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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 DA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA À CULTURA CIENTÍFICA

2.1.3 Cultura Científica

Terminamos nosso estudo sobre o conceito de Alfabetização Científica salientando a sua dimensão cultural. Assim, pensamos em desenvolver uma breve discussão sobre o conceito de cultura científica e como ele pode orientar nossa reflexão.

A origem da expressão ―Scientific literacy‖ nos incentiva à vigilância, já que ela pode ser associada com o ―modelo de déficit‖ da divulgação da ciência, ainda mais quando ela é qualificada de funcional e é apresentada como correspondendo às competências mínimas para que um indivíduo possa se adaptar à sociedade industrial contemporânea. Além disso, para Sabatini (2004), ―a concepção da alfabetização científica como um atributo individual se revela insuficiente para compreender a circulação e uso social do conhecimento, assim como a participação cidadã‖. Segundo Vogt (2005), o conceito de cultura cientifica seria mais apto a englobar o processo cultural em obra na produção, difusão e divulgação da ciência, bem como da dinâmica social do ensino e da educação:

A expressão cultura científica parece mais adequada do que as várias outras tentativas de designação do amplo e cada vez mais difundido fenômeno da divulgação científica e da inserção no dia-a-dia de nossa sociedade dos temas da ciência e da tecnologia. Melhor do que alfabetização científica (tradução para

scientific literacy), popularização/vulgarização da ciência (tradução para Science popularization/vulgarisation), percepção/compreensão pública da ciência (tradução

para public understanding/awareness of science), a expressão cultura científica tem a vantagem de englobar tudo isso e conter, ainda, em seu campo de significações, a idéia de que o processo que envolve o desenvolvimento científico é um processo cultural, quer seja ele considerado do ponto de vista de sua produção, de sua difusão entre pares ou na dinâmica social do ensino e da educação, ou ainda do ponto de vista de sua divulgação na sociedade, como um todo, para o estabelecimento das relações críticas necessárias entre o cidadão e os valores culturais de seu tempo e de sua história (VOGT, 2005, p. 11, grifos do autor).

Essa concepção permite passar da aquisição individual de vocabulário e conceitos científicos a uma prática coletiva sócio-cultural.

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Lévy-Leblond (2007), ao discorrer sobre a cultura científica, destaca que em 1959, Charles Percy Snow, durante uma palestra, exprimiu a ideia de que há, nas sociedades modernas, duas culturas distintas: a antiga, aquela das letras e das artes, e a nova, aquela das ciências e técnicas a qual ele deseja o pleno reconhecimento. (LÈVY-LEBLOND, 2007, p. 8). Para o autor, essa ideia é pouco convincente, pois, uma cultura fragmentada seria uma não-cultura, considerando que o que constitui a cultura é justamente ―sua capacidade de expressar e desenvolver as ligações orgânicas entre todas as dimensões da atividade humana‖. (LÉVY- LEBLOND, 2007, p.9)21. Podemos constatar, também, que a ideia das duas culturas é concomitante com a aparição da expressão ―Scientific Literacy‖ que seria aplicada ao grande público, numa tentativa para reduzir o fosso entre as duas culturas.

Godin e Gingras (2000) buscaram definir indicadores de cultura científica e tecnológica. Ao contrário das pesquisas sobre a Public Understanding of Science que só consideravam os conhecimentos individuais, esses dois autores defendiam a necessidade de integrar duas dimensões da cultura científica: a individual e a social. Assim eles destacam o papel de diversas instituições na apropriação social da ciência:

Figura 1- Social appropriation modes for science

Fonte: Godin; Gingras, 2000, p.50.

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Lévy-Leblond afirma que a ciência hoje está automatizada, que ela perdeu essa ligação orgânica com a cultura. Ver LEVY-LEBLOND, 2007, p. 9.

Por meio do primeiro modo (Learning mode), a sociedade treina seus membros e lhes proporciona os meios para desenvolver o conhecimento, valores, representações, atitudes e habilidades necessárias para viverem em um ambiente permeado pela ciência e tecnologia. Por meio do segundo modo (Implication mode), a sociedade retira benefícios das habilidades dos indivíduos treinados para cumprir determinadas tarefas que envolvem a ciência e a tecnologia. Por meio do terceiro modo (Socio-organizational mode), a sociedade desenvolve as instituições dedicadas às atividades científicas e tecnológicas e seu controle reflexivo. Nessa perspectiva, Godin e Gingras (2000) propõem um modelo que integra as ciências e tecnologias como parte da cultura, conforme o modelo 3 da figura 2:

Figura 2- Three models of science and culture

Fonte: Godin; Gingras, 2000, p.53.

O modelo 1 corresponde ao modelo das duas culturas separadas, tal como apresentado por Snow em 1959 (1961). O segundo modelo separa também a ciência da cultura, mas concebe uma interlocução da ciência em direção da cultura por meio de mediadores. Godin e Gingras (2000) concebem a cultura científica e tecnológica como a expressão dos modos de apropriação individual e social da ciência e da tecnologia, o que envolve fenômenos sociais baseados num esforço coletivo na sua produção, difusão entre os pares ou por meio do ensino ou da divulgação da ciência e da tecnologia. Assim estes autores defendem o terceiro modelo da figura 2, em que a científica e tecnológica são incluídas na cultura.

Vogt (2003) propõe representar a dinâmica da cultura científica na forma de uma espiral, a ―espiral da cultura científica‖ (FIGURA 3):

Figura 3 - A Espiral da Cultura Científica

Fonte: Vogt, 2003.

No primeiro quadrante, encontra-se o sistema de produção e de difusão do conhecimento científico (os centros de pesquisa, os órgãos governamentais, as agências de fomento, os congressos, as revistas científicas), em que os cientistas são destinadores e destinatários da ciência. No segundo, estão o ensino de ciências e a formação de cientistas (as universidades, o sistema de Ensinos Fundamental e Médio) em que os cientistas e os professores são destinadores da ciência e os estudantes são destinatários. No terceiro, encontramos os museus e as feiras de ciências sendo que cientistas, professores, diretores de museus são os destinadores e os estudantes e mais amplamente o público jovem (e podemos acrescentar todos os visitantes) são os destinatários. No quarto quadrante, estão as atividades próprias da divulgação científica nas revistas de divulgação científica, nas páginas e editorias dos jornais voltadas para o tema, nos programas de televisão que têm cientistas e jornalistas como destinadores e a sociedade em geral como destinatária. Nesse sentido,

Importa observar que, nessa forma de representação, a espiral da cultura científica, ao cumprir o ciclo de sua evolução, retornando ao eixo de partida, não regressa, contudo, ao mesmo ponto de início, mas a um ponto alargado de conhecimento e de participação da cidadania no processo dinâmico da ciência e de suas relações com a sociedade, abrindo-se com a sua chegada ao ponto de partida. Em não havendo descontinuidade no processo, um novo ciclo de enriquecimento e de participação ativa dos atores em cada um dos momentos de sua evolução se inicia. (VOGT, 2005, p.11).

Esse último ponto rompe com a visão linear de transmissão unilateral de uma comunidade científica em direção de um publico leigo e passivo, uma vez que a sociedade influencia o próprio sistema de produção da ciência.

1° Quadrante: da produção e da difusão da ciência. 2° Quadrante: do ensino da ciência e da formação de cientistas. 3° Quadrante:

do ensino para ciência.

4° Quadrante: