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A tradicional cidade de Salvador também se rendeu ao mito das três raças como mito fundador da nação brasileira e de si própria. No final dos anos 1940, a capital tentava se recuperar do longo período de estagnação econômica e de relativo isolamento do resto do país. Salvador foi a capital brasileira que menos cresceu entre 1850 e 1950 e esse período passou a ser chamado por alguns de “enigma baiano4”.

A expressão acima foi usada para explicar a razão do atraso econômico da Bahia. A grande questão apresentada é descobrir por que um estado com tantas potencialidades entrou em franca decadência e não conseguiu acompanhar os avanços capitalistas do século XX. Alguns autores consideram que o enigma é uma alegoria da sociedade baiana, com essa aura de mistério sendo usada para mascarar a ausência de um projeto político que atualizasse o estado em relação às transformações econômicas pelas quais passavam o país e o mundo. Seguindo este raciocínio, Moura (2001, p.121) acrescenta que “o que se chama enigma é a opção de não revelar as limitações gritantes que

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acorrentam esta parte do mundo a seu passado oligárquico, patriarcal e autoritário”. Em comentário sobre o enigma baiano, Paulo César Miguez de Oliveira (2002) afirma que Francisco Marques de Góes Calmon, governante da Bahia entre 1924 e 1928, representando legitimamente o discurso das elites baianas, acusava a mestiçagem e o clima de serem fatores determinantes para o declínio econômico desta terra.

A rigidez das relações sociais na Bahia, baseada, sobretudo, em grupos de prestígio – e não em classes sociais – numa mentalidade senhorial, oligárquica, patriarcal e autoritária também foram preponderantes para esse período. A ascensão social era uma questão ligada à cor e ao berço. De um lado, ricos e brancos, do outro, negros e pobres (AZEVEDO, 1996; OLIVEIRA, 2002).

A estagnação econômica, a insularidade e o ostracismo político, entretanto, corresponderam paradoxalmente a um momento de intensas trocas internas que forjaram um corpus cultural peculiar:

Internamente, há a intensificação dos encontros entre cultura portuguesa – que soube garantir fortemente a sua influência – e as culturas dos negros bantos (vindos da região sub-equatoriana da África) e dos nagôs (da África superequatoriana) enraizadas desde os primeiros contatos no século XVI, além da cultura indígena tupi, ainda que amesquinhada e deslocada dos seus territórios originários. Esta interação fortalece o complexo que identifica Salvador e seu Recôncavo e serve de sustentação para o “corpus de cultura luso-banto-sudanês, e também tupi” que se caracteriza a singularidade daquilo que identifica-se contemporaneamente como a “cultura baiana” (MATOS, 2004, p.10).

A Bahia, entre os séculos XIX e a metade do século XX, traçou uma rede de práticas culturais definidoras da especificidade cultural baiana, mas conseguiu ocultar os conflitos sociais desse processo. Nesses pouco mais de cem anos, aumentou significativamente o número de jejes, haussás e nagôs trazidos à força e se reduziu a quantidade de imigrantes europeus. A ressocialização desses povos baseou-se em trocas interculturais com diferentes culturas africanas que já se encontravam neste território, a exemplo do povo bantu, oriundo de Angola e Congo, e isso favoreceu certa coesão cultural. A conexão com suas terras de origem e com o grupo de repertório simbólico- cultural similar estimulou uma peculiar experiência do espaço urbano soteropolitano, compactando ainda mais esses grupos humanos (MOURA, 2001; OLIVEIRA, 2002):

São povos de outros continentes que aportam, trazendo seus mundos e inventando outro mundo, com a participação do elemento nativo. Trata-se, num certo sentido, de um processo de mundialização, uma vez que esses sujeitos estão sempre trocando de material com suas terras de origem e reprocessando-os no confronto com outras matrizes civilizatórias (MOURA, 1998, p.25).

