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CRISE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 148

No documento Repercussão geral no Supremo Tribunal Federal (páginas 148-152)

1 CONTROLE E UNIFICAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO DAS

2.9 CRISE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 148

A denominação “crise do STF” representa o fenômeno de desequilíbrio existente entre o número de feitos protocolados e o

número de julgamentos proferidos por essa Corte.159 A entrada de novos

                                                                                                                                                                                                                                         

por meio de nova Emenda Constitucional”. (LAMY, Eduardo de Avelar. Reflexões sobre os filtros, a temática do acesso à Justiça e o funcionamento do Supremo Tribunal Federal. Revista de Processo Comparado, v. 1, p. 97-113, jan./jun. 2015).

158 ASSIS, Araken de. Manual dos recursos... 2015, p. 743.

159 André Luís Bergamaschi e Fernanda Tartuce declaram: “Vivemos tempos de

crise... Aliás, é difícil recordar época em que esta frase não foi usada no Brasil em geral e em nosso Poder Judiciário, em específico. A impressão, porém, é que com o passar do tempo fortes adjetivos podem ser apropriadamente adicionados à expressão: vivemos tempos de crise complexa, árdua, complicada e muitas vezes inviabilizadora do acesso à justiça”. (BERGAMASCHI, André Luís; TARTUCE, Fernanda. Repercussão geral da questão constitucional em demandas familiares. In: FUX, Luiz et al. (Coord.). Repercussão geral da

processos supera a capacidade do órgão judicial em produzir decisões, razão pela qual os processos vão-se acumulando e congestionando os gabinetes do Ministros. A existência da crise apresentou seus primeiros sinais no Decreto n. 20.669 de 23 de novembro de 1931 que dispunha, no artigo 1.º, que o STF realizaria, “enquanto não esgotar a apura das causas com dia, quatro sessões semanais, de 1.º de abril a 30 de novembro, e três de 1.º de dezembro a 31 de janeiro, data em que

começam as férias”.160

De acordo com Maria Isabel Gallotti, a tarefa do STF sempre lhe pareceu “hercúlea”. Relata a autora que, da Constituição de 1891 até o ano de 1986, foram autuados 106.041 recursos extraordinários, 104.308 agravos de instrumento e 30.266 arguições de relevância, revelando que, em menos de um século, 240.575 feitos chegaram ao Supremo. Menciona, ainda, que já se falava de crise em meados de 1915, mas o fenômeno foi acentuado a partir do final da década de 1940, sendo que, até o ano de 1946, cerca de 10.000 recursos extraordinários foram

interpostos. A partir de então, o número cresceu vertiginosamente.161

A situação foi agravada no referido ano, outrossim, em razão da criação do recurso ordinário em mandado de segurança, uma vez que o julgamento se dava no Pleno. Tendo em vista o crescimento de processos no âmbito do STF, a legislação deu permissão para organização do Tribunal em turmas, para melhor escoamento do trabalho, compreendendo-se que não mais seria possível manter “a

unidade orgânica do Supremo”.162

                                                                                                               

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BUZAID, Alfredo. Estudos de Direito I... 1972, p. 144-145. O autor complementa com a seguinte observação: “Se já em 1931, quando ainda o número de feitos que ascendiam ao Supremo não atingia duzentos por ano, não se esgotava a pauta de julgamentos, que se dizer do volume crescente de causas que continuavam a subir nos anos subsequentes? As estatísticas mostram que a partir de 1934 começam a avolumar-se os recursos extraordinários: 150 em 1935; 230 em 1936; 242 em 1937; 210 em 1938; 286 em 1939; 804 em 1940; 1.047 em 1941; 1.113 em 1942; 1.124 em 1943. Os recursos extraordinários distribuídos às turmas, alcançaram 3.849 em 1956 e 3.433 em 1957. No quinquênio 1953/1957, foram julgados no Supremo 13.081 recursos extraordinários, assim distribuídos: 1953, 2.574; 1954, 2.167; 1955, 2.508; 1956, 2.406 e 1957, 3.346”. (BUZAID, Alfredo. Estudos de Direito I... 1972, p. 145-146).

161 GALLOTTI, Maria Isabel. Recurso especial como instrumento de

uniformização do direito federal... 2014, p. 650.

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Mas a causa para o acúmulo de trabalho realmente reside, primordialmente, na competência recursal extraordinária. É fácil constatar que a sobrecarga não deriva das causas de competência originária do Supremo, que segundo Rodolfo Mancuso Camargo, “muitas delas não são apresentadas amiúde; outras resolvem-se no chamado juízo de delibação, ou seja, de revisão sob o aspecto formal; em outras, cuida-se de julgamento de altas autoridades, por crimes

comuns ou de responsabilidade”.163 Também não se atribui a

problemática aos casos que envolvam crimes políticos, dispostos na alínea “b” do inciso II do artigo 102 da Constituição.

