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1 CONTROLE E UNIFICAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO DAS

1.2 A UNIFICAÇÃO DO DIREITO FEDERAL E

1.2.1 Federalismo 57

Foi com a Constituição norte-americana de 1787 que o

federalismo surge como expressão do Direito Constitucional.123 De

acordo com José Afonso da Silva, quando há referência ao federalismo, no âmbito do Direito Constitucional, trata-se de uma forma de Estado, designada federação ou Estado Federal, que é “caracterizada pela união de coletividades públicas dotadas de autonomia político-constitucional,

autonomia federativa”.124

Os Estados Unidos, portanto, possuem uma estrutura federal de governo, que consiste em um governo nacional e cinquenta estados. Estes estados estão subordinados ao governo nacional, sendo que os termos dessa subordinação e o alcance da autoridade governamental estatal são definidos por regras jurídicas, constitucionais e estatutárias. Entretanto, não se afasta a ampla autoridade governamental que os

                                                                                                               

121 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso Especial, recurso

extraordinário... 2008, p. 243.

122

POLLAK, Louis H. The Constitution and the Supreme Court… 1968, p. XV- XVI.

123

André Hauriou ensina que o objeto essencial da Constituição de 1787 é o estabelecimento de um pacto federativo; a organização de um sistema sensivelmente mais centralizado. (HAURIOU, André. Droit Constitutionnel et

institutions politiques. 5 ed. Paris : Éditions Montchrestien, 1972, p. 392).

124 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33 ed.

estados possuem em suas esferas próprias. Assim, a Constituição americana criou o governo federal e definiu seus poderes, deixando aos

estados a autoridade residual não delegada ao governo federal.125

Geoffrey C. Hazard e Michele Taruffo informam que, inicialmente, o governo nacional preocupou-se, principalmente, com questões ligadas às relações exteriores, desenvolvimento do território oeste das montanhas Appalachian e com questões relacionadas à escravidão.

No entanto, durante os últimos séculos, a esfera federal cresceu consideravelmente, muito em virtude do desenvolvimento econômico e político, mas também em razão de alterações legais. Tais modificações incluem emendas constitucionais; a expansiva interpretação judicial da linguagem constitucional, especialmente o poder de regulação do comércio entre os diversos estados; e, por fim, implementações do Congresso sobre a expansão da autoridade constitucional por decretos e regulação administrativa. Desse modo, aspectos de negócios e transações financeiras, assim como funções dos estados e governos

locais são, agora, em grande parte, regulados pela legislação federal.126

No âmbito dessa esfera de autoridade, o governo federal é, legalmente, superior ao dos estados. A supremacia da Constituição e da lei federal está devidamente expressa na Constituição norte-americana em seu artigo VI, parágrafo segundo; disposição essa que ficou doutrinariamente conhecida como “Cláusula de Supremacia

Constitucional”.127 A cláusula ainda se refere a que todos os juízes –

                                                                                                               

125 HAZARD JR, Geoffrey C.; TARUFFO, Michele. American Civil

Procedure… 1993, p. 34. José Afonso da Silva salienta que soberania e

autonomia devem ser diferenciadas. “No Estado federal há que distinguir

soberania e autonomia e seus respectivos titulares. Houve muita discussão

sobre a natureza jurídica do Estado federal, mas, hoje, já está definido que o Estado federal, o todo, como pessoa reconhecida pelo Direito internacional, e o único titular da soberania, considerada poder supremo consistente na

capacidade de autodeterminação. Os Estados federados são titulares tão-só de

autonomia, compreendida como governo próprio dentro do círculo de

competências traçadas pela Constituição Federal”. (Grifo original). (SILVA,

José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo... 2010, p. 100).

126

HAZARD JR, Geoffrey C.; TARUFFO, Michele. American Civil

Procedure… 1993, p. 35.