Cabe-nos recordar que Salvador recebia mais africanos que europeus durante os cem anos do “enigma baiano”. Mesmo instalados com suas casas comerciais e seus negócios, estes últimos não tiveram aqui a mesma força que experimentaram em outras cidades brasileiras. Em lugares como São Paulo, constituíram comunidades como os bairros do Bexiga ou Móoca, mas não lograram o mesmo êxito na Bahia. Os imigrantes que chegaram em número expressivo foram os galegos que fugiram da Guerra Civil na Espanha dos anos 1930. Milton Moura (1998) aponta que a cidade nunca deixou de trocar cultura com o mundo, mas essa dinâmica de integração se firmou mais entre os que chegaram até o século XIX e se solidificou em muitas décadas. Árabes, franceses, alemães e outros assimilaram-se rapidamente através da mestiçagem.

O relativo isolamento, a ausência de fluxos migratórios e a semelhança entre as línguas portuguesa e africanas facilitaram a fixação de uma realidade lingüística própria dos baianos. Mas a cidade se empobrecia presa aos seus arranjos econômicos agrário- mercantil frágeis e tecnologicamente obsoletos, ao mesmo tempo em que vivia uma ebulição cultural, fosse nos circuitos aristocráticos, fosse nos terreiros e ruas. Inspirada nas mudanças do Rio de Janeiro, Salvador teve um momento modernizante nas primeiras décadas do século XX, marcado principalmente pela urbanização. Tais alterações não trouxeram mudanças para a sociedade baiana, que continuou baseando as relações nos grupos de prestígio, mas procurava destruir todas as lembranças materiais do passado recente colonial. Houve ainda a demolição de prédios e monumentos históricos em nome das transformações urbanas, processo no qual se inclui a demolição de prédios dedicados às habitações populares (cortiços) existentes na região central da cidade.

A cultura oficial da cidade, segundo Oliveira (2002), não foi tocada pelo modernismo das primeiras décadas do século XX. A ambiência cultural dessa época é marcada pela preocupação dos agentes da cultura baiana em afirmar o caráter tradicional de sua terra, agarrando-se a tal ponto neste ideal que até as novas correntes de pensamento, a

exemplo do modernismo, encontravam resistência para ecoar entre os baianos. Prevalecia uma noção de cultura elitista e conservadora e em meio à ebulição causada pela transformação do perfil colonial para o urbano, desenhavam-se novas relações no plano da política para a produção de uma cultura oficial do Estado. A resistência, hostilidade ou simplesmente indiferença foram as respostas dadas ao novo ideário modernista. O conservadorismo literário foi defendido por suas elites letradas, reduzindo a cultura oficial ao elitismo e academicismo do “cultivo das letras”, mantendo o requinte da oratória, tida como traço de distinção:

Predominava na capital baiana o marasmo, o espírito estático do academicismo, que se comprazia em cultivar a literatura como um luxo de espírito (não por acaso fora um baiano quem definira a literatura como “o sorriso da sociedade”) ou como simples divagação lírica ou boêmia, no encontro ameno dos literatos aconchegados nos cafés que faziam a reputação da inteligência. (...) Vivíamos também no embalo dos saraus da “literatura do cafuné”, dócil, sonolenta e doméstica, vestida de pijama e chinelos após a rotina burocrática das repartições (onde, aliás, se faziam muitos versos com chave de ouro) (GOMES, 1979b, p.168 apud OLIVEIRA, 2002, p.148).

As artes visuais também se opuseram ao modernismo. Algumas exposições inspiradas nessa nova estética chegaram a sofrer atos de vandalismo. O teatro baiano nem reagiu, pois era muito inexpressivo e frágil, uma vez que se limitava à existência de algumas pequenas companhias e grupos amadores, que não conseguiam se estabilizar profissionalmente. Os dois únicos teatros (o São João e o Polytheama Bahiano) foram vítimas da sanha da modernização urbanística, fechando suas portas e essa atmosfera tradicionalista só permitiu que os ares do movimento modernista entrassem na Bahia quase duas décadas depois de seu aparecimento no Sul do país (MATOS, 2004).

Enquanto o teatro baiano se tornava praticamente invisível, o cinema crescia, os palcos dos cine-teatros se multiplicavam na cidade e o cinema falado dos anos 30 contribuiu decisivamente para esvaziar o teatro. Mas não foi somente o modernismo que enfrentou a aversão da cultura oficial. As manifestações e práticas culturais populares foram duramente reprimidas, rechaçadas e perseguidas. Em nome da ordem e da civilização, muitas ações foram engendradas contra as expressões culturais e artísticas dos segmentos menos favorecidos da cidade, tratadas inclusive como caso de polícia. Foi no rádio que as formas musicais populares encontraram espaço. Os músicos negros e

mestiços da Bahia surgiam como intérpretes ou compositores, participavam de programas de auditório e na formação de orquestras. O samba encontrou aí total visibilidade.