A partir dessa análise de competências que o STF exerceu ao longo da sua história e evolução, é possível concluir que o cerne do problema está, realmente, no número expressivo de recursos extraordinários interpostos, ano após ano, que se acumulam na Corte

Suprema do país.164 Até 1950, ou seja, nos primeiros sessenta anos, os

recursos não chegavam a 17.000. Ao final de 1965, em contrapartida, o total já ultrapassava o montante de 60.000. E, de 1953 a 1968, o número

quase quadriplicou.165-166

Conforme se observou anteriormente, o recurso extraordinário podia ser exercitável nos mais variados ramos do direito objetivo sempre que se mostrasse presente uma “questão federal ou

                                                                                                               

163 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso

especial... 2015, p. 103. O doutrinador também descarta a fonte da crise estar

nos remédios constitucionais: “Quanto ao habeas corpus, mandado de segurança, habeas data e mandado de injunção denegados em única instância pelos Tribunais Superiores (CF, art. 102, II, a), e bem assim quanto às ações no controle direto da inconstitucionalidade de leis e atos do Poder Público (CF, art. 102, §§ 1.º e 2.º; art. 103, § 2.º; Leis 9.868/99 e 9.882/99), malgrado sua inconteste relevância no contexto jurídico-político nacional, não parecem compor um volume de processos tão exacerbado a ponto de comprometer a marcha normal do serviço judiciário no STF”. (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial... 2015, p. 103).

164 Coaduna com o entendimento: “Não é preciso análise penetrante para

descobrir que a causa profunda da crise de serviços da Corte Excelsa deriva do instituto que estamos estudando. Basta correr os olhos no elenco de atribuições do Supremo, e aí se constatará essa verdade”. (SILVA, José Afonso da. Do

recurso extraordinário no direito processual civil brasileiro... 1963, p. 447).

165 BALEEIRO, Aliomar. O Supremo Tribunal Federal... 1968, p. 123. 166

constitucional”, circunstância que torna completamente compreensível a

pletora de processos no âmbito da Suprema Corte.167

Assim, tornam-se conhecidos os motivos que levaram às diversas tentativas, por alterações legislativas, para superação da crise do STF, inclusive, a criação do STJ. Até a instituição deste último pela Constituição de 1988, o recurso extraordinário zelava pela guarda não somente da Constituição, como também da legislação federal do país. Era, portanto, muito grande sua abrangência.

Mas como se verá, a solução encontrada pela CF de 1988, em dividir a competência do STF com um novo tribunal superior, não anulou os efeitos da crise. Parte da problemática passa a ser a

prolixidade da Constituição.168 Com efeito, a fim de firmar garantias,

que historicamente foram negadas no Brasil, constitucionalizou-se um número excessivo de matérias que, ao final do processo, são facilmente suscitadas para viabilizar a abertura da via extraordinária.

As consequências do excesso de trabalho são inúmeras, sendo impossível que apenas onze Ministros profiram decisões ponderadas com tal sobrecarga. O STF, como responsável pela prevalência da matéria constitucional, que trata de garantias individuais, equilíbrio institucional e princípios democráticos, necessita de tempo para debate e mediação das questões. Não somente a falta de tempo para apreciação dessas matérias coloca em risco o bom desempenho do órgão de cúpula, mas também a quantidade de temas a serem decididos gera certa

dificuldade de assimilação das consequências pela sociedade.169

                                                                                                               

167 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso

especial... 2015, p. 78.

168 Sobre a temática, expõe Eduardo de Avelar Lamy: “Inconsequentemente, a

Constituição de 1988 preocupou-se em regular as mais diferentes questões, desde gás canalizado (CF, art. 25, § 2.º) até o Colégio Pedro II (CF, art. 242, § 2.º), dando-lhes o status de assuntos constitucionais e terminando por atingir a excessiva extensão de 250 artigos, excluindo o ato das disposições constitucionais transitórias!” (LAMY, Eduardo de Avelar. Reflexões sobre os filtros... 2015).

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OTEIZA, Eduardo. A função das Cortes Supremas na América Latina. História, paradigmas, modelos, contradições e perspectivas. Revista de

Processo, São Paulo, ano 35, n. 187, p. 181-230, set. 2010. O doutrinador

complementa o diagnóstico “Em cada um dos países mencionados, é inegável a importância atribuída à missão da Corte e ao mesmo tempo é evidente que os problemas referidos à carga de trabalho e à necessidade de descongestioná-los se repetem em todos eles. […] O direito ao recurso tem sido entendido na América Latina como a necessária existência de mais de duas fases de revisão.

No documento Repercussão geral no Supremo Tribunal Federal (páginas 148-152)