127 “Article VI. [...] This Constitution, and the Laws of the United States which

shall be made in Pursuance thereof; and all Treaties made, or which shall be made, under the Authority of the United States, shall be the supreme Law of the Land; and the Judges in every State shall be bound thereby, any Thing in the

inclusive os das cortes estaduais – estão obrigados a dar efeito às disposições constitucionais e às leis federais, mesmo diante de lei

estadual que as contrarie.128

Levando em consideração que a interpretação das leis é característica própria e particular dos tribunais e que a Constituição é a lei fundamental, deve ser assim considerada pelos juízes. A fixação do significado constitucional, bem como de qualquer ato procedido pelo Corpo Legislativo, deve ser procedida pelo Judiciário. No entanto, a

Constituição deve ser priorizada em face dos estatutos.129

A constituição do governo federal, nos Estados Unidos, contudo, não foi tão simples quanto parece. À época, fez-se presente a resistência dos pequenos estados que foram, naturalmente, hostis ao estabelecimento de um governo central muito forte, pois temiam que a fragilidade da sua população ou economias os colocaria em

desvantagem.130

Alexis de Tocqueville menciona que os governos, em um modo geral, têm a sua disposição dois meios de vencer as resistências opostas pelos seus governados. O primeiro seria a força material, encontrada em si mesmos; o segundo, a força moral dada pelas decisões dos tribunais. Tendo em vista esses dois instrumento, o autor conclui que um governo que apenas se valesse da guerra para que suas leis fossem cumpridas,

                                                                                                                                                                                                                                         

Constitution or Laws of any State to the Contrary notwithstanding”. Acerca da aplicação desta cláusula constitucional pela Suprema Corte, ver item 1.2.2, que aborda, em síntese, o famoso caso Marbury vs. Madison.

128 Sobre o assunto, disserta Mauro Cappelletti: “Este texto, na interpretação que

dele se impôs especialmente por mérito de John Marshall, foi de importância fundamental e de profundo caráter inovador: ele fixou, por um lado, aquilo que foi chamado, precisamente, de a supremacia da Constituição, e impôs, por outro lado, o poder e o dever dos juízes de negar aplicação às leis contrárias à Constituição mesma”. (CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de

constitucionalidade... 1984, p. 47). “Surge, então, a ideia da supremacia da

constituição. O estado de direito é um estado constitucional, pois pressupõe a existência de uma constituição que sirva de ordem jurídico-normativa fundamental vinculativa de todos os poderes públicos”. (GAVAZZONI, Antonio Marcos. Disponibilidade do servidor público: a leitura do garantismo

jurídico. 2001. 125f. Dissertação de mestrado em Direito – Universidade

Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001, p. 28).

129 HAMILTON, Alexander. N. 78. The Judiciary Department. In:

HAMILTON, Alexander; JAY, John; MADISON, James. The Federalist

Papers. Kindle Edition. ASIN: B004TPP976. 2011, p. 242-243.

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estaria muito próximo da ruína.Assim, a justiça surge com o grande objetivo de substituir a ideia de violência pelo Direito, situa-se entre o

governo e o emprego da força material.131

A influência moral de que são revestidos os tribunais, minimiza, destarte, o emprego da força material. Logo, o governo federal, considerando o caso americano, deveria desejar mais do que qualquer outro governo obter o apoio da justiça, tendo em vista sua fragilidade e facilidade de organizações em face dele.

Em contraposição ao que se observou no caso da Constituição francesa de 1791 – que temia o estabelecimento de um controle constitucional judiciário –, à Constituição dos Estados Unidos parecia útil estabelecer esse controle para se assegurar contra decisões de uma

maioria conjuntural que poderia alterar as regras estabelecidas.132

Dessa forma, o governo federal americano precisava, mais do que qualquer outro, do auxílio da justiça, pois constituído por estados independentes que não possuíam uma real intenção de obedecer ao governo central. Ainda que tenham dado o direito de comando a um governo centralizado, reservavam-se, cautelosamente, da possibilidade de lhe desobedecer. Ocorre que é importante para a segurança e a liberdade de todos que os diferentes poderes do Estado tenham a mesma origem, rejam-se pelos mesmos princípios e atuem dentro da mesma

esfera.133

                                                                                                               

131 TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na américa. Tradução de Neil

Ribeiro da Silva. 2 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1977, p. 110-111.

132 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder Judiciário… 1995, p. 39. O autor

esclarece: “Não é necessário muito esforço para perceber que semelhante radicalização correspondia ao estabelecimento de uma hegemonia de classe frente à nobreza destituída, mas que continuava a constituir uma ameaça e que poderia recuperar o poder. A Constituição francesa de 1791 foi a Carta de uma classe que procurava assegurar sua recém obtida hegemonia política frente à ameaça da classe destituída, que, porém, conservava certo poder. A contrapartida dessa situação é fornecida pela Revolução Americana, que se havia limitado a destituir a potência colonialista, não tinha nenhuma ‘classe interna perigosa’, afastada do poder e que mantivesse intacta sua pirâmide colonial. Nenhum perigo se lhe impunha à classe dirigente norte-americana, que se havia limitado a declarar sua independência, adotando uma defesa fundada na ditadura da maioria”. (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder Judiciário… 1995, p. 39).