Propositadamente houve uma maciça investida numa imagem soteropolitana que lhe afirmava a tradição e o conservadorismo. São emblemáticas as comemorações dos 400 anos da Cidade do Salvador, em 1949. A Bahia, através de uma programação oficial, publicação de livros tratando de questões históricas locais, artigos de jornais e participação popular nos eventos comemorativos se preocupava em personificar a própria História na medida em que encarnava a origem da união pacífica das raças que forjaram a identidade nacional (MATOS, 2004). Isso não significa, porém, que as culturas negras e indígenas ganharam espaço positivo nessa representação. Ao contrário, esses elementos figuravam submissos, como a dócil sustentação e apoio ao domínio do colonizador português. Por outro lado, as culturas populares ganham certa visibilidade. É de 1949 a fundação do Afoxé filhos de Gandhi por uma associação de estivadores negros e do trio elétrico (fobica) de Dodô e Osmar, que representavam novas formas de ocupação das ruas.

A divulgação que se fazia da cultura negra no Brasil não encontrava na Bahia espaço para uma mudança estrutural da situação de marginalização econômica e social em que era posta. Salvador continuava a basear suas relações sociais nas hierarquias de classe e raça. Oficialmente, a cultura baiana era definida pela apologia da palavra, demonstrada na oralidade portuguesa e católica, e o discurso identitário baiano confundia-se propositadamanente com o discurso da nação (MATOS, 2004), de tal sorte que a chegada de Tomé de Souza em 1549, marco da fundamental da criação da Cidade do Salvador, foi o ponto de partida para as comemorações onde se materializou uma associação do mito fundador local com o nacional. Ambos se confundem, pois a Bahia vive dois momentos de fundação: um em 1500, com a chegada de Pedro Álvares Cabral e o segundo em 1549, com a chegada de Tomé de Souza. A fundação da nação confunde-se com a da capital, que nasceu para ser a sede do governo-geral. A cidade de Salvador, desde sua criação, recebe uma importância que a projeta para além do local e, através do mito fundador, reivindica seu lugar de direito na nacionalidade: o lugar da origem.

Entretanto, a mesma cidade que excluiu os principais agentes da cultura afro-brasileira, reconhece posteriormente que esses sujeitos passam a simbolizar também os traços culturais mais significativos da cidade do Salvador, isto é, a sua imagem-síntese. Na era da globalização, a cidade de Salvador entrou no mercado de cidades, estabelecendo competitividade perversa na qual é compelida a mostrar maior valor aos olhos dos seus moradores e aos investidores externos, escolhendo o viés cultural para materializar esse processo. A cidade capital do estado da Bahia tem um aporte histórico que lhe assegura um denso capital simbólico, potencializado pelas características e funções culturais, bem como no que diz respeito à divulgação de imagens que a afirmam como “rara”. A Salvador-negritude, a tradição, a alegria da festa, a “democracia racial” são vendidos como produtos raros e autênticos.

Norteada por uma política de desenvolvimento turístico, deflagrada especialmente nos anos 1990, a cidade teve algumas áreas escolhidas como legítimas representantes da modernização e afirmação negro-mestiça. A área mais importante foi o Centro Histórico de Salvador (Pelourinho), lugar onde ocorreu a fundação da cidade e que, após declínio econômico foi abandonado pelas classes mais altas e completamente ocupado pelos menos favorecidos socialmente, os descendentes de escravos. A negritude do Pelourinho é somada aos resquícios do período áureo colonial, personificado no valioso conjunto arquitetônico restaurado e reconhecido como patrimônio histórico e artístico mundial. Da mesma forma, todo um jeito negro de ser passa a ser veiculado como parte do cotidiano soteropolitano (SANTOS 2005).

