que compõem tal dialética são o conteúdo da própria ideologia.

Portanto, se em sua forma imediata, empírica, esses três elementos compõe m uma unidade dialética na consciência dos indivíduos, a depuração de cada uma dessas instâncias apenas é possível com o esforço intelectual do pesquisador em reconstruir abstratamente esse composto. É precisamente nesse movimento ativo do pesquisador que é possível apreender a essência desse fenômeno, ou seja, os determinantes e a natureza específica de cada um desses elementos.

De acordo com as assertivas acerca do significado (em Vigotski) e da ideologia (em Lukács), a compreensão, seja de um, seja de outro, não se encerra apenas no plano das ideias. Ambos estão, a seu modo, enraizados na própria dinâmica material da vida humana, no instante em que essas condições objetivas determinam as alternat ivas possíveis para a elaboração, seja dos significados na instância pessoal, seja das ideologias. Com isso, é central a apreensão das determinações históricas, também, no plano pessoal e social, e das ações objetivas realizadas, para avançar da aparência desses fenômenos, em direção a sua essência.

Com base nesses pressupostos, é que se incluiu no roteiro os eixos temáticos “Trajetória profissional” e “Contexto de trabalho”, considerando que ambos participam

da construção histórica (e biográfica) dos significados conscientizados que serão investigados. Esses elementos são os determinantes históricos da unidade entre sentido e significado, e sem eles, a compreensão acerca da gênese, desenvolvimento e dinâmica desse par estaria comprometida.

Ao que concerne especificamente ao conteúdo dos significados conscientizados, optou-se pela divisão em três eixos – “Significado do trabalho”, “Significado do trabalho informal” e “Significado do trabalho formal” –, por considerar que está em pauta, ao mesmo tempo, tanto a questão do trabalho de maneira geral, em sua forma abstrata, bem como o trabalho em específico desenvolvido pelos sujeitos. Essa divisão é necessária pelo trabalho, ou mais precisamente, pela venda/apropriação da força de trabalho, possuir traços genéricos – pura capacidade de mobilizar energias dos homens e mulheres para a realização de uma atividade laboral –, como traços específicos – a forma como, em cada trabalho em particular, essa força é aplicada. Conforme o uso da força de trabalho no capitalismo assume esse duplo aspecto, também é possível que o modo de significar e atribuir sentido ao trabalho, seja travessada por essa mesma dualidade.

Por sua vez, os significados relativos ao trabalho específico dos participantes – o trabalho por conta própria como feirante –, escolheu-se aprofundar na relação entre esse modo de trabalho e o formalizado, considerando que ambos estão em tensão contínua e, em muitos casos, organicamente ligados.

Considerando que esse roteiro subsidia um estudo acerca da ideologia presente nesse contexto, e ela, por definição, precisa atuar sobre as práxis sociais para a resolução de um determinado conflito social, serão investigados alguns aspectos relativos ao conflito capital-trabalho junto a esses sujeitos, quais sejam, os relacioname ntos estabelecidos nesse contexto de trabalho (entre os camelôs e seus clientes, seus auxiliares e demais camelôs) e o projeto de vida laboral desses sujeitos (se pretende continuar na

informalidade, se quer retornar ou entrar na forma assalariada de trabalho etc.). Essas questões tentam, também, oferecer subsídio para o debate presente nos estudos sobre a informalidade, quanto aos seus efeitos sobre o processo de luta de classes. Assim, considera-se as posições distintas existentes atualmente no campo que, por um lado concebe a informalidade como uma forma de desagregar os trabalhadores e as trabalhadoras, promovendo um individualismo e desmobilizando para as lutas de classe (Touraine, 1987); e por outro lado, a informalidade promoveria maior solidariedade e cooperação entre esses sujeitos (Busso, 2004; 2007).

Esse roteiro se aproxima de outros trabalhos acerca do significado dentro de uma abordagem histórico-cultural como o de Coutinho, Diogo e Joaquim (2008), D'Olive ira (2007), Losada e Coutinho (2007), Natividade e Coutinho (2012) e Oliveira (2011).

A coleta de dados ocorreu entre os meses de outubro e dezembro de 2015. Durante esse período, foram realizadas visitas ao menos três vezes em cada semana, prioritariamente no turno matutino, com dois objetivos. O primeiro deles era o de explorar a dinâmica mais geral de funcionamento do camelódromo, observando a forma como os feirantes interagiam entre si, se comportavam em suas barracas, se relacionavam com os clientes, utilizavam-se dos espaços do camelódromo dentro outros elementos do dia a dia desse local. Para tanto, o pesquisador tanto se utilizava de espaços comuns do camelódromo, como lanchonetes, bancos ou caminhando entre os corredores e ruas ao redor dele. Nesses momentos, a atividade – que por vez durava um turno inteiro – era de interagir observar atentamente a dinâmica das pessoas naquele espaço, como conversar informalmente com esses (seja, com os feirantes, em como aquele espaço se organiza va e como era o trabalho lá, seja, com os clientes, como era a utilização daquele espaço por eles e sua opinião sobre ele). Esse tipo de visita era mais frequente nas primeiras semanas de coleta de dados, como forma de subsidiar o desenho de alguma estratégia de

abordagem dos feirantes; e durante a coleta em si, ainda foram realizadas visitas dessa espécie a fim de proporcionar novas reflexões sobre o trabalho naquele lugar, bem como reorientar estratégias de coleta.

O segundo tipo de visita tinha por objetivo, efetivamente, realizar as entrevistas. Para tanto, em uma das visitas de reconhecimento, pediu-se orientação a presidenta da Shoppene (Shopping de Pequenos Negócios do Alecrim), acerca de que feirantes poderiam ser informantes com abertura para participar da pesquisa. Por meio dessa orientação é que foi possível realizar a primeira entrevista. Nessas primeiras entrevistas avaliou-se a necessidade de adentrar a campo com alguma identificação institucional a fim de reduzir a desconfiança dos feirantes acerca da participação na pesquisa. Desse modo, foi providenciada uma camisa uniformizada da UFRN. A abordagem aos feirantes ocorria de duas formas (a depender da dinâmica particular do dia da entrevista): uma, era a de pedir, ao entrevistado, indicação de outro feirante que pudesse participar da pesquisa; outra, utilizada quando havia um número elevado de participantes de um mesmo setor, era o de abordagem direta com feirantes de setor diverso.

As entrevistas foram realizadas durante o período de trabalho dos feirantes, no próprio espaço de seus boxes no camelódromo e a dinâmica das entrevistas ocorreu de forma mais ou menos semelhante, sendo seguido esses procedimentos: 1) apresentação pessoal e da pesquisa, 2) pedido claro de anuência para a participação na pesquisa e para o registro da mesma, 3) apresentação do roteiro de perguntas, 4) realização das perguntas em esquema de diálogo e respeitando a execução das atividades laborais deles, 5) agradecimento e entrega de material informativo com o objetivo da pesquisa e contatos pessoas e institucional para o esclarecimento de dúvidas, 6) deslocamento até um ponto de apoio fora do camelódromo, no qual era realizado o registro imediato do relato da entrevista. Esse relato foi feito pelo pesquisador-entrevistador, seguindo o roteiro que

guiou a entrevista, sendo esse auto relato gravado e posteriormente transcrito, sendo possível acessar os relatos individualizados das 12 entrevistas na seção de Anexos dessa tese. De maneira geral, as entrevistas tiveram duração de uma hora e meia a duas horas.