133

Questionavam-se, portanto, como fariam para que o cidadãos obedecessem às leis e para repelir às agressões de que a União poderia ser alvo. A resposta foi encontrada no Poder Judiciário. No entanto, cada estado já era dotado de uma organização judiciária, mas, por óbvio, a União não poderia adaptar ao seu uso essas organizações estatais já estabelecidas.

Um Estado não possui condições de subsistir enquanto suas leis fundamentais puderem ser interpretadas e aplicadas de maneiras diferentes a um só tempo, em razão das diversas organizações judiciais existentes em cada ente da federação. Dessa forma, os legisladores americanos anuíram em criar um Poder Judiciário federal para aplicação das regras da União e decisão das questões de interesse geral de que necessitavam de uma definição mais minuciosa. Logo, todo o Poder Judiciário da União foi concentrado em um tribunal denominado de

Suprema Corte dos Estados Unidos.134 Entretanto, cumpre salientar que,

para facilitar o andamento das questões, foram acrescidos a essa Corte tribunais inferiores federais incumbidos da tarefa de julgar casos de menor complexidade ou decidir em primeira instância questões mais

graves.135

Alexander Hamilton, na obra “O Federalista”, relata que as leis são letras mortas sem as cortes para interpretar e definir seus reais significados. Menciona que, para se produzir uniformidade das determinações judiciais, devem ser submetidas, em última instância, a um Supremo Tribunal. Se em cada estado existe uma corte de jurisdição final, poderá haver tantas determinações finais na mesma medida que o número de cortes. Para evitar a confusão sobre decisões contraditórias, resultado de jurisdições independentes, a toda nação é necessário estabelecer uma corte paradigma para todo o resto, possuindo uma

                                                                                                               

134 É possível observar que a Suprema Corte não representava qualquer

influência ofensiva aos demais poderes, tanto que Alexander Hamilton, na obra “Os Federalistas”, descreve que o Judiciário, a partir da natureza das suas funções, que não teria força nem vontade, mas apenas julgamento, seria sempre o menos perigoso para os direitos políticos da Constituição. Nesse ponto, o desenvolvimento da teoria da separação dos poderes nos Estados Unidos se distingue daquele decorrido na França, em que se acreditava que o Poder Judiciário poderia ser o grande contraventor dos direitos políticos estabelecidos na Constituição.

135

superintendência geral e autorizada para fixar e declarar, em última

instância, uma regra uniforme da justiça civil.136

A necessidade de instituição de um tribunal nesses moldes mostra-se ainda mais evidente diante de um governo composto, em que as leis do todo podem ser ameaçadas de contravenção pelas leis das partes. Alexander Hamilton ponderava, à época, que os tratados dos Estados Unidos, sob a Constituição, estavam à mercê de infrações de treze legislaturas diferentes e tanto quanto de distintas cortes de jurisdição final que atuam sob a autoridade daquelas legislaturas. Assim, a fé, a paz e a reputação de toda a União ficavam, continuamente,

sujeitas aos interesses de cada membro da sua composição.137

A jurisdição federal define-se, assim, à tutela dos processos que possui a sua fonte nas leis da União e, também, sobre todos aqueles que se fundam em leis dos estados federados, mas que são contrárias à Constituição.

Em síntese, existe uma dualidade de ordens jurídicas no federalismo norte-americano, equilibrando-se uma ordem jurídica dos entes federados e uma ordem jurídica central. A competência legislativa dos estados federados, por sua vez, é residual, enquanto a do governo central é especificamente fixada. Entretanto, do conflito entre esses dois planos normativos, desenvolveu-se a regra da supremacia das leis proferidas pelo governo central, sendo de incumbência da Suprema Corte americana zelar pelo integral respeito dessas divisão de

competências.138

                                                                                                               

136 HAMILTON, Alexander. N. 22. The same subject continued (other defects

of the present Confederation). In: HAMILTON, Alexander; JAY, John; MADISON, James. The Federalist Papers. Kindle Edition. ASIN: B004TPP976. 2011, p. 67-68.

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HAMILTON, Alexander. N. 22. The same subject continued (other defects of the present Confederation). In: HAMILTON, Alexander; JAY, John; MADISON, James. The Federalist Papers. Kindle Edition. ASIN: B004TPP976. 2011, p. 68.

138 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso Especial, recurso