A baianidade, “uma espécie de nacionalidade que confere aos baianos uma condição tão própria” (ESPINHEIRA, 2002, p.85), tornou-se o produto para o consumo turístico, assim como a cultura material e imaterial afro-baiana e a identidade de Salvador. É interessante notar que o carnaval em Salvador e sua musicalidade de matriz afro- brasileira é o ícone mais forte da “nação” soteropolitana. Paradoxalmente, a mesma baianidade que incorpora, entre outros mitos, os da preguiça e da felicidade, é desintegrada através do expurgo da cultura popular e da exclusão do povo. Há uma constante tentativa oficial de desafricanização pelos incrementos da atividade turística na renovação urbana e tecnológica, desfavelização das festas de largo e centro histórico (ESPINHEIRA, 2002). A baianidade, veiculada pelas estratégias de fomento ao

turismo, carro chefe da política de desenvolvimento adotado pelo Governo do Estado e do município no final do século XX, não explicita a diversidade soteropolitana. As atividades turísticas foram incrementadas por políticas públicas nos anos 90, como alternativa ao declínio econômico gerado pela decadência dos pólos industriais petroquímicos da Região Metropolitana de Salvador (RMS).

Para Muniz Sodré (1999, p.34), a identidade humana é um “complexo relacional que liga o sujeito a um quadro contínuo de referências, constituído pela interseção de sua história com a do grupo onde vive”. Ele ainda traz reflexões para o debate sobre a discriminação racial nos meios de comunicação, ao afirmar que os grandes grupos econômicos operadores da mídia atual descendem de famílias tradicionais da elite patrimonial brasileira e não prestam um serviço de apoio às questões realmente ligadas ao interesse público ou à afirmação da diversidade cultural, porque são instrumentos de ideologias das culturas hegemônicas eurocêntrica e norte-americana. Sodré (1999) ainda expõe a idéia de que o imaginário racista permanece e se desenvolve através dos entretenimentos televisivos e outros espetáculos direcionados às massas. Mas recebe também reforço através de outras contribuições como a negação do racismo, o recalcamento dos aspectos identitários negros, a estigmatização, a difusão de estereótipos e a folclorizações em torno do negro, a invisibilidade, a indiferença (a seu ver, a mídia contemporânea compromete-se com questões da publicidade, do comércio).

O geógrafo Milton Santos (2004) critica a apropriação das técnicas da informação por parte do Estado e de certas empresas em função de objetivos particulares, pois essa prática acentua as desigualdades e confunde. Todas as pessoas precisam de informação na vida cotidiana, mas ela chega manipulada, portanto sempre vem como ideologia, no entanto, é mais fácil comunicar-se com quem está longe do que com o próprio vizinho. “A informação não vem da interação entre as pessoas, mas do que é veiculada pela mídia, uma interpretação interessada, senão interesseira dos fatos” (SANTOS, 2004, p.41).

Os meios de comunicação foram fundamentais para a constituição da imagem de uma nova cidade, contemporânea, limpa, promissora, refletida em áreas delimitadas e vendáveis como a orla oceânica e o centro histórico de Salvador, o que não representou de fato uma alteração significativa do espaço urbano para os habitantes de outras

regiões da metrópole. No interior da cidade, área em que a miséria predomina na paisagem das encostas, vales e cumeadas das colinas, é possível perceber os gritantes contrastes sócio-econômicos e culturais, à deriva do tão preconizado discurso de inclusão étnico-racial por meio da igualdade de oportunidades num sistema que se diz democrático. Esse espaço entrelaçado por favelas (invasões) e conjuntos habitacionais populares de arquitetura depreciada compõe um quadro opositor às imagens-síntese soteropolitanas. A “negritude” escolhida como marca da cidade de Salvador exclui desse contexto a população afrodescendente mais empobrecida, especialmente aquela que vive em áreas relativamente novas. O miolo urbano, ocupação do século XX, reclama seu espaço no texto identitário soteropolitano e da baianidade através de um movimento recente de valorização da memória do povo negro da região, alicerçado no reavivamento da história dos quilombos de Salvador, da existência das comunidades litúrgicas de matriz africana e dos movimentos negros. Novos espaços urbanos como os conjuntos habitacionais populares, embora construídos sob a lógica de espaços de trânsito, sem a possibilidade imediata de constituição identitária (não-lugares5) também passaram recentemente a disputar a adesão à baianidade. Os moradores de Cajazeiras, por exemplo, embora reclamem da ausência de identidade do bairro, buscam o “pertencimento” à cidade através da valorização de aspectos étnicos, históricos ou simplesmente pelo consumo de símbolos desse produto turístico. Ultimamente têm defendido a transformação de lugares como o da Pedra do Buraco do Tatu em ponto de visitação pública e criação de um roteiro étnico para a visitação e conhecimento de lugares sagrados para os religiosos candomblecistas na Área de Proteção Ambiental Joanes - Ipitanga.

