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1 CONTROLE E UNIFICAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO DAS

2.3 A REPÚBLICA E A CONSTITUIÇÃO 1891 101

2.3.3 Criação do Recurso Extraordinário 112

2.3.3.1 Origem 112

Uma vez adotado o regime federativo, como bem mencionado, tornou-se necessária a criação de um órgão judicial para preservação do modelo político. Não obstante, fez-se igualmente necessária a instituição de um mecanismo, um recurso, a ser destinado a esse Tribunal de cúpula

para preservação da legislação federal56 – aqui se refere tanto à

legislação infraconstitucional como constitucional –, garantindo sua inteireza e uniformidade na aplicação em todo território nacional. Independente do nome concedido a esses institutos em cada ordenamento jurídico, principalmente nos países que adotam a Federação, são instrumentos, geralmente, direcionados a essa mesma

finalidade. No Brasil, foi designado de recurso extraordinário.57

                                                                                                               

56 Nesse sentido, relata Pedro Lessa: “Sendo inherentes ao regimen federativo a

dualidade de leis, elaboradas e promulgadas umas pela União e outras pelos Estados, e a dualidade de justiças, creada e mantida uma pela União e outras pelos Estados, necessario é, para assegurar a applicação das leis federaes, especialmente a da primeira dellas – a Constituição, em todo o territorio nacional, instituir um recurso para a Suprema Côrte Federal das decisões dos tribunaes locaes, em que não forem applicadas, devendo sel-o, essas leis federaes”. (sic). (LESSA, Pedro. Do Poder Judiciário. Brasília: Senado Federal, 2003, p. 100-101).

57

LIMA, Alcides de Mendonça. Recurso extraordinário e recurso especial... 1991, p. 135-136. Cumpre salientar que, inicialmente, a designação de “recurso extraordinário” não se fazia presente na redação do texto constitucional de 1891. Surgiu no primeiro RISTF, em 1891, e fora adotada nas subsequentes Constituições.

“[...] Acolhido no art. 59, § 1.º, da primeira Constituição Republicana (1891), aquela denominação – extraordinário – só veio, contudo, prevista no primeiro Regimento Interno do STF, daí passando aos textos legais subsequentes (Lei 221, de 20.11.1894, art. 24; Dec. 3.084, de 05.11.1898, Parte

O recurso extraordinário foi inspirado no writ of error norte- americano. O instrumento é “o resultado da nova fórmula política constitucional que, conquanto preservasse a autonomia judiciária dos Estados, soberano no julgamento das questões de fato, adotou semelhante remédio de caráter excepcional, a fim de assegurar o

primado da lei federal”.58 A dualidade legislativa, que emana tanto da

União quanto dos Estados federados, assim como a dualidade de Justiça, uma federal, outra estadual; e, por fim, o reconhecimento da soberania da União e a obrigatoriedade das leis federais em todo o país, impõe a instituição de um recurso para sua proteção e reconhecimento da sua supremacia sempre que deixarem de ser aplicadas pelos juízes

estaduais.59

Nesse mesmo sentido, José Carlos Barbosa Moreira ressalta que a existência de um instrumento nos moldes do recurso extraordinário pressupõe certas peculiaridades do ordenamento jurídico que o adota. Dentre elas: a pluralidade de fontes normativas, advindas do poder central e dos poderes locais; a pluralidade de órgãos judiciais com competência para aplicação das regras emanadas pelo poder central; a

hierarquia das regras jurídicas, imposta à supremacia da Constituição.60

                                                                                                                                                                                                                                         

III, arts. 678, d, e 744); e, desde então, as sucessivas Constituições Federais mantiveram dito recurso com essa denominação, que acabou consagrada”. (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 13 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 58).

58 BUZAID, Alfredo. Estudos de Direito I... 1972, p. 139-140.

59 BUZAID, Alfredo. Estudos de Direito I... 1972, p. 139-140. O autor conclui:

“Se o Congresso Constituinte não tivesse incluído entre as atribuições do Supremo o poder de anular tais sentenças, cada Estado se arvoraria em unidade soberana na aplicação do direito e poderiam surgir tantas maneiras de dizer a lei quantas fossem as justiças locais”. (BUZAID, Alfredo. Estudos de Direito I... 1972, p. 139-140).