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Marc Augé (1994) definiu os não-lugares como espaços de trânsito, passagem, em que os vínculos e experiência vivida não permitem a sua ligação consistente ao sujeito. Cita como exemplos principais os aeroportos e shopping centers, que criam sensação de solidão e similitude.

TRÂNSITOS...

Ao investigar a construção do discurso identitário de Cajazeiras (bairro da cidade de Salvador) através de suas lideranças, não podemos ignorar que a relação entre lugar e identidade, assim como as fronteiras territoriais e locais estão cada vez mais presentes nas reflexões contemporâneas sobre a sociedade. Isso ocorre porque, entre as características – ou efeitos – desse momento da globalização, a rapidez da circulação das informações e dos deslocamentos territoriais (AGIER, 2008) é considerável.

A informação, segundo Santos (2004), é a técnica mais representativa da nossa época, já que permite a comunicação entre as diversas técnicas, algo impossível anteriormente. Além disso, o uso do tempo é acelerado pela possibilidade de convergência dos momentos e da simultaneidade das ações, resultando na aceleração do processo histórico. Por outro lado, a competitividade em função do consumo tem se definido como regra de convivência e está instalada no relacionamento das regiões e cidades, bem como entre as pessoas.

A localização geográfica ganha uma nova importância, uma vez que ela repercute as motivações de embates, e os conflitos entre os diversos atores e o território estão cada vez mais visíveis e submetidos a lógicas diferentes. Há uma tendência à compartimentalização generalizada dos territórios, onde se chocam e se associam as questões planetárias e locais. Paralelamente, há um processo de fragmentação que toma das coletividades o controle do seu destino, enquanto os novos atores não possuem

instrumentos de regulação que possam interessar à sociedade com um todo. Mas a aparente neutralidade do espaço geográfico é rompida pela sua capacidade de indicar aos sujeitos maneiras de intervir no transcurso histórico, permitindo ainda a criação de modos de vida (SANTOS, 2004).

Marc Augé (1994, p.36-37) observa que

...no próprio momento em que a unidade do espaço terrestre se torna pensável e em que se reforçam as grandes redes multirraciais, amplifica-se o clamor dos particularismos; daqueles que querem ficar sozinhos em casa ou daqueles que querem reencontrar uma pátria, como se o conservadorismo de uns e o messianismo de outros estivessem condenados a falar a mesma linguagem – a da terra e das raízes.

Isso a que chamamos de globalização ou globalitarismo teve seu ponto de partido na época das grandes navegações, a partir do século XV. Para o geógrafo Milton Santos, essa época é “de certa forma, o ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista” (SANTOS, 2004, p.23). Este fenômeno não se mostra somente no plano econômico, mas interfere também no espaço urbano, na sua reestruturação e concepção de política pública. Os projetos atuais de modernização urbana objetivam a reinserção das cidades nessa conjuntura. Elas estão articuladas aos interesses ditos globais, proferidos por agentes que se autodenominam neutros, tais como governos locais, redes mundiais de cidades, agências multilaterais de cooperação (organismos de caráter internacional e ação global, que atuam como produtores de pensamento, difusão e financiamento de políticas públicas). As cidades foram transformadas em mercadoria e participam da competição de mercado, conforme orienta o sistema do capitalismo (SÁNCHEZ, 2001).

Nas reflexões sobre as identidades é necessário considerar que o processo pelo qual os fenômenos se aceleram e se disseminam pelo globo (a compressão espaço-tempo) é composto pelo emaranhado de situações e circunstâncias diversificadas. Portanto, as disputas de poder é que condicionam as diferentes formas de mobilidade espacial e