60 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo

Civil. vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 643. Nesse sentido: “No regime

federativo, ao lado da Justiça da União, há também a Justiça dos Estados. Essa dualidade favorece a autonomia dos Estados-membros, que organizam o seu sistema de justiça. Não se quer dizer com isso que existam jurisdições diversas – já que o Poder Judiciário é nacional –, mas, sim, que há distribuição de competências. Ao lado da distribuição de competência legislativa, na esfera federal, estadual e municipal, o Poder Judiciário se encontra distribuído nos diversos Estados-membros da Federação, cujos tribunais aplicam leis federais e estaduais. Distribuída a Justiça dessa maneira, é praticamente impossível que haja uniformidade de entendimento acerca do direito federal perante todos os tribunais locais. Daí a necessidade de criar um meio através do qual se possa

Muitos autores relacionam a criação do recurso extraordinário tendo como fonte de inspiração a Suplicação do Direito antigo português e a revista do Direito brasileiro no período pré-republicano, cabível ao Supremo Tribunal de Justiça do Império no caso de nulidade ou injustiça notória. E, de fato, é impossível afastar certa proximidade, sendo que o recurso extraordinário poderia ter-se desenvolvido como evolução desses institutos. Mas como já se relatou, não foi o que

ocorreu.61

A fonte do recurso extraordinário está mesmo no writ of error americano. Embora o recurso extraordinário tenha grande proximidade aos institutos semelhantes presentes nos Estados unitários; os recursos de cassação ou de revista, e suas respectivas Cortes Supremas, podem desenvolver funções mais abrangentes, ainda que sempre destinadas à unificação do Direito, tal como o recurso extraordinário. Ocorre que o recurso extraordinário surge, propriamente, para resolver os problemas

inerentes à Federação, e por isso se afasta daqueles.62

Maria Isabel Gallotti enaltece a importância da função dos recursos excepcionais dentro de um Estado Federal de “dimensões continentais, marcado por acentuadas disparidades regionais, em que cada unidade da federação é dotada de Poder Judiciário próprio, com competência para aplicar não apenas o direito estadual, mas também o

federal”.63

                                                                                                                                                                                                                                         

alcançar a unidade de interpretação do direito federal, aqui compreendidas as normas constitucionais e as normas federais infraconstitucionais”. (MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e repercussão geral: e outras questões relativas aos recursos especial e extraordinário. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 20-21).

61

Remete-se o leitor ao item 2.2 deste trabalho.

62 SILVA, José Afonso da. Do recurso extraordinário no direito processual

civil brasileiro... 1963, p. 57-58.

63 GALLOTTI, Maria Isabel. Recurso especial como instrumento de

uniformização do direito federal. In: GALLOTTI, Isabel et al. (Coord.). O papel

da jurisprudência no STJ. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 649. “Leis

estruturais do sistema jurídico pátrio – como os Códigos Civil, Penal, de Processo Civil e Penal e a Consolidação das Leis do Trabalho, entre inúmeras outras da competência legislativa privativa ou concorrente da União – teriam, com o tempo, interpretação que as dotaria de sentido completamente diverso, quando não contraditório, se aplicadas às múltiplas situações cotidianas por Tribunais do Rio Grande do Sul ao Amazonas, de acordo com a cultura e consciência coletiva próprias de cada uma das regiões do País”. (GALLOTTI,

Assim como ocorreu com a instituição do STF, o recurso extraordinário foi inserido no sistema judicial brasileiro antes mesmo da promulgação da Constituição de 1891, por meio do Decreto n. 510 de 22 de julho de 1890. Posteriormente, foi regulamentado pelo Decreto n. 848 de 11 de outubro de 1890, que organizou a Justiça Federal no país.

Por fim, o recurso extraordinário foi recebido pela Constituição de 1891, que se referia ao mecanismo apenas como “recurso para o Supremo Tribunal Federal”, em última instância, das sentenças das Justiças dos Estados. O § 1.º do artigo 59 previa duas hipóteses para o seu cabimento: a primeira, no caso em que se questionasse a validade ou aplicação de tratados e leis federais, e o tribunal estadual decidisse contra ela; a segunda, no caso de se contestar a validade de leis ou de atos dos governos estaduais em face da Constituição ou das leis federais, e a decisão do tribunal estadual considerá-los válidos ou essas leis impugnadas.

Segundo Aliomar Baleeiro, as possibilidades de cabimento do recurso extraordinário eram cópias, quase literais, do que estava instituído no Judiciary Act de 1789, que disciplinou o writ of error

norte-americano.64

É importante ressaltar, todavia, em que pese a Constituição de 1891 tenha recepcionado o recurso disciplinado no Decreto n. 848 de 1890, restringiu uma hipótese de cabimento. O mencionado Decreto previa uma terceira possibilidade para interposição do recurso ao STF, quando a interpretação de um preceito constitucional ou de lei federal, ou de cláusula de um tratado ou convenção, “seja posta em questão, e a decisão final tenha sido contrária, à validade do título, direito e privilegio ou isenção, derivado do preceito ou cláusula”.

A restrição é apontada por José Afonso da Silva pelo fato de que o sistema federativo é mitigado no sistema brasileiro. Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, em que os Estados-membro possuem ampla competência legislativa sobre o direito material e processual, pouco resta à União, razão pela qual não haveria problema em ter o writ

of error maior amplitude. No Brasil, ao contrário, é maior a

competência legislativa da União, e por esse motivo são maiores as possibilidades de utilização do recurso extraordinário, o que justifica a

                                                                                                                                                                                                                                         

Maria Isabel. Recurso especial como instrumento de uniformização do direito federal... 2014, p. 649).

64

supressão de uma das hipóteses anteriormente prevista no Decreto n.

848.65

Com a Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926, poucas alterações foram procedidas em relação às hipóteses de cabimento do recurso extraordinário. Mantiveram-se os casos previstos nas letras a e

b, anteriormente citados, com algumas modificações sobre suas

redações; e, foram acrescidos mais dois casos, quais sejam: havendo divergência entre tribunais locais sobre a interpretação de uma mesma lei federal, circunstância que ensejaria a interposição do recurso por qualquer desses tribunais ou pelo Procurador-Geral da República; e, quando se tratasse de questão de direito criminal ou civil

internacional.66-67

                                                                                                               

65 SILVA, José Afonso da. Do recurso extraordinário no direito processual

civil brasileiro... 1963, p. 31-32. O autor esclarece que a Constituição de 1891

aderiu às hipóteses do Decreto n. 510, somente acrescentando uma outra possibilidade. “Na verdade, a fonte das normas do Recurso na Constituição de 91 é o art. 59, § 1.º, do decreto n. 510. Com efeito, o art. 59, § 1.º, da Carta Magna de 1891 transcreveu, nas letras a e b, o disposto daquele decreto, substituindo apenas a palavra aplicabilidade pela palavra aplicação. Mas criou outro caso do Recurso no art. 61, § 2.º, quando se questionasse sobre espólio de estrangeiro, e a espécie não estivesse prevista em convenção ou tratado”. (SILVA, José Afonso da. Do recurso extraordinário no direito processual civil

brasileiro... 1963, p. 32).

66 “Art. 60. [...] 1º Das sentenças das justiças dos Estados em ultima instancia

haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: a) quando se questionar sobre a vigencia ou a validade das leis federaes em face da Constituição e a decisão do Tribunal do Estado lhes negar applicação; b) quando se contestar a validade de leis ou actos dos governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federaes, e a decisão do tribunal do Estado considerar válidos esses actos, ou essas leis impugnadas; c) quando dous ou mais tribunaes locaes interpretarem de modo differente a mesma lei federal, podendo o recurso ser tambem interposto por qualquer dos tribunaes referidos ou pelo procurador geral da Republica; d) quando se tratar de questões de direito criminal ou civil internacional”. (sic). (Redação da Constituição de 1891, após a EC de 1926).

67

No tocante especificamente à alínea a, a reforma constitucional procedeu a substituição da palavra “aplicação” por “vigência”. Já se teve a oportunidade de mencionar as divergências doutrinárias que surgiram em torno do primeiro termo. “Diante do dispositivo claro e expresso do novo texto, era de supor que cessariam as controvérsias em torno do sentido e alcance do termo aplicação, que era, como já se disse, o tormento dos interpretes na vigência da Constituição de 1891. Consoante o texto reformado, o recurso só tinha cabimento por inaplicação da lei federal, quando o motivo dessa inaplicação era

Nos primeiros anos de atuação do recurso extraordinário, muito embora fosse possível presumir alguns sintomas para eclosão da futura crise institucional no STF, pois o acúmulo de trabalho já se fazia presente, não parecia nada inquietante. As estatísticas a que se referem à entrada de recursos extraordinários no STF, entre os anos de 1918 a 1934, acusavam “ano por ano, sucessiva e respectivamente: 87, 123, 114, 188, 106, 126, 111, 74, 95, 82, 56, 61, 79, 74, 64, 89 e 78. Apesar da reforma, mantém-se a entrada de feitos no Supremo com certo

equilíbrio. Em nenhum ano chegou a atingir duzentos”.68

Levi Carneiro compreende que a reforma constitucional de 1926 já visava aliviar a sobrecarga de trabalho do Supremo, mas, como o próprio tempo demonstrará, não foi exitosa no sentido de desonerar o

Tribunal da pletora de processos.69

No documento Repercussão geral no Supremo Tribunal Federal (páginas 